Sociedade

‘Estamos abandonados’: Sem folia e sem auxílio, trabalhadores do Carnaval relatam dificuldades

Prefeituras auxiliam blocos e escolas, mas esquecem dos milhares de prestadores de serviços que têm na festa a maior fonte de renda

Foto: Agência Brasil.
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Gilson Oliveira, de 48 anos, mora na zona leste de São Paulo e é um trabalhador autônomo. Ao longo dos últimos quatro anos, conseguiu melhorar de vida vendendo bebidas nos carnavais da capital paulista.

“O carnaval é um sonho para nós trabalhadores”, conta. Em 2020, Gilson bateu um recorde pessoal: investiu R$8 mil em bebidas e faturou o dobro em vendas. A conquista lhe custou um mês inteiro perambulando pelos blocos do carnaval de rua paulistano, sempre acompanhado da esposa e de seus dois filhos.

” O que eu conseguiria em um mês vendendo bebidas nas ruas, consigo faturar em um final de semana de blocos. Era uma renda que me garantia uma segurança durante alguns meses”, completa.

Este ano, no entanto, o mês de glória acabou se tornando o mês do pesadelo.  Além de o Carnaval ter sido cancelado por conta da pandemia do coronavírus, que já matou mais de 250 mil pessoas no Brasil, o vendedor não terá mais o auxílio emergencial pago pelo governo federal.

Foto: Edson Lopes Jr/Prefeitura de São Paulo

“Eu tinha esperança que a gente ia ter o Carnaval e eu ia recuperar tudo que perdi durante todo esse tempo. Mas parece que só piora.” Atualmente, Gilson Oliveira sobrevive vendendo kit de bebidas em seu bairro, água nos semáforo e conta com a ajuda de ONGs com cestas básicas para sua família.  “Eu realmente não sei mais o que faço para sustentar minha família. Estamos abandonados.”

Prefeitura tenta ‘salvar’ o Carnaval, mas não inclui ambulantes

A realidade de por Oliveira é a mesma de milhares ambulantes que têm o carnaval como fonte de renda. Só ano passado, a prefeitura de São Paulo registrou cerca de 12 mil vendedores de bebidas nos blocos de ruas, fora os cadastrados no sambódromo do Anhembi.

O Carnaval da cidade, ainda segundo a prefeituram atraiu 15 milhões de foliões e movimentou cerca de 2,75 bilhões de reais em 2020. Somados aos 227 milhões movimentados no sambódromo, o total chegou a 2,97 bilhões no ano. Para tentar reverter essa dura crise, a Prefeitura de São Paulo lançou o “Festival Tô Me Guardando”, que vai realizar cerca de 380 atividades on-line entre os dias 12 a 28 de fevereiro.

Os 200 blocos selecionados através de um edital vão receber cachês de R$1 mil a R$3 mil. A iniciativa, no entanto, não inclui os ambulantes e outros prestadores de serviços.

“Quando eu não puder pisar mais na avenida”

O Rio de Janeiro, referência mundial em Carnaval, também não terá festividades. A Prefeitura cancelou todos os blocos, assim como os desfiles na Sapucaí.

Sem desfiles, as escolas de samba do Rio de Janeiro – que geram milhares de empregos nas comunidades – estão paradas e sem renda, deixado de contratar serviços que eram o ganha-pão de muitos cariocas. É o caso do coreógrafo Fabio Figueira.

O carioca de 39 anos trabalha há sete montando as coreografias de diversas escolas de samba do Rio de Janeiro. Como autônomo, Fábio conta que fazia no carnaval uma renda que te sustentava por vários meses seguintes.

“Todos temos o carnaval como fonte se renda total ou parcial”, conta Fábio. “E pior, o carnaval é um movimento que nos cura das porradas do dia a dia. Você não sabe o quanto estamos deprimidos.”

Fabio Figueira à direita, durante o desfile da Tuiuti em 2019. Foto: Arquivo pessoal.

