Política

Paulo Gustavo: nome de rua e símbolo contra desmandos autoritários

Uma petição iniciada por moradores de Icaraí, em Niterói, pede que o nome Paulo Gustavo passe a batizar uma das principais vias do bairro

O humorista Paulo Gustavo no filme 'Minha mãe é uma peça 3' (Foto: Marco Antonio Teixeira / Divulgação)
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Rio de Janeiro – Entre as inúmeras homenagens espontâneas e oficiais feita a Paulo Gustavo em todo o Brasil, uma chama a atenção. Em Niterói (RJ), cidade natal do ator, uma petição iniciada pelos moradores de Icaraí, bairro onde vive a família dele, pede que o nome Paulo Gustavo passe a batizar uma das principais vias da cidade: a Coronel Moreira César.

A proposta, já encampada por vereadores e pela Prefeitura de Niterói, ganhou ares de protesto contra Jair Bolsonaro e sua postura frente à pandemia. Isso porque o humorista, que morreu aos 42 anos após 50 dias de internação em decorrência da Covid-19, é visto como mais uma vítima do descaso do governo. Já Antônio Moreira César foi um militar com trajetória associada a uma série de assassinatos e outros atos arbitrários que fazem parte da História do Brasil.

A mudança, se confirmada, é benvinda pelos historiadores: “Já não era sem tempo. Moreira César foi um sanguinário. Está relacionado ao assassinato do um jornalista e, como governador militar de Santa Catarina, na repressão aos federalistas, ordenou a execução de presos. Morreu quando comandava as tropas que deviam destruir Canudos”, afirma Leonardo Fernandes, professor de História.

 

De fato, basta uma olhada nos livros para saber que Moreira César, que morreu em 1897 aos 46 anos, foi algoz de opositores aos governos que serviu e implacável perseguidor de movimentos políticos e sociais.

Aos 30 anos, ainda capitão, participou do linchamento e assassinato, em plena Rua do Lavradio (centro do Rio), do jornalista negro Apulcro de Castro, redator-chefe do jornal Corsário, que vinha publicando manchetes contra os militares. Anos depois, já como tenente-coronel, teve participação destacada no comando das tropas que derrubaram o então presidente da Bahia, José Gonçalves da Silva e, no ano seguinte, sufocaram em Niterói um levante de policiais que pretendia reconduzir ao cargo o governador afastado Francisco Portela.

Contudo, a fama de sanguinário de Moreira César começou quando ele participou, nos anos de 1893 e 1894, dos ataques aos marinheiros rebeldes que haviam ocupado as ilhas de Paquetá, de Villegagnon e do Governador na Baía de Guanabara. O “mito” se estendeu e, ao ser designado pelo Marechal Floriano Peixoto para conter a Revolução Federalista em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, Moreira César ganhou do povo o apelido de “Coronel Corta-Cabeças” que o acompanhou até a morte: “Prisões e fuzilamentos sumários de militares e civis foram praticados em represália à rebeldia federalista. Houve a execução sumária de centenas de pessoas, muitas sem julgamento ou maior investigação”, diz o estudioso Oswaldo Rodrigues Cabral.

O derradeiro ato repressivo de Moreira César foi a série de ataques ao arraial de Canudos e à comunidade liderada por Antônio Conselheiro. Embora rechaçados pelos sertanejos, que só seriam derrotados mais tarde, os ataques, segundo os relatos históricos, incluíram episódios de execuções de homens, mulheres e crianças. Foi durante o cerco a Canudos que Moreira César morreu, de causas naturais, em 1897.

Troca é quase certa

O “currículo” de Moreira César, somado à comoção pela morte de Paulo Gustavo, torna quase certa a troca do nome do coronel pelo do ator na rua em Icaraí. Prova disso é que a própria prefeitura entrou em campo pela mudança e abriu uma consulta pública on-line que se estende até a sexta-feira 7.

Os interessados devem responder à seguinte pergunta, que já mostra a tendência da prefeitura na discussão: “Você concorda com a substituição do paulista Coronel Moreira César pelo niteroiense Paulo Gustavo no nome da importante rua de Icaraí?”. Após a morte do ator, o prefeito Axel Grael (PDT) decretou luto oficial de três dias no município.

A identificação do ator com Niterói, cenário da franquia Minha Mãe é Uma Peça no cinema, com direito a várias imagens da cidade, também é lembrada pelos moradores: “É hora de o povo de Niterói retribuir a homenagem. Esse desejo de mudar o nome de rua tão significante da cidade já vem de alguns anos. Paulo Gustavo ainda nos deu esse presente de despedida, criando a oportunidade perfeita de realizar esse desejo e homenagear o mais expressivo e carismático niteroiense de toda história”, diz o ambientalista Roberto Rocco, morador de Icaraí.

Rocco lembra um episódio que simboliza bem e empatia recíproca entre Paulo Gustavo e o povo brasileiro: “Uma vez o vi no salão de embarque do aeroporto Santos Dumont. Ele, muito simpático e cordial com quem queria foto, sorria e dizia que perderia o voo para São Paulo. Depois vi Tony Ramos ali, mas quase sem assédio. Pensei então o quanto esse jovem talento conquistou o Brasil”, conta.

Ponte Rio-Niterói

Em outra frente, uma proposta de homenagem a Paulo Gustavo também envolve a cidade de Niterói e o repúdio a um nome, desta vez de um ex-presidente da República, ligado às Forças Armadas. O deputado federal Chico D’Ângelo (PDT-RJ), que tem reduto político na cidade, apresentou projeto para que o nome oficial da Ponte Rio-Niterói passe do atual Presidente Costa e Silva para Ator Paulo Gustavo.

O projeto de D’Ângelo cita o Plano Nacional de Direitos Humanos: “O PNDH prevê que não sejam mais homenageados, a partir do batismo de logradouros públicos com seus respectivos nomes, indivíduos que tenham cometido crimes e perpetrado violações dos direitos humanos no período da Ditadura Civil-Militar de 1964 a 1985”.

A mudança, diz o deputado pedetista, teria valor histórico: “Dar o nome de Paulo Gustavo à Ponte Rio-Niterói, mais do que homenagear um grande niteroiense, será um legado à cidadania e à resistência das artes e da cultura nesses tempos sombrios. Será uma homenagem à democracia e a todas as vítimas da Covid-19 no Brasil”.

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