Sociedade

Entenda a greve dos Correios em 5 pontos

Na mira das privatizações do governo Bolsonaro, empresa estatal quer cortar benefícios dos funcionários; impasse foi parar na Justiça

Funcionários dos Correios em manifestação por greve em 2020. Foto: Fentect
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O presidente Jair Bolsonaro começou 2020 lamentando a dificuldade em vender os Correios para a iniciativa privada: “Não são fáceis as privatizações, não são fáceis”. Oito meses depois, as lamúrias voltaram a motivar declarações públicas do presidente e do ministro da Economia, Paulo Guedes, especialmente após uma debandada de funcionários da pasta descontentes com a lentidão das desestatizações.

A privatização dos Correios é pano de fundo da greve dos funcionários da empresa, deflagrada em 17 de agosto. Criada há mais de três séculos, a companhia ampliou sua vocação de entregar cartas e hoje é o principal elo entre o comércio virtual e seus consumidores. Além disso, cumpre a função de transportar remédios, testes de doenças e demais materiais biológicos.

Entidades que representam os trabalhadores dos Correios afirmam que a principal tática do governo para privatizar a empresa é desmontá-la aos poucos. Por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o governo não está autorizado a vender estatais “mães” sem submeter a proposta a votações na Câmara e no Senado. Portanto, a estratégia seria desmantelar o serviço para justificar a necessidade de privatização, segundo sustentam associações.

No bojo desse método de sucateamento está a retirada de direitos dos trabalhadores, dizem os grevistas. A seguir, CartaCapital reuniu cinco itens para compreender quais os motivos práticos que levaram os funcionários à paralisação.

1. Privatização: os Correios dão prejuízo?

Quando Bolsonaro disse que, se pudesse, “privatizaria hoje” os Correios, apontou preocupação com prejuízos da estatal. Um dos argumentos se baseia no saldo negativo de 2,1 bilhões de reais apresentado em 2015 e de 1,5 bilhão em 2016, segundo dados Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

Porém, nos três anos anteriores a 2015, o instituto apontou salto positivo entre 10 milhões e 804 milhões de reais. Nos três anos posteriores a 2016, também houve superávit, conforme dados dos Correios: 667 milhões de reais em 2017, 161 milhões de reais em 2018 e 102 milhões de reais em 2019.

Para a oposição, o coração ideológico da equipe econômica do governo foca em privatizar empresas atrativas ao mercado, justamente pela capacidade de produzir lucros. No entanto, a função dos Correios é primordialmente social e demanda investimentos públicos, conforme destaca o mestre em Economia e assessor econômico da bancada do PSOL na Câmara, David Deccache.

O economista afirma que a privatização provocaria uma queda brutal no serviço em cidades do interior. Enquanto há cidades em que o custo de entrega é mais baixo, como São Paulo, há localidades no interior que não oferecem lucro. Para ele, a privatização também pode acarretar a elevação de tarifas.

“A empresa atende várias regiões do Brasil que não seriam atendidas por empresas privadas, porque teriam custos elevadíssimos por conta do acesso difícil. Será que uma empresa privada teria interesse em cruzar o Rio Amazonas por três dias para fazer uma entrega a uma população extremamente pobre e que não tem condição de custear esse deslocamento?”, questiona o economista. “A função social se sobrepõe aos lucros.”

2. O que querem os grevistas

Deccache afirma que a precarização na empresa é uma estratégia de sucateamento para justificar a privatização. O processo pode ser visto, em princípio, pelo enxugamento do quadro de funcionários. Em 2011, ele aponta uma faixa de 130 mil trabalhadores. Os cortes no quadro começaram no último mandato do governo Dilma Rousseff, chegando a 118 mil concursados em 2015, 115 mil em 2016, 107 mil em 2017, 105 mil em 2018, e 99 mil em 2019.

Mas a precarização também ocorre na retirada de direitos dos que ainda trabalham na empresa, sustentam os grevistas. Os direitos são previstos em um acordo coletivo firmado entre os trabalhadores e a empresa, válido a cada dois anos. Entre 2018 e 2019, o acordo previa 79 cláusulas. Para 2020 e 2021, os Correios querem um acordo que prevê apenas nove cláusulas.

Entre as mudanças, estão a redução no tempo de licença-maternidade (de 180 dias para 120 dias) e a extinção do pagamento adicional noturno e de horas-extras, dos 30% de adicional de risco (insalubridade), da indenização por morte, do auxílio para filhos com necessidades especiais e do auxílio-creche, segundo aponta o Sindicato dos Trabalhadores dos Correios de São Paulo (Sintect-SP).

