Sociedade

Servidores do governo trocaram vacinas para indígenas por ouro, diz denúncia

Em nova denúncia, líderes relatam que cada dose foi vendida a 15 gramas do minério para garimpeiros em terras Yanomami

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Lideranças indígenas denunciam que ao menos 106 doses do imunizante Coronavac destinadas à terra Yanomami foram vendidas a garimpeiros em troca de ouro por servidores da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. A denúncia foi divulgada pelo Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY). A apuração é do portal G1.

Em ofício, assinado no último dia 15, Júnior Hekurari Yanomami, presidente do Condisi-YY, menciona cinco servidores como responsáveis pelo esquema de vendas das vacinas na comunidade Komamassipi, na região do Parafuri. Segundo informações, 45 garimpeiros foram vacinados pagando 15 gramas de ouro em cada dose. Em outras regiões, teriam sido imunizados outros 61. e incitaram o ódio contra crianças.

É o segundo caso de denúncia de troca de vacina por ouro em terra Yanomami. Outros desvios ocorreram nos meses de março, abril e maio deste ano, conforme informou Hekurari ao G1. De acordo com a cotação do grama do ouro, a venda de imunizantes pode ter gerado cerca de 500 mil reais por 106 doses que deveriam ser aplicadas nos Yanomami.

“Alguns profissionais dos polos base Parafuri, Homoxi e Parima se beneficiaram com a troca de vacina por ouro. Ao todo, são 106 Yanomami não vacinados. As vacinas foram enviadas para os Yanomami e utilizadas em invasores da Terra Yanomami. São denúncias graves feitas pelo povo Yanomami. Segundo relatos dos indígenas, o Dsei sabia”, disse Hekurari.

Ainda não se sabe se as vacinas vendidas foram repostas para serem aplicadas nos indígenas. À época, 10 funcionários do Ministério da Saúde estavam trabalhando na região.

Embora a vacinação dos indígenas seja prioritária, os níveis de imunização ainda se encontram muito abaixo do esperado. Até esta quarta-feira 28, o Vacinômetro, site do governo do estado que divulga a aplicação dos imunizantes, mostra o envio de 19.001 doses de vacina contra a Covid-19 para o Dsei-Yanomami. Dessas, apenas 9.328 foram aplicadas (49,09% do total).

Desvios de imunizantes

A suspeita sobre os desvios veio à tona em uma reportagem publicada em junho nos portais “Repórter Brasil” e “Amazônia Real”, que flagrou uma das servidoras tentando vender ouro em Boa Vista. O Condisi-YY confirmou a suspeita.

Ainda segundo Hekurari, os indígenas afirmam ter flagrado a vacinação dos invasores durante o dia e à noite, tanto nos postos de saúde das três comunidades, quanto nos acampamentos do garimpo. No entanto, foram impedidos de denunciar o ocorrido porque eram impedidos pelos servidores de falar via rádio, único meio de comunicação na floresta.

“Os próprios funcionários controlam o rádio. Eles [indígenas] queriam falar com a gente e ninguém deixava falar. Por causa dessa denúncia [reportagem], eu fui lá e falei com os Yanomami. Eles disseram que os profissionais de saúde não os deixavam falar no rádio”, relatou Hekurari.

Uma técnica de enfermagem chegou a ser vista pela reportagem dos portais “Repórter Brasil” e “Amazônia Real” perguntando em uma loja no Centro de Boa Vista se compravam ouro de garimpo. Ela teria deixado a região e retornou a capital em um voo pago por garimpeiros.

“(…) É inadmissível que, em meio à insistente piora nos índices de saúde das comunidades indígenas da Terra Yanomami, e em plena pandemia da Covid-19, o órgão responsável pelo atendimento da saúde indígena tenha seus recursos desviados para atendimento de não indígenas que atuam em garimpo ilegal”, critica o Conselho em trecho do ofício.

O ofício do Condisi-YY, com os relatos dos indígenas que vivem nas comunidades, foi encaminhada à Sesai, à Polícia Federal e ao Ministério Público Federal (MPF) em Roraima.

Em nota, o Ministério da Saúde afirmou estar apurando a denúncia, mas que ainda não foram apresentadas provas das acusações.

“O Ministério da Saúde, por meio da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), informa que o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami está apurando a denúncia do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) Yanomami. No entanto, até o momento, ainda não foram apresentadas ou encontradas provas das acusações. Ratifica-se ainda que o distrito não pactua com nenhuma ação ilícita em reserva indígena e está pronto para colaborar com as autoridades competentes”.
A nota ainda informa que a vacinação contra a Covid-19 no DSEI Yanomami está com 80% da primeira dose aplicada e 64% dos indígenas estão imunizados com a segunda dose

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