Sociedade

Se o presidente tuitou é notícia?

Especialistas comentam a atuação de políticos nas redes sociais. Atuação de Bolsonaro substituiu a campanha tradicional e anuncia nova forma de um governo se comunicar

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Levará tempo para que se possa desvendar – e medir – o impacto do uso das redes sociais nas eleições brasileiras. Ao contrário dos Estados Unidos, onde grande parte da campanha foi feita em redes sociais rastreáveis como Facebook, Instagram e Twitter, no Brasil o protagonista foi o WhatsApp.

Por conta das mensagens criptografadas não há como dizer, neste momento, a dimensão da influência exercida pela rede social. E, apesar do cenário nebuloso há quem desenhe análises. “O que já sabemos é gravíssimo e não haverá volta atrás”, afirma o jornalista e doutor em Ciências Sociais Carlos Alves Müller em sua coluna no Instituto Palavra Aberta.

De fato, não há volta. O uso das redes sociais pela classe política não começou neste ano e não acabará com o fim da eleição. Os desafios para jornalistas – na linha de frente da comunicação e checagem de informações – e para a sociedade civil são antecipados por experiências de outros países.

O presidente eleito Jair Bolsonaro já afirmou diversas vezes se inspirar em Donald Trump, conhecido por postagens controversas nas redes sociais, criticadas até mesmo por seus advogados. Os dois presidentes seguem sem medo. Ao contrário de líderes anteriores, medem menos o impacto de suas palavras, dividindo apoiadores e críticos a cada postagem.

E o motivo dessa atuação destemida é objeto de análise dos especialistas entrevistados por CartaCapital, que conversou com Carlos Alves Müller, com os pesquisadores Marcelo Anselmo, José Antonio Pinho, Marcos Paulo da Silva e com a jornalista norte-americana Brooke Boorel sobre o possível futuro da timeline presidencial.

Parlamentares no Twitter

Marcelo Amaral, professor da Universidade do Sudoeste da Bahia e José Antonio Pinho, professor aposentado da Universidade Federal da Bahia, estudam a importância do Twitter na política brasileira desde 2013.

A rede social ganhou relevância entre os parlamentares após a eleição de Barack Obama nos Estados Unidos, que usou o meio para se comunicar diretamente com seus seguidores, criando uma aura de transparência e conexão.

O grande trunfo de Obama em 2008 foi perceber o poder que o Twitter tinha como meio de comunicação. Nesse ponto, a teoria de Marshall McLuhan, intelectual da comunicação do século XX, nos ajuda a entender a estratégia. Sua célebre frase “O meio é mensagem” resume a ideia de que, para além do conteúdo, o canal utilizado carrega sozinho um significado.

Nesse sentido, mesmo que Obama e outros políticos não tivessem feito um único tuíte, estar naquele ambiente virtual já tinha peso. O Twitter era a plataforma utilizada por usuários para contar de maneira instantânea a seus amigos sobre atividades e pensamentos em um espaço, à época,  limitado a 140 caracteres.

Quando o então candidato à Presidência dos Estados Unidos passou a utilizar a rede para se comunicar com potenciais eleitores, a ideia de instantaneidade e, mais importante, de proximidade foi associada a sua atividade virtual. Além disso, os jornalistas sempre foram usuários bastante ativos da plataforma, já que a rapidez da circulação de informação ajuda a capturar histórias que podem pegar fogo com uma pequena fagulha.

A primeira política brasileira a seguir os passos de Obama foi Dilma Rousseff, que “abriu a porteira” para o Twitter, conta o professor Marcelo Anselmo. Durante a entrevista, rolou por seus números na tela do computador e comentou: “Em 2010 várias pessoas abriram conta no Twitter. O Bolsonaro chega mais ou menos nesse movimento de adesão. Ele abre a conta de 2010. Vou te dizer o dia certo… 31 de março, olha, 31 de março, é uma data interessante.” O orientador de seu doutorado no tema, José Antonio Pinho, participava da entrevista e riu. “Vai ver que ele pensou, viu? Não foi a toa”.