Os trabalhadores também afirmam que os Correios se negam a fazer reajuste salarial. De acordo com a Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), o salário médio dos trabalhadores da empresa é de 1,8 mil reais. Os cortes nos benefícios representariam queda no rendimento superior a 50%, em mais de 80 mil trabalhadores, sustenta o Sindicato.

Além disso, a categoria acusa os Correios de não oferecer aos funcionários a proteção necessária contra a Covid-19. Segundo o Sintect, a estimativa é de que entre 70 e 100 trabalhadores morreram pela doença, “e outros milhares de infectados” seguem prestando serviços. O sindicato diz que equipamentos mínimos foram obtidos apenas por decisões judiciais, e que a estatal se nega a informar o número de óbitos no seu quadro de funcionários.

https://www.facebook.com/Fentect/photos/a.3918914721456233/3944734232207615

3. Como os Correios se posicionam

Sob a batuta do general Floriano Peixoto Vieira Neto, os Correios dizem que desde o início de julho há tentativas de negociação com as entidades representativas. Em nota divulgada naquele mês, a empresa destacou a necessidade de “ajuste” dos benefícios concedidos aos trabalhadores “tendo em vista a realidade financeira da empresa, com um cenário de dificuldades que tem se agravado a cada ano que passa”.

Na quinta-feira 27, com a greve já deflagrada, a estatal publicou outra nota em que afirma que “o fim da paralisação é essencial para empreendedores e população”. O texto também acusa “intransigência” por parte das entidades representativas e diz que as reivindicações somam 1 bilhão de reais, dez vezes mais do que o lucro de 2019.

“A empresa não tem mais como suportar as altas despesas, o que significa, dentre outras ações que já estão em andamento, discutir benefícios que foram concedidos em outros momentos e que não condizem com a realidade atual de mercado, assegurando todos os direitos dos empregados previstos na legislação”, diz a companhia.

Questionada por CartaCapital, a empresa não informou o número de óbitos por Covid-19.

A estatal afirmou, em nota, que “permanece firme na estratégia de proteger seus empregados” e diz ter intensificado orientações de cuidados básicos de limpeza. Disse ainda que disponibilizou álcool em gel, máscaras laváveis e squeeze aos efetivos da área de distribuição. Também alega ter suspendido a assinatura do destinatário na entrega de objetos postais, evitando compartilhamento de objetos. Informa, por fim, a instalação de painéis de acrílico em mais de 5 mil guichês.

“A empresa está acompanhando a situação de saúde dos seus funcionários, prestando o apoio necessário e atuando para garantir o bom funcionamento das atividades operacionais”, escreveu a estatal.

4. Qual é a dimensão da greve

Números diferentes são apresentados pelas entidades representativas e pelos Correios.

Em 19 de agosto, dois dias após a deflagração da greve, a Fentect informou a adesão de cerca de 70% da categoria, equivalente a cerca de 70 mil trabalhadores, em especial dos setores operacionais e de atendimento. No “corredor comercial”, onde circula a maior receita dos Correios (São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul), a federação disse ter contabilizado 35 mil funcionários paralisados.

Na mesma data, os Correios informaram que operavam em todo o País com 83% dos 99 mil funcionários. Nesta sexta-feira 28, a empresa disse que “a adesão ao movimento paredista é baixa”, mas não informou estimativa.

5. Quais são os próximos passos

Sem acordo entre empresa e trabalhadores, o impasse foi parar no Tribunal Superior do Trabalho (TST). O processo foi aberto pelos Correios. A empresa relata “insucesso das negociações coletivas” e pede concessão de decisão liminar a respeito da “abusividade da greve e a manutenção do contingente mínimo para a continuidade das atividades econômicas”, segundo informou o tribunal na quinta-feira 27.

Em nota, a Corte afirma ter proposto aos Correios manter todas as 79 cláusulas do acordo coletivo, mas sem fazer reajuste salarial. A proposta foi feita no decorrer de duas audiências, na quarta-feira 26 e na quinta-feira 27.  Segundo o TST, as entidades manifestaram-se no sentido de aceitar a proposta, mas os Correios foram contrários. “Desse modo, não há perspectiva de resolver a presente situação pela via do consenso”, diz o vice-presidente do TST, ministro Luis Philippe Vieira de Mello Filho.

De acordo com o tribunal, o processo foi distribuído à ministra Kátia Arruda, que integra a Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do TST.

“Agora segue para julgamento, porém sem data definida”, disse o Sindicato de São Paulo, nesta sexta-feira 28. “E a greve continua até a definição do julgamento pelo Tribunal Superior do Trabalho.”

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