Sociedade

Presente e futuro do Tinder e de outros aplicativos de encontros

O amor verdadeiro ainda pode estar a apenas um dedo de distância

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No papel, é um ótimo momento para estar em um aplicativo de paquera. Nos sete anos desde a entrada do Tinder no campo do namoro, em 2012, ele passou de ser uma novidade marginal à onipresença romântica; dois anos após seu lançamento, já recebia 1 bilhão de toques por dia. Outros aplicativos têm estatísticas igualmente impressionantes: em 2018, o diretor global do Bumble revelou que tinha mais de 26 milhões de usuários e 20 mil casamentos confirmados.

Está muito longe da reação bem menos otimista que o Tinder recebeu quando foi lançado. Muitos o saudaram como o fim do romance. Em um artigo infame na Vanity Fair, Nancy Jo Sales chegou ao ponto de sugerir que ele daria início ao “apocalipse do namoro”.

Esse ceticismo claramente não teve um grande impacto. Os casamentos do Bumble não parecem ser casuais; embora os números variem, um estudo recente da Universidade do Novo México revelou que os encontros online finalmente superaram os propiciados por amigos: 39% dos casais americanos se conectaram pela primeira vez através de um aplicativo.

No entanto, um novo estudo, publicado no mês passado no Journal of Social and Personal Relationships, foi menos positivo. Ele concluiu que o uso compulsivo faz com que os usuários se sintam mais solitários que antes. Isso era particularmente grave para aqueles com baixa autoestima: quanto menos confiante alguém estava, mais compulsivo era seu uso – e pior ele ou ela se sentia no final.

Isso reflete o sentimento de muitos usuários. Embora os sites de encontros baseados na web, como Match.com, que foram superados em grande parte por aplicativos, também tenham seus problemas, os aplicativos que funcionam por gestos de deslizar o dedo trouxeram uma nova camada de ansiedade, levando um número crescente de usuários a mencionar inquietação.

Na verdade, a fadiga dos dedos deslizantes levou alguns paqueradores a tentar uma abordagem analógica. Alguns anos atrás, quando a tindermania estava a todo gás, acessar um programa de encontros parecia desatualizado, na melhor das hipóteses, trágico na pior delas. Em 2019, a indústria não apenas prevaleceu, como também prosperou: a imagem decadente dos encontros programados foi substituída pelo branding cor-de-rosa, digno do Instagram, e uma cultura muito mais inclusiva.

Caroline Brealey fundou há oito anos o serviço de encontros Mutual Attraction, com sede em Londres; desde então, diz ela, a empresa teve um aumento drástico de clientes mais jovens. Ela acredita que as pessoas estão cansadas da experiência online, ficaram desanimadas com o que consideram sua natureza transacional. “Uma das principais diferenças da procura por pares é que você trabalha um a um”, diz ela. Ao contrário da paquera online, onde você pode virar fantasma mesmo após um encontro, os programas casamenteiros lhe dão feedback. Crucialmente, eles só combinam uma pessoa com outras que estejam buscando seriamente um relacionamento.

Um grupo demográfico ainda mais jovem – estudantes de graduação – também parece estar preocupado com suas chances de encontrar um amor online. O projeto Pacto de Casamento, inicialmente criado na Universidade de Stanford e que está sendo lançado em outras, inclusive em Oxford, busca oferecer aos estudantes um “plano de apoio matrimonial”, em que os casais são emparelhados por meio de um questionário e um algoritmo. Com uma participante comentando sombriamente no Facebook que seu par no Pacto de Casamento não tinha sequer respondido a um pedido de amizade, o serviço também pode não apresentar um caminho suave para o amor eterno. Mas os quase 5 mil estudantes inscritos somente em Stanford indicam que até mesmo os jovens despreocupados, sem muita experiência digital, estão temerosos de suas perspectivas online e querem uma alternativa sem aplicativos.

Foto: Jan Vašek/ Pixabay

Assim, diante de todo esse desânimo, o que exatamente torna o Tinder, o Bumble e os demais tão perpetuamente atraentes? “O Tinder não apresenta nada radicalmente novo”, explica Michael Gratzke, presidente da Love Research Network, da Universidade de Hull. Os aplicativos de namoro, diz Gratzke, imitam de perto a forma como tomamos decisões instantâneas sobre as pessoas na vida real: “Quando entramos em uma sala, levamos alguns segundos para classificar quem vemos”.

