Sociedade

Homicídios no Brasil são pouco elucidados, diz pesquisa

Apenas seis estados do Brasil disponibilizam dados sobre investigações de homicídios, mas nenhum os sistematizam

Policiais civis durante curso de capacitação no Pará, em fevereiro. Impunidade é reflexo de falta de investimento em investigações
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Em 2017, o Brasil registrou o maior registro histórico de homicídios, foram mais de 61 mil óbitos por motivos violentos. O salto corresponde a 40% em apenas dez anos.

Apesar disso, 80% dos crimes de homicídio nos estados não são solucionados pelo poder público. Segundo levantamento Onde Mora a Impunidade?publicado pelo Instituto Sou da Paz na última terça-feira 28, apenas seis estados foram capazes de fornecer dados à pesquisa sobre a taxa de crimes de homicídio solucionados. É o caso do Pará (4%), Espírito Santo (20%), Rondônia (24%), São Paulo (38%), Rio (12%) e Mato Grosso do Sul (55,2%).

Nos demais casos, os governos estaduais não souberam informar quantos casos foram investigados ou solucionados. 

A maior taxa de impunidade para crimes violentos dentre esses estados acontece no Pará, onde há 41 mortes por 100 mil habitantes: 4% dos crimes são denunciados. De acordo com Stephanie Morin, coordenadora do estudo, o baixo número é uma verdadeira “carta branca para matar”: “Se 4% representam as denúncias, o número de condenações é muito menor”. 

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Segundo a pesquisa, São Paulo é o estado com a menor taxa de homicídios por 100 mil habitantes do Brasil em 2015, mas teve o segundo melhor desempenho no esclarecimento de homicídios entre os estados analisados. O Rio de Janeiro esclareceu somente 12% das ocorrências de homicídio doloso em 2015, de um total de 25,4 mortes por 100 mil habitantes, apresentando a 17º maior taxa de homicídios do país. O Espírito Santo teve 20% dos crimes esclarecidos, Rondônia teve 24%, e Mato Grosso do Sul ficou com a maior taxa, apresentando 55,2% dos homicídios elucidados.

Um dos motivos para a baixa eficácia na resolução dos casos pode ser a pouca ênfase dada da Segurança Pública nas investigações, com o maior foco no policiamento ostensivo. O país possui um policial militar para cada 471 habitantes e um policial civil para cada 1.674 habitantes.  

“Esse é um investimento que em geral traz mais ganhos imediatos. A população vê a polícia e acaba trazendo mais ganhos políticos. Além disso, há uma escassez de servidores nas polícias civis e técnico-científicas. Em São Paulo faltam delegados e escrivães, para além das más condições de trabalho”, analisa. Atualmente São Paulo conta com aproximadamente 77 mil policiais militares, na policia civil o número cai para 9.423 funcionários, representando um déficit aproximado de 20% em relação ao número de vagas.

As consequências são vistas no baixo número de julgamentos de homicídios dolosos no estado. A taxa é de apenas 5% de homicídios julgados, num total de 34% de inquéritos que geraram denúncias penais, segundo levantamento publicado em outubro de 2017 pelo Instituto Sou da Paz.

Para Morin, a criação de um indicador nacional de investigação de assassinatos é de extrema importância, pois hoje é impossível comparar o desempenho das polícias tanto a nível de estado quanto ao longo do tempo. Além disso, tais informações poderiam possibilitar melhorias dos órgãos investigadores.

A melhoria nas políticas públicas é também um primeiro passo na função do indicador. “Tal indicador não só responderá à pergunta candente – qual proporção das investigações de homicídio nas Unidades Federativas gera uma ação penal? –, mas nos permitirá pactuar metas e consolidar boas práticas voltadas à investigação e persecução penal, dimensionar os avanços conquistados pelos Estados, e fomentar a troca de experiências exitosas entre policiais, peritos e promotores”, diz a pesquisa.

Manual de Investigação

O estudo ainda traz uma comparação com demais países que adotam um índice de investigação de assassinatos. De origem britânica, o “Murder Investigation Manual”, por exemplo, desenvolve roteiros de investigação, introduzindo procedimentos operacionais para melhorar o desempenho dos investigadores.

“Os países que tiveram progresso significativo na investigação de homicídios e na redução do número de casos, são aqueles que investiram fortemente no processo investigativo, criaram manuais de investigação e sistematizaram procedimentos oficiais. Também criaram indicadores de conhecimento de homicídios, o Murder Investigation Manual. Isso é o que a gente propôs para o Brasil”, revela Morin.

Outro exemplo é o Sistema Nacional de Relatórios sobre Incidentes (National Incident Based Report System), nos Estados Unidos, que possui um indicador definido pela Agência Federal de Investigação (FBI), ele mostra a relação entre o número de ocorrências de homicídio doloso e homicídio culposo não negligente (non-negligent manslaughter) consumados, a partir disso, mostra-se a taxa das denúncias criminais, apresentações para tribunais de justiça ou prisões num determinado período, contra o total de ocorrências registradas pela polícia.

Desde 1961, a Pesquisa de Homicídios (Homicide Survey), produzida no Canadá, sistematiza os dados sobre homicídios dolosos, através das polícias. O cálculo do “homicide clearance rate”, permite que sejam comparados o número de ocorrências de homicídio doloso consumados e registrados no período, com as denúncias criminais ou outro encaminhamentos gerados.

Como caminhos, o Sou da Paz aponta a priorização da investigação e esclarecimento de homicídios por um órgão federal, capaz de contribuir com a fiscalização dos estados, responsáveis no Brasil pela gestão da Polícia Militar e da Civil. Como exemplo, ela cita o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) ou Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

A pesquisa também indica a necessidade de aperfeiçoar uma plataforma digital capaz de “sistematizar e cruzar dados sobre denúncias criminais referentes a ocorrências de homicídio doloso consumado”.

A definição de metas conjuntas pelas Secretarias de Segurança estaduais, policiais judiciárias e os Procuradores Gerais de Justiça, para aumentar o esclarecimento de homicídios, também está entre as alternativas.

Alagoas, Amazonas, Tocantins, Rio Grande do Norte, Ceará, Sergipe, Distrito Federal, Paraíba e Goiás relataram diversas dificuldades técnicas impeditivas ao envio de dados sobre denúncias criminais de homicídios dolosos consumados, sobretudo a ausência de sistemas de armazenamento de dados integrados com as polícias e o poder judiciário, segundo o estudo.

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