Sociedade

Jovens saídos da universidade têm empregos precários e empobrecem mais que a média

Subiu de 25% para 30% o percentual de graduados que ocupam funções de nível médio ou fundamental

Calloni, recém-formado em Administração: depois do diploma, o desemprego
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No dia em que rabiscou a ficha do vestibular, Bruno Calloni imaginava um futuro diferente. Sonhava ser administrador de empresas. Além da influência paterna, pesou a chance de conquistar uma vaga tão logo os quatro anos de curso terminassem – a profissão está no Top 5 das mais demandadas pelo mercado. Ainda estudante, descolou um bem pago estágio em uma famosa instituição bancária. Com o canudo nas mãos, nunca mais conseguiu trabalho. “As coisas não eram assim em 2015”, lamenta o paulistano de 24 anos, há meses desempregado. Depende hoje da renda do pai, que entrou na profissão em uma época em que o diploma ainda era garantia de bom salário e estabilidade.

Essa virada surpreendeu famílias e jovens. Houve no início dos anos 2000 uma aposta enorme na educação superior como passaporte para uma vida melhor. O bilhete foi emitido. Desde 2003, o contingente de universitários brasileiros mais do que dobrou, resultado da expansão e descentralização das universidades públicas e de programas como o ProUni e o Fies. E, pela primeira vez, negros tornaram-se maioria nas instituições públicas. Mas o futuro teima em não chegar. Nos últimos cinco anos, os empregos minguaram e a renda despencou para toda a pirâmide etária brasileira. Mas quem tem 20 e poucos anos empobreceu mais.

Enquanto os grupos marginalizados perderam duas vezes mais que a média geral, entre os jovens de 20 a 24 anos o declínio foi de cinco vezes. É o que diz um estudo da FGV publicado no mês passado. A base são os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do IBGE. Além do desemprego, puxaram essa alta a redução na jornada de trabalho e a queda na relação entre o salário e os anos de estudo. Também cresce a massa daqueles que ocupam postos para os quais o diploma não é necessário. O porcentual de graduados que atuam em funções de nível médio ou fundamental passou de 25% em 2014 para quase 30% no segundo trimestre de 2019, segundo estudo da consultora iDados sobre a Pnad Contínua. Entre aqueles que recebiam um salário mínimo ou menos, quase metade (45,4%) tinha ensino superior completo. Há cinco anos eram 39%. Esse número pode ser ainda maior. Como as universidades brasileiras não acompanham o desempenho de seus egressos no mercado, estudos na área ficam restritos aos números do IBGE.

Nos início dos anos 1980, ficou famosa uma lanchonete chamada O Engenheiro Que Virou Suco, aberta por um jovem profissional da área com o dinheiro que recebera da própria demissão. A dispensa dos engenheiros foi um dos símbolos da amarga recessão daqueles anos pós-ditadura, e a empresa virou assunto em tevês e jornais. A esperança com a vitória de Tancredo Neves pariu um medíocre governo Sarney. O Brasil quebrou duas vezes e trocou de moeda outras seis.

As universidades eram restritas à classe média moradora das capitais. Vinte anos depois, com a moeda domada e projeções otimistas para a economia, o cenário era outro. Em 2008, o País viveu a chamada janela demográfica: quando a população economicamente ativa é maior que o total de crianças e idosos. A educação superior daria a essa massa a chance de disputar mais e melhores empregos, e, ao País, alcançar a qualificação da mão de obra indispensável ao crescimento sustentável. O esforço surtiu efeito. A renda dos pais passou a pesar menos no futuro dos filhos. Entre 1996 e 2014, a associação entre a renda das duas gerações caiu de 75% para 55%, em boa parte graças à expansão do acesso à educação básica e fundamental. A partir de 2015, o capital social adquirido com a educação passou, no entanto, a valer menos, e os mais estudados terminaram como os mais prejudicados.

A falta de bons empregos reduz os ganhos sociais das últimas décadas

Quem hoje beira os 30 anos e conseguiu uma vaga antes do agravamento da crise patina para avançar na carreira. A perda salarial entre os universitários que têm entre 25 e 29 anos, por exemplo, foi quase o dobro do que aquela entre os jovens sem diploma da mesma faixa etária, segundo a pesquisa da FGV. Uma explicação possível é o aumento da concorrência com trabalhadores mais velhos, em geral mais qualificados e experientes. Na briga por vagas cada vez mais escassas, é comum que o novato seja mais flexível na negociação do salário.

