Sociedade

Internação involuntária de usuário de drogas é retrocesso, diz psiquiatra

Lei sancionada por Bolsonaro permite que dependentes químicos sejam internados à força para tratamento

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O presidente Jair Bolsonaro sancionou lei que autoriza a internação involuntária (sem o consentimento) de dependentes químicos sem autorização judicial. O texto, publicado no Diário Oficial na quarta-feira 5 e válido a partir desta quinta-feira 6, reconhece o tipo de internação e permite que a sua indicação seja feita via pedido familiar ou de responsável legal ou ainda por servidores públicos da área da saúde, da assistência social, ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad (Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.

Ainda que o texto estabeleça que a internação involuntária só aconteça depois de formalizada a decisão por um médico responsável, especialistas entendem que a lei abre um precedente perigoso. “Agora é possível imaginar que assistentes sociais que atuem na região da Luz, zona central de São Paulo, comecem a apontar os indivíduos para internação. Aí imagine que essas pessoas serão levadas à força para um hospital, para então terem a chancela de um médico, que a essa altura pode se sentir pressionado a fazer a indicação pela internação”, avalia o psiquiatra do Hospital das Clínicas da USP e do CAPS Álcool e Drogas da Sé, Leon Garcia.

O especialista entende que é um retrocesso apostar na internação involuntária em massa como estratégia da política de drogas no Brasil. “Estamos discutindo a exceção da exceção dentro de uma lógica punitiva em que a perda de direitos é entendida como tratamento. Continuamos achando que criminalizar o usuário serve para prevenir e que tirar o direito de ir e vir da pessoa dependente ajuda no tratamento. Está claro que não”, critica o especialista.

 

Para ele, o caminho é continuar ampliando a rede de serviços abertos que podem fazer internação, caso dos CAPS (Centros de Atenção Psicossocial). “Aqui em São Paulo, por exemplo, temos várias unidades pelos territórios. As equipes vão até as pessoas que não se encaminham às unidades, conversam, estabelecem vínculos e, nesse contexto, a internação é oferecida”, esclarece.

“Como vai ficar a credibilidade e a possibilidade das equipes de saúde estabelecerem vínculos, se começar a acontecer a internação involuntária em massa? Quando as pessoas que usam drogas começarem a ver os profissionais de saúde ou de assistência social como uma ameaça à sua liberdade, vão fugir deles como hoje fogem da Polícia. Isso vai destruir a possibilidade de vínculos, e é difícil recuperá-la depois”, sentencia.

A lei ainda grafa que a internação involuntária perdurará pelo prazo máximo de 90 dias, tempo necessário para desintoxicação, e tenha seu término determinado pelo médico responsável. Também considera que a família ou o representante legal pode, a qualquer tempo, requerer ao médico a interrupção do tratamento. Ainda de acordo com a lei, a indicação deve acontecer depois da avaliação sobre o tipo de droga utilizada, o padrão de uso e na hipótese comprovada da impossibilidade de utilização de outras alternativas terapêuticas previstas na rede de atenção à saúde.

 

A internação voluntária, a que acontece diante o consentimento do dependente de drogas, não foi alterada pela lei. Ela deverá ser precedida de declaração escrita da pessoa que optou pelo tratamento e seu término se dá por determinação do médico responsável ou por solicitação escrita da pessoa que deseja interromper o tratamento.

A nova lei também reconhece a possibilidade do acolhimento dos dependentes químicos em comunidades terapêuticas, mas proíbe qualquer tipo de internação involuntária nessas unidades. Segundo o texto, a adesão deve ser voluntária do dependente químico e entendida como uma etapa transitória para a reinserção social e econômica do usuário ou dependente de drogas. As unidades devem oferecer ambiente residencial, propício à formação de vínculos, com a convivência entre os pares, atividades práticas de valor educativo e a promoção do desenvolvimento pessoal, vocacionada para acolhimento ao usuário ou dependente de drogas em vulnerabilidade social.

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