Financiamento de comunidades religiosas para tratamento de dependentes dispara com Bolsonaro

O financiamento das comunidades terapêuticas disparou sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL), de acordo com pesquisa realizada pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), divulgada nesta segunda-feira 25.

As instituições que reproduzem a lógica manicomial de isolamento para dependentes químicos receberam, desde 2019, o maior investimento em forma de repasses: 560 milhões de reais dos governos federal, estaduais e municipais.

No início de no início de 2018, o governo federal financiava 2.900 vagas; em dezembro de 2021, o número saltou para 10.657 e a meta era chegar a 24.320 vagas em 2022.

O estudo mostrou ainda que, só no estado do Rio de Janeiro, as unidades receberam mais de 3 milhões de reais do governo nos últimos dois anos.

Sem vínculo com o Sistema Único de Saúde, essas unidades se mantém, em sua maioria, sob direção de pastores evangélicos, e impõem uma rotina religiosa para o tratamento de dependentes químicos, seguida de isolamento e abstinência, abordagens que, muitas vezes, são alvo de denúncias de violações de direitos.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) sobre os perfis das CTs no Brasil mostrou que 40% são de orientação pentecostal; 27% são católicas; 7%, evangélicas de missão (luterana, presbiteriana, congregacional, batista, metodista ou adventista).

O levantamento destaca que o tratamento nessas localidades se dá à base da ‘submissão’, o que vai na contramão da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial, bem como da Política de Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas – em vigor desde 2003. Ainda evidencia que nos espaços, em geral de difícil acesso, as substâncias psicoativas são encaradas como um grande “mal” a ser exterminado através da abstinência, não só de drogas, como de sexo e outros prazeres “mundanos”.

“Apesar de gestores de CTs caracterizarem o trabalho feito nesses espaços como desenvolvimento da espiritualidade, o que se vê, na prática, é a imposição da fé cristã. O sucesso do ‘tratamento’ proposto nas CTs depende da aderência a uma rotina de participação em cerimônias religiosas. Isso é inaceitável porque uma política pública precisa ser laica e o uso problemático de drogas precisa ser encarado como uma questão de saúde pública”, explica uma das pesquisadoras do estudo, Giulia Castro.

Outra evidência é a de que, embora precisem de certificados para atuarem, emitidos pelo Conselho Municipal Antidrogas e pela Vigilância Sanitária, esses órgãos, em vez de fiscalizar, atuam como parceiros das comunidades terapêuticas, por vezes afrouxando exigências legais e concedendo a certificação mesmo para CTs que exibem sérias irregularidades.

“O que observamos é que apesar de terem os certificados exigidos por lei, muitas irregularidades permanecem. É o caso de CTs que acolhem fora da faixa etária permitida ou reproduzem violências de gênero, por exemplo. As mudanças que ocorreram nas CTs habilitadas para o financiamento foram escassas e superficiais. O cerne do trabalho dessas instituições segue sendo a reforma moral do indivíduo através da religião”, coloca a coordenadora da pesquisa, Paula Napolião.