Gratzke pode estar certo sobre isso – afinal, o discurso em torno da capacidade do Tinder de destruir o conceito de amor tende a ser exagerado. Mas há uma coisa nele que difere do amor tradicional: aquele gesto perigoso e delicioso de deslizar o dedo.

Tem havido recentemente muita conversa sobre a natureza viciante das redes sociais. As empresas de tecnologia incorporaram recursos para nos ajudar a gerenciar o uso de seus produtos. O senador republicano Josh Hawley propôs uma lei para limitar quanto tempo os usuários podem gastar online; e uma campanha bem divulgada contra a natureza viciante dos smartphones foi lançada pelo ex-designer de produtos do Google Tristan Harris, que tem experiência em primeira mão sobre como a tecnologia tenta monopolizar nossas vidas e os períodos de atenção.

A crítica mais comum é que esses apps tratam o namoro como um game, como um jogo

Tinder, Bumble e outros aplicativos que funcionam com o deslizar do dedo poderiam facilmente se enquadrar nessa visão. Uma de suas críticas mais comuns é que eles “gameficam” o namoro, ou o tornam semelhante a um jogo. Curiosamente, esta tende a ser a principal razão pela qual meus amigos se queixam dos aplicativos: a apresentação interminável de perfis a ser julgados e classificados em pilhas “sim” ou “não” dá, depois de algum tempo, a estranha sensação de um jogo, e não uma busca por amor.

A pesquisa também confirma isso. Katy Coduto, principal autora do estudo do Journal of Social and Personal Relationships, sugere que limitar os gestos digitais pode ser uma maneira de tornar a experiência menos viciante. Na teoria, o Tinder já o faz, dando ao usuário cem likes por dia. Mas você pode contornar isso facilmente – assinantes do Tinder Gold, que pagam por recursos extras, ganham deslizadas ilimitadas à direita.

Não é surpreendente que o Tinder possa parecer viciante – o mesmo mecanismo é usado em jogos de aposta, loterias e videogames. Em um documentário de 2018, Jonathan Badeen, cofundador do Tinder, admitiu que seu algoritmo foi inspirado pela psicologia do reforço comportamental que ele aprendeu quando estudante. Citado como um cronograma de recompensa de razão variável, nele os participantes recebem um número de respostas imprevisíveis antes da que eles querem, nesse caso um par, ou match. O sucesso inesperado da vitória reforça o comportamento de busca, e é por isso que você continua deslizando o dedo.

Mas nada disso significa que o design de experiência do usuário seja a única razão pela qual as pessoas não estão encontrando o que procuram. A bioantropóloga Helen Fisher é a principal consultora científica do site Match.com desde 2005. O problema real é que simplesmente não sabemos o que estamos fazendo, argumenta ela. “Essa é uma nova tecnologia, e ninguém nunca nos ensinou a usá-la.” Não deveríamos nem pensar nessas ferramentas como “aplicativos de namoro”, diz Fisher. “Eles não são sites de namoro, estão apresentando sites. A única coisa que eles podem fazer é: se você pedir um certo tipo de pessoa, eles lhe dão essa pessoa. Isso é tudo o que qualquer aplicativo pode fazer.”

Alguém a elimina, mente para você ou simplesmente não há fagulha? Não é um problema tecnológico – é um problema humano.

Caso estejamos à procura de amor on ou offline, provavelmente ficaremos presos às inexplicáveis fraquezas da psique humana. Isso não quer dizer que os aplicativos em si não têm nada a ver com os nossos problemas de namoro – como diz Coduto, algo nesse prazer de máquina caça-níqueis quando conseguimos um par não é tão satisfatório o quanto gostaríamos, e a escolha interminável de parceiros logo parece menos que libertadora.

A solução de Fisher? Saia do app quando tiver conversado com nove pessoas. Mais que isso, estaremos cognitivamente sobrecarregados, ela argumenta, levando à fadiga romântica. Se eles não funcionarem? Fique offline completamente, diz ela. Encontre alguém num parque ou num bar, peça aos amigos uma apresentação ou fale com alguém na rua.
E se isso também falhar? Bem, o amor verdadeiro ainda pode estar a apenas um dedo de distância.

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