Sociedade

Muniz Sodré, curado da covid-19, tem obra vital sobre resistência negra

Depois de ficar entre a vida e a morte, estudioso de comunicação e cultura afro foi para casa nesta quinta 11

Estudos sobre o movimento negro têm contribuição de Muniz Sodré. Foto: Rawpik/Freepik
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Muniz Sodré, um dos maiores estudiosos da comunicação e da cultura negra no país, deixou muita gente preocupada semanas atrás. 

O sociólogo baiano de 78 anos contraiu o novo coronavírus e chegou a ficar em estado crítico por vários dias em um hospital no Rio de Janeiro.

No fim de maio, ele saiu do CTI e com resultado negativo para a covid-19. Nesta quinta 11, depois de mais de um mês internado, retornou para casa onde ainda se recupera.

Foi um alívio e tanto. Muniz Sodré é um dos maiores pensadores do país e sua vasta obra tornou-se essencial ao longo do tempo. Na comunicação, destaque para livros sobre os padrões farsescos da cultura de massa.

No trabalho sobre questões raciais, ele ressalta a enorme dificuldade do ocidente (leia-se Europa e ex-colônias da América) em lidar com a multirracialidade além dos conceitos de equidade econômica.

Especificamente sobre o negro no Brasil, em trabalho denso, Muniz Sodré possui ensaios consistentes. Em Samba, o Dono do Corpo, uma reflexão do gênero como instrumento essencial de luta e afirmação.

Nesse estudo, Muniz Sodré ressalta a síncope (ou síncopa) do samba, execução do ritmo em tempo fraco e prologado, tempo este que permite ser preenchido com o movimento corporal por meio de palmas, balanços e a dança, característica do gênero desde sua formação.

“O corpo exigido pela síncopa do samba é aquele mesmo que a escravatura procurava violentar e reprimir culturalmente na história brasileira: o corpo do negro”, descreve.

As reuniões de batuques, onde o samba ganhava forma, no início do século passado, eram frequentemente objeto de perseguição das autoridades brancas.

Muniz Sodré, após internação por covid-19. Foto: Reprodução/Arquivo

O ritmo

Na cultura negra influenciada pela religiosidade afro (Sodré também é catedrático nesse tema), o som se ordena pelo ritmo, mas no Brasil ganhou alguma inserção melódica ao longo do tempo, fruto da influência europeia. Mas o corpo continuou se expressando por movimentos e também em versos simples e fortes.

Para Muniz Sodré, neste ensaio transformado em livro, a resistência está ligada a história da música negra, como nos Estados Unidos. Por aqui, o samba vale-se do que ele chama de “lugares paralelos”, como as rodas de samba e quadras de escola, e onde hoje constitui-se a prática de resistência cultural negro-popular.

Dentro da indústria cultural, o gênero esbarra na ideologia produtiva dominante, de acordo com a obra de Sodré, por que o samba é muito mais do que uma peça de espetáculo, mas “meio e o lugar de uma troca social, de expressão de opiniões, fantasias e frustrações, de continuidade de uma fala (negra) que resiste à sua expropriação cultural”.

Essa conformação rítmica-melódica, difundida nos grandes centros urbanos, ainda que contestatória na sua essência, tornou-se matriz musical, amplamente agregada e indissociável da formação cultural brasileira. 

Muniz Sodré faz a ligação didática do negro na construção do país, mas que não ocupou a territorialidade merecida, e ainda tem sido discriminado no seu espaço de existência, injustamente. Ler e continuar podendo ouvir esse grande pensador brasileiro continua sendo essencial.

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