Sociedade

Substância não alucinógena da maconha vira elixir da moda

Segundo os entusiastas, o canabidiol combate do estresse às espinhas

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Aaron Horn conheceu o canabidiol, ou CBD, há cerca de três anos em Glastonbury – a cidade, não o festival de música. “Encontrei-o numa incrível loja de fumo, a Hemp in Avalon”, lembra Horn, um músico de 35 anos. “É dirigida por um cara chamado Free. Seu sobrenome é Cannabis. Ele mudou de nome no cartório para Free Cannabis (Liberem a Maconha).” Horn comprou um tubo de CBD concentrado – “é como uma pasta de dentes marrom, praticamente” – e lhe recomendaram aplicar um pouquinho no dedo e pôr na boca.

A vida adulta de Horn foi passada à sombra de um terrível acidente que aconteceu quando ele tinha 22 anos, em junho de 2006. Ele atirava em um alvo com um rifle de pressão no jardim de sua casa. Seus pais são os produtores musicais Trevor Horn e Jill Sinclair. Horn não percebeu que sua mãe estava perto, e um chumbo extraviado atingiu seu pescoço e cortou uma artéria. Jill Sinclair sofreu hipoxia, que causou danos cerebrais irreversíveis, e ela passou anos em coma até morrer em 2014.

Depois do acidente, Horn fez sessões de terapia cognitiva comportamental, que achou benéficas. Ele não tomou antidepressivos porque temia os efeitos colaterais. Ele fumava maconha, mas nem sempre gostava de se sentir “chapado”. “Eu sofria os sintomas de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), flashbacks”, explica. “E alguns outros problemas.”

O CBD produz efeito inverso ao do THC

Quase imediatamente, Horn descobriu que usar CBD melhorava seu humor. O canabidiol é uma substância química não psicoativa encontrada nas plantas de maconha, ou cânhamo (Cannabis sativa). Ela está presente quando se fuma um cigarro da erva, mas muitas vezes é sobrepujada por um dos mais de cem canabinoides encontrados na cannabis, o THC (tetra-hidrocanabinol). Esse é o ingrediente com propriedades de alteração da mente, mas hoje também tem ligações preocupantes com doença mental e violência. Os produtos de CBD só podem conter vestígios de THC, o que os torna legais, e os devotos afirmam que têm muitos dos benefícios da cannabis, sem os reveses.

“O CBD me ajudou em tudo”, diz Horn. “Ele realmente ajudou em situações sociais, quando eu achava difícil estar perto de outros indivíduos. Ele o traz para o momento. Eu me sentia mais descontraído.”

Horn é saltitante e entusiástico. Para alguém que passa uma boa quantidade de tempo na meditação, ele parece ter dificuldade para ficar parado. Nossa conversa ocorre em sua loja, a LDN CBD, que ele abriu em Camden, Londres, em julho passado com um amigo, Joe Oliver.

O CBD está disponível para compra há algum tempo – não só em lojas independentes como a Hemp in Avalon, mas, desde o início de 2018, em redes nacionais como Holland & Barrett –, mas Horn afirma que esta é a primeira butique dedicada ao elixir no Reino Unido. É certamente um longo caminho da tradicional loja de “baratos”: narguilés e papel Rizla deram lugar a paredes brancas, pisos de madeira recuperada e prateleiras apenas salpicadas de óleos, pastas e pílulas de CBD, além de plantas para a casa. Um vidro de 10 mililitros de óleo de CBD a 3% custa 25 libras (cerca de 130 reais). Horn considera seu cliente-alvo qualquer um interessado em bem-estar, mais que os malucos da contracultura. No andar de baixo há duas salas para ioga, reiki e massagens de CBD.

Se a LDN CBD é a primeira, certamente não será a última. O interesse por produtos de CBD explodiu: é a torrada de abacate de 2019, a vitamina de cúrcuma do momento. Mas há uma diferença crucial. Se o CBD fizer o que seus defensores sugerem – ou mesmo uma fração disso –, essa substância química totalmente natural, sem efeitos colaterais e facilmente encontrada poderia ser realmente a droga mágica de nossa era.

Os adeptos afirmam que ela é “adaptogênica” – isto é, uma substância natural, atóxica, que regula sua reação ao estresse –, e não é difícil encontrar quem lhe diga que ela ajudou com a ansiedade, acne, esquizofrenia, dor menstrual, insônia e até câncer. Também há dezenas de produtos cosméticos de CBD, sucos e cafés, e alguns o acham útil como lubrificante sexual.

Estranhamente, ele também decolou como produto para pets: de chicletes para cães ansiosos ao tratamento de problemas que ameaçam a vida. Novos produtos incluem trufas, produtos para banho, umidificantes, sorvete, água mineral infundida de CBD (da Ocado) e, naturalmente, óleo de cúrcuma com CBD. O CBD não tem um sabor especialmente forte (alguns o chamam de “amendoado”),o que significa que pode ser adicionado a alimentos sem encobrir seu gosto.

“O CBD vai mudar a cultura”, prevê Horn. “As pessoas estão menos interessadas em beber em bares, ficar bêbadas, sentir-se péssimas no dia seguinte, deixar o corpo cair, ter problemas com o corpo por causa disso. A mudança está ocorrendo: mais gente está interessada em alimentação mais saudável, vida mais saudável, e isso faz parte. Muda as coisas muito mais que um novo iPhone ou um novo par de tênis, ou tudo o que tivemos desde os anos 1990, que são apenas versões diferentes.”

Os adeptos celebram seus benefícios no combate ao estresse, insônia, ansiedade e até espinhas

E funciona? Tomar CBD nos faz bem? Philip McGuire é professor de psiquiatria e neurociência cognitiva no King’s College em Londres. Ele se interessa especialmente por psicose, e começou a examinar o canabidiol há 15 anos. Um dos primeiros experimentos que ele fez analisava como o canabidiol funciona em cérebros saudáveis em comparação com o impacto do THC. Os resultados foram categóricos.

“Nós basicamente mostramos que as duas substâncias têm efeitos opostos na função cerebral”, diz McGuire. “Quando o THC o torna psicótico, estimula certas partes do cérebro. E nessas áreas o CBD tem o efeito contrário, basicamente, nos mesmos indivíduos.” Resumindo: “CBD e THC parecem estimular em direções opostas”.

Nos últimos cinco anos, McGuire seguiu com testes clínicos de canabidiol em pacientes com psicose ou vulneráveis à psicose. Os testes foram feitos comparando com um placebo, duplamente cegos, e os resultados foram muito animadores. “Fizemos dois testes de fase dois e em ambos descobrimos que o canabidiol reduziu os sintomas psicóticos mais que o placebo”, diz ele. “Então não era um efeito placebo, ele realmente reduziu os sintomas psicóticos.”

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