Sociedade

Prefeitura de SP discute enterramento da rede aérea de fios

Projeto esbarra em custos elevados, mas urbanistas defendem que ação aumentaria eficiência da rede. Segundo especialistas, parcerias público privadas poderiam equacionar gastos

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Quem caminha pela Avenida Paulista, no centro de São Paulo, enxerga arranha-céus, museus e canteiros de árvores sem a interferência de fiações penduradas em postes. Até mesmo a iluminação pública não tem fios. Um cenário semelhante pode ser encontrado na Rua Oscar Freire, nos Jardins, e na Avenida Faria Lima, na zona sul. Mas esses locais ainda são exceção. A capital paulista tem, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apenas 7% de seus fios enterrados.

Os postes repletos de cabos elétricos, de internet, televisão e telefônica estão, contudo, na mira da Prefeitura. Desde o início do ano, o município estuda maneiras de enterrar os cerca de 38 mil quilômetros de fios da cidade e viabilizar a mudança, que tem preços elevados. Estimativas da Eletropaulo, concessionária que distribui energia em São Paulo, e da gestão do ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) indicaram um custo de 100 bilhões de reais para acabar com a fiação exposta.

Mas quem pagaria essa conta? Desde 2005, a lei municipal 14.023 determina que a distribuidora de energia promova o enterramento de 250 quilômetros de fios por ano. Nunca cumprida, a legislação é criticada por não indicar de onde viria o orçamento para as obras. O valor poderia, então, acabar sendo repassado aos consumidores. “Não sou contra o enterramento. Mas, se formos fazê-lo, a tarifa vai custar três vezes mais”, afirmou Sidney Simonaggio, vice-presidente de operações da AES Eletropaulo, em uma audiência pública do Ministério Público Federal de São Paulo sobre o tema, na terça-feira 14.

A prefeitura busca outra saída. Tem discutido em reuniões do conselho político a possibilidade da participação da iniciativa privada na divisão dos custos, mas sem excluir o aumento de tarifas na conta de luz ou IPTU. “A prefeitura tem voltado atenção para o assunto e uma portaria técnica sobre o tema vai ser publicada em breve, possibilitando o início dos estudos”, informou Hilda Mitiko Iuamoto, diretora do Departamento de Controle de Uso das Vias Públicas, durante a audiência.

No momento, segundo a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras, o Programa de Enterramento das Redes Aéreas (Pera) está em fase de reformulação da Câmara Técnica de Gestão de Redes Aéreas. Com o fim deste trabalho e a entrega do cadastro da rede de energia elétrica pela Eletropaulo em novembro passado, será possível continuar o programa.

Enquanto isso não ocorre, o prefeito Fernando Haddad (PT) anunciou, no fim de fevereiro, que a Eletropaulo se comprometeu a enterrar a fiação das ruas José Paulino e do Gasômetro, ambas no centro da cidade. Há um Termo de Acordo com a empresa que prevê o enterramento da fiação também, entre outros lugares, na Treze de Maio e no Largo da Batata.

Estética ou eficiência?

Para Simonaggio, da Eletropaulo, o enterramento dos fios é apenas estético. “Não preciso do custo de enterrar os fios para distribuir energia, porque é possível fazer isso por via aérea. Não é um custo de distribuição, é um custo de urbanismo.”

Segundo a Aneel, cada quilômetro de fiação aérea custa perto de 112 mil reais, enquanto o enterramento do mesmo tamanho de rede pode sair até dez vezes mais caro. Em algumas partes de São Paulo, essa diferença poderia chegar a 20 vezes, disse Ricardo Brandão da Silva, procurador-geral da Aneel, na audiência. “O aumento da qualidade obtida com essa reformulação não vai ser proporcional ao investimento. A rede não vai ficar 20 vezes melhor.”

Entre urbanistas, por outro lado, é consenso que os benefícios vão muito além do fim da poluição visual. “Há também a relação com a segurança e estabilidade da fiação. A rede área esta mais exposta a acidentes, árvores caem em cima de fios e às vezes do transformador. O enterramento melhora o desempenho da rede energia”, diz Raquel Rolnik, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, a CartaCapital.

Especialistas defendem que a eficiência da distribuição das redes subterrâneas reduziria os riscos de falhas na transmissão de energia e outros serviços, praticamente eliminando blecautes provocados por quedas de árvores na fiação, fios partidos por caminhões ou derrubados por ventos. Os pedestres também ganhariam mais espaço com menos postes nas calçadas.

Planejamento do poder público é fundamental

Há modelos, contudo, de equação de custos. Na Rua Oscar Freire, por exemplo, a prefeitura, a Eletropaulo e a iniciativa privada dividiram os gastos de cerca de 8,5 milhões de reais com o enterramento dos fios. “A prefeitura tem condições de criar um modelo de repartição de custos, que envolva o município, as concessionárias, os proprietários dos lotes onde for feita a mudança e eventualmente alguma empresa que se interesse em explorar as galerias subterrâneas”, defende o vereador Nabil Bonduki, professor da FAU/USP e relator da Lei do Plano Diretor Estratégico de São Paulo.

Os custos das galerias, completa Rolnik, também poderiam ser repartidos entre as empresas que utilizam os postes de energia elétrica para colocar seus fios. “A melhor solução usada em outros lugares do mundo é a galeria técnica. É como um quarto subterrâneo com várias redes onde cada empresa usa um pedaço e paga proporcionalmente.” Em São Paulo, a Eletropaulo tem 1,3 mil quilômetros de redes subterrâneas cadastradas e a Vivo tem 6,7 mil quilômetros.

“Esteticamente e urbanisticamente é fato que se todas as redes fossem enterradas, teríamos um ambiente mais saudável e seguro para se viver”, defende, em nota, a Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras. Para chegar a esse nível, antes é preciso planejar. A cidade necessitaria de um plano de longo prazo para o enterramento que priorize as ruas de maior movimento, comerciais e que têm equipamentos públicos, defende Bonduki. A discussão, afirma, poderia inclusive ser inserida no plano diretor da cidade. “O custo não é baixo, mas não se faz isso em pouco tempo. Dá para estabelecer uma meta de 30 anos, priorizando os cerca de seis mil quilômetros de ruas estruturais e enterrando 400 quilômetros por ano.”

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