Quem deixou a faculdade em meio à recessão, como é o caso de Calloni, enfrenta ainda mais dificuldades. Entre 2014 e 2018, caiu 8 pontos o porcentual de recém-formados que conseguiram trabalho, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos. Eram 78%, hoje são 71%. No mesmo período, o número de desempregados cresceu 5 pontos porcentuais: de 8,2% para 13,8%. O Dieese constatou que foi ainda pior entre os universitários oriundos de famílias pobres. Em 2018, estava sem trabalho quase metade (45%) dos recém-formados cujos lares tinham rendimentos per capita de até meio salário mínimo.

Gráfico: Graduados em ocupações de nível médio ou inferior

O engenheiro que virou suco, Odil Garcez Filho, morreu em 2001 sem jamais retornar ao mercado. Depois da lanchonete, foi vendedor de roupas, dono de construtora e vendedor de carros usados. Sem oportunidades na própria área de formação e sem poder contar com o dinheiro da rescisão para abrir o próprio negócio, os jovens de agora têm olhado para as áreas que prometem melhores ganhos no futuro. Calloni aproveita o tempo livre para estudar marketing digital e programação. Outros jovens perceberam mais cedo a hora de priorizar o plano B. É o caso de Francielle Soares, de 24 anos. Apesar de formada em Engenharia Civil em uma das mais conceituadas universidades paulistas, com bolsa integral do ProUni, ela trabalha como programadora em um banco. É a única negra entre os colegas, majoritariamente loiros ou ruivos. O gosto pelas linhas de código foi providencial diante do desmonte do setor pela Lava Jato. “Meus colegas que seguiram na engenharia estão desempregados, e os que estão comigo no banco são visivelmente infelizes”, lamenta. Francielle ganha 5 mil reais. O salário atual é maior do que a renda de toda a família somada. A trajetória da jovem é um ponto fora da curva diante da realidade de quem tem a mesma idade. Mas o futuro poderia ser ainda melhor. Se fosse engenheira contratada conforme os ritos da categoria, ganharia 8.234 reais.

Formada em Engenharia Civil, Francielle escapou da crise

Em junho, o banco americano Goldman Sachs apontou que esta é a recuperação mais lenta de todas as recessões vividas pelo Brasil desde os anos 80 do século passado. O mesmo relatório indicou que a América Latina deve viver uma “segunda década perdida”. Agora, sob o tímido crescimento, revisou alguns décimos acima a previsão, mas não o suficiente para mudar a perspectiva geral. Terão os jovens brasileiros de manter na gaveta o diploma? “Caso a economia não melhore logo, o risco é que essa geração nem sequer chegue a atuar na área de formação, pois será substituída pelos mais jovens”, avalia Ana Tereza Pires, pesquisadora do iDados.

As perspectivas de mobilidade social também não são alentadoras. Para o economista Marcio Pochmann, ex-presidente do Ipea e professor da Unicamp, uma volta aos padrões pré-crise só deve ocorrer depois de 2022, mas sem o mesmo nível de empregos, pois o setor mais afetado pela recessão é justamente o industrial, responsável pela maior fatia das vagas de boa qualidade. A minúscula recuperação, aponta Pochmann, é assentada em trabalhos precários, como os de contrato intermitente ou do Uber e outros aplicativos. “Honestamente, considero esta uma geração perdida.”

Gráfico: Canudo sem retorno

Estima-se que, até 2030, os millenials ocupem 7 em cada 10 postos de trabalho no Brasil. É grave que todo esse contingente tenha mais dificuldades em constituir família, comprar casas ou abrir o próprio negócio, ficando refém de uma adolescência prolongada e reduzindo, inclusive, os efeitos positivos das políticas de acesso à educação das últimas duas décadas. Sem uma economia pujante, os brasileiros que têm hoje entre 20 e 30 e poucos anos podem repetir aqui o drama dos países ricos, onde essa geração vive pior que os pais. No time que integra a OCDE, 6 em cada 10 millenials são considerados de classe média. Entre os baby boomers, são 7 em cada 10. Além de ganhar menos, a geração do milênio é menos bem-sucedida que os antecessores quando jovens.

Nos Estados Unidos, um estudo do Banco Central mostrou que os millenials homens recebem o mesmo hoje que aqueles da geração X (nascida entre os anos 60 e 80) ganhavam na mesma idade – apesar de a economia ser maior e o país mais rico. As mulheres ganham ainda menos do que aquelas da geração X. Soterrada em dívidas estudantis, enojada com Donald Trump e ameaçada pelo risco de uma nova recessão, essa geração tem esquecido o american dream. Ao contrário da tendência mundial de desapego, os jovens brasileiros ainda valorizam a propriedade. Por aqui, 9 em cada 10 acham extremamente importante ter uma casa e 5 em cada 10, um carro. Os números globais são 40% e 15%, respectivamente, segundo um estudo do ItaúBBA divulgado a investidores em setembro. O mesmo vale para bens como tevê e roupas de grife. O elevador social, porém, enguiçou.

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