Sociedade

‘O lema dele é floresta em pé, Amazônia viva’, diz mãe de brigadista preso

João Victor Romano é um dos brigadistas presos após ser acusado de colocar fogo em Alter do Chão

João Victor Romano, um dos brigadistas presos em Santarém (PA) (Foto: Reprodução)
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A professora de dança Patrícia Romano, natural e moradora de São Paulo, estava em uma conexão no aeroporto de Brasília na manhã desta quinta-feira 28 para ir a Santarém, no Pará. A situação, no entanto, é atípica: ela vai acompanhar de perto a prisão do filho, João Victor Romano, um dos brigadistas voluntários detidos na última terça-feira 26.

João Victor atua na Brigada de Alter do Chão, e é acusado de colocar fogo na floresta para, com as imagens feitas, conseguir angariar dinheiro para a organização e para uso pessoal. As provas apresentadas pela polícia, no entanto, geram controvérsias – a suposta doação do ator Leonardo DiCaprio, por exemplo, teria sido alegada por um perfil fake.

Em entrevista a CartaCapital, a mãe de João diz não ver sentido na acusação: o filho, que deixou São Paulo para poder viver na Amazônia, não possui sequer eletrodomésticos onde vive. “É uma vida alternativa. É por opção.”

CartaCapital: Como que o João foi parar na Amazônia?

Patrícia Romano: Aqui em São Paulo, ele era produtor de vídeo, e a ideia dele quando foi pra Amazônia era fazer um filme sobre os povos da floresta. Só que, nessa viagem, ele foi parando por vários lugares. Na Chapada dos Veadeiros, ele conheceu um cara que era brigadista, e ele falava muito para o João da importância de controle do fogo e de preservar a floresta. Ele ficou com isso.

Quando ele foi de fato pra Amazônia, foi um caso triplo de amor: teve a floresta, a esposa e a enteada. Ele se apaixonou pelas três, e foi se estabelecer lá. Depois, ele soube da morte desse brigadista da Chapada, e era como se ele tomasse a indicação desse cara.

Na época, aconteceu de ter um incêndio perto da casa dele, e ele e outros foram apagar. Vendo que tinha muitos incêndios, ele e o Daniel [outro brigadista] foram fazer uma formação de brigadistas em Belterra, uma cidade próxima de Alter do Chão. Eles se tornaram brigadistas e começaram a combater o fogo junto com os bombeiros, mas não tinham material, equipamento, nada – teve uma vez que ele enfiou um galho no olho no meio do combate, porque é cheio de fumaça, você não vê nada.

Em agosto, eles estavam pensando em formar mais brigadistas e conseguir trazer o Corpo de Bombeiros para Alter do Chão e fizeram uma pequena campanha para angariar os fundos. Faltavam três dias para o fim quando começou a pegar mais fogo na Amazônia, e aí começou a surgir muita gente nas redes sociais perguntando como poderia ajudar.

Ali, a campanha começou a crescer. Em três dias, eles levantaram dinheiro suficiente para trazer os bombeiros, só que as pessoas estavam muito mobilizadas e continuaram doando. Com isso, eles compraram mais equipamentos.

Isso está tudo documentado. Essa história de Leonardo DiCaprio que estão falando aí é porque o João me ligou falando que o Leonardo queria doar, mas minha filha, que conhece muito de internet, foi atrás disso e descobriu que era um perfil fake do DiCaprio. Pode ser que a polícia esteja alegando isso por conta desse diálogo, pode ser que o Leonardo verdadeiro possa ter doado pra Amazônia, mas esse dinheiro não chegou na Brigada.

CartaCapital: Como foi que você ficou sabendo da prisão?

PR: Foi pela minha nora. Ela me ligou logo de manhã dizendo que acordou com a polícia dentro de casa, porque eles moram em uma “maloca” que não tem nem parede. E não é uma maloca porque eles não têm dinheiro, é por opção. Eles não querem ter geladeira, móveis, eles querem viver em meio à floresta.

CartaCapital: Eles não têm nenhum eletrodoméstico, nada?

PR: Um liquidificador manual, que você precisa girar a manivela. A casa é totalmente sustentável, a água vem do poço, é por energia solar. Eles têm uma maneira de viver, um jeito de viver de respeitar a natureza e de viver com o mínimo possível. Não são pessoas que têm ganância de ter dinheiro.

CartaCapital: Ela contou como foi que os policiais chegaram?

PR: Eles foram educados, especialmente porque eles têm um bebê de 10 meses. Ela não se queixou disso.

CartaCapital: Mas ele soube ali na hora porque ele estava sendo detido?

PR: Não, isso ela não soube me dizer… disse que levaram o computador e o drone – e fui eu que dei esse drone, não tem nada a ver com o dinheiro da ONG. O celular dele estava quebrado, porque caiu em uma viagem de barco. Então, para quem está sendo acusado de ter desviado 100 mil reais, ele poderia pelo menos estar com um celular novo, né?

CartaCapital: Como o João era produtor, ele tinha alguma parceria de venda de imagens com outras ONGs, como a WWF?

PR: Não tinha. A WWF fez uma parceria para fornecer equipamentos. Eles nunca venderam imagens. Eles deram assistência para os equipamentos. E não foi uma doação tão absurda os 70 mil reais. Eles usavam os próprios carros, todo caindo aos pedaços, para combater o incêndio.

CartaCapital: E em algum momento ele chegou a relatar algum tipo de ameaça para você? 

PR: Nunca. Ele se dava bem com todo mundo, tinha uma boa relação com os bombeiros, com as pessoas. As pessoas eram muito gratas pelo trabalho deles como brigadistas, porque eles salvaram muitos incêndios. Nessa época, eu fui pra lá ficar com a minha nora, porque ela ficou sem marido. Todo dia ele ia para os incêndios.

CartaCapital: E fora da Brigada, ele trabalhava com o quê?

PR: Ele fazia alguns freelancers em produção de vídeo, às vezes ia trabalhar com as populações ribeirinhas, ou levava pessoas para fazer passeios no rio, é uma vida muito alternativa. É muito simples.

CartaCapital: O que você achou das provas que a polícia apresentou?

PR: A polícia não apresentou prova nenhuma até agora.

CartaCapital: Falaram da questão dos diálogos.

É muito fácil você pegar só um pedaço da conversa, tirar totalmente fora do contexto, e fazer o que quiser com isso. Eu conheço bem o Gustavo [um dos quatro brigadistas que também foi preso], mas cadê a conversa inteira? É uma conversa besta, não tem nada de “estamos botando fogo”.

CartaCapital: E os policiais também questionam como eles sabiam da ocorrência de queimadas com antecedência. Como que funcionava essa dinâmica?

PR: Com as queimadas, geralmente alguém ligava – eles tinham um grupo de WhatsApp da cidade – para avisar onde estava pegando fogo. Eles saiam correndo, levavam o drone – porque o local era de difícil acesso -, acionavam os bombeiros e era assim. Eles têm uma excelente relação com eles [bombeiros] também.

CartaCapital: Existe algum medo de que, mesmo inocentados, eles tenham a imagem da ONG prejudicada?

PR: O João não tem essa noção de imagem, de prejuízo. Eles rasparam a cabeça e a barba deles. Um cara que é suspeito sem provas está sendo tratado como criminoso. Mas ele quer saber da floresta, a imagem dele não tem esse valor. O lema dele é floresta em pé, Amazônia viva, sempre. Virou o meu lema também depois que eu conheci a Amazônia. A verdade tem que prevalecer. A única preocupação que eu tenho é com a falta da verdade.

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