Se Jair Bolsonaro premeditou sua estreia, pouco importa. O presidente eleito é, hoje, um usuário bastante ativo no Twitter. Ainda assim, não é o campeão de seguidores. Assim como Trump, que fica atrás de seu antecessor, Bolsonaro tem aproximadamente 2,4 milhões de seguidores, enquanto Dilma permanece na liderança, com 6 milhões.

O pesquisador já coletou os dados da eleição deste ano, mas os resultados da pesquisa ainda não foram divulgados.

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O meio e a mensagem de Jair Bolsonaro

“Por virtude ou por necessidade, o fato é que o Bolsonaro se agarrou nas mídias sociais.” Carlos Alves Müller avalia que a escolha do militar de usar a internet para fazer campanha pode ser vista pela perspectiva do custo baixo e da assessoria que recebeu do mesmo estrategista que auxiliou Trump, Steve Bannon.

Ao fazer essa escolha, Jair Bolsonaro tirou sua corrida eleitoral dos meios tradicionais. A tentativa de homicídio que sofreu durante a campanha o afastou por um tempo de eventos oficiais, entrevistas e debates. Após se recuperar, o então candidato afirmou que sua ausência nos debates fazia parte de sua estratégia dali em diante. Funcionou.

“As redes sociais permitiram que candidatos marginais no sistema político fizessem campanhas de baixo custo. Eles usam ferramentas para uma comunicação que, à princípio, é direta. O eleitor tem a impressão de que o candidato está falando com ele, dá uma dimensão pessoal”, comenta Müller.

A proximidade da comunicação através das redes sociais, utilizada em outras campanhas políticas, foi o que viabilizou a candidatura de Bolsonaro, segundo Müller. “O que eu acho que é importante entender é que isso não é uma coisa dessa eleição, é algo que veio para ficar.”

Deu no Twitter

De fato, a atuação de Bolsonaro nas redes sociais continuou após sua vitória. O presidente eleito continua a usar o meio para gerar debates sobre os primeiros movimentos de seu governo, indo e voltando atrás em suas propostas a cada tweet.

O professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul Marco Paulo da Silva aponta que a instabilidade das declarações de Bolsonaro deve ser tratada com cautela. “Não necessariamente a informação que provém de uma figura pública é interesse público.”

Nesse momento, Silva acredita que os jornalistas – classe na qual ele está incluído – devem fazer uma autocrítica e avaliar com cuidado os próximos passos. “O jornalismo não tem que se preocupar em ser necessariamente palatável, ele tem que se preocupar em dar conta da complexidade do momento histórico.”

A busca pela rapidez em “dar a notícia”, auxiliada pelas declarações instantâneas de Jair Bolsonaro, podem virar uma armadilha. Ao não contextualizar as informações fornecidas pelo presidente eleito, os jornalistas podem acabar repetindo o ciclo de desinformação. Brooke Borel, jornalista norte-americana e autora do livro “The Chicago Guide for Fact Checking” (O guia de checagem de fatos de Chicago, tradução livre), afirma que não basta registrar as declarações dadas por figuras de autoridade.

É necessário, segundo ela, auxiliar os leitores a entender o que está por trás das declarações. Müller concorda que o papel dos jornalistas vai além da mera reprodução de falas: “Informar significa também indicar entre duas opiniões contraditórias qual está certa.”

A autonomia criada pelos novos meios de comunicação transformou os antigos consumidores da informação em potenciais produtores. E como diria o falecido Stan Lee, com grandes poderes vem grandes responsabilidades. “A sociedade precisa se dar conta que consumir informação de qualidade é uma necessidade social.  É preciso que a sociedade aprenda a lidar com a informação a partir de um caráter didático e que as novas gerações sejam instruídas a tratar o consumo de informação de uma perspectiva crítica”, comenta Silva.

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