O coreógrafo se tornou pai em abril de 2020, quando adotou Sol, sua filha de 1 ano e 4 meses. Agora, ele luta para sustentar sua família, mas segue sem emprego e auxílio do governo.

“Tanto a licença maternidade quanto o auxilio emergencial estão em análise até hoje. Nem Bolsa Família recebo. Eu não paro de correr atrás. Sendo pai corro mais ainda.”

Um auxílio pós-carnaval 

A Prefeitura do Rio de Janeiro lançou o “Cultura do Carnaval Carioca”, um edital para distribuir R$ 3 milhões em prêmios para trabalhadores que promovem a folia de rua na capital fluminense. 

Os participantes terão que gravar vídeos contando a histórias de folia para integrar o acervo digital da memória do carnaval do Rio. O documento prevê a escolha de 125 projetos inéditos sobre o setor e as inscrições começam em março, pós-carnaval. 

Novamente o projeto não inclui trabalhadores como Fabio ou ambulantes, que nao têm estrutura para gravar um documentário.

Questionada, a prefeitura do Rio de Janeiro informou que esses trabalhadores podem utilizar Cartão Família Carioca, que complementa a renda das famílias mesmo recebendo o Bolsa Família ou Centros de Empregos municipais, que estavam fechados e voltaram a ser reabertos em 2021.

Escolas também abandonadas 

Os trabalhadores abandonados é reflexo das escolas também abandonadas. Sem o carnaval, as quadras de samba respiram por aparelhos para sobreviver.

Alexandre Silva Costa, de 51 anos, é presidente da G.R.ES Cidade Jardim, escola de samba do grupo especial de Belo Horizonte. Ele conta que além de não conseguir pagar pelos serviços que eram prestados para o carnaval, não há condições de manter a quadra da escola, que precisa de manutenção.

“Durante a festa do carnaval atraímos muito turistas e muito dinheiro, mas agora fomos abandonados. Não há um prestígio momento no que diz respeito aos sambistas e as escolas de samba”, conta o mineiro.

Alexandre Silva Costa na quadra da escola Cidade Jardim. Foto: Arquivo pessoal.

O presidente da escola não conseguiu acesso ao auxílio emergencial, e conta que muitos prestadores de serviços da escola também não.

No final de 2020, o mineiro tentou acesso à Lei Aldir Blanc, medida criada para garantir a continuidade das ações emergenciais em benefício do setor cultural, mas também lhe foi negado.

“A maioria das escolas de samba não conseguiram acessar, só dois ou três blocos. Então a maioria ficou a mercê. Para sustentar uma escola de samba não é fácil. Não há esse interesse por parte do município entender o que significa o carnaval”, relata Alexandre.

Para ajudar seus prestadores de serviços, Alexandre está contando com ajuda de ONGs para distribuir cestas básicas.

“Boa parte do pessoal das escolas trabalham como atendente, como segurança, como franelinhas. Tem todo um esquema na nossa quadra de emprego. Como não tem evento,  a situação fica ainda pior”, diz.

Prefeitura de BH não cria programa para auxiliar trabalhadores do carnaval 

A Prefeitura de Belo Horizonte, diferente de Sao Paulo e Rio de Janeiro, nao criou um programa para auxiliar os trabalhadores do carnaval que ficarão sem renda este ano.

Questionada, a prefeitura afirmou que alguns blocos tiveram acesso à Lei Aldir Blanc e que a secretaria de Cultura está dialogando com o setor.

“Vale destacar que o Carnaval de Belo Horizonte, ao contrário de outras capitais brasileiras, é realizado com apoio e recursos da iniciativa privada, adquiridos por meio de editais de patrocínio. A pauta proposta pelos atores do carnaval é legítima, mas o setor não foi o único afetado pelas consequências da pandemia”, diz o comunicado.

A prefeitura de Salvador informou que os ambulantes das cidades estão entre as categorias contempladas pelo programa “Salvador por Todos”, iniciado em março de 2020 pela Prefeitura.

A ação concede, mensalmente, o valor de R$270 reais, equivalente a duas cestas básicas e um botijão de gás.

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