Sociedade

Em Londres, o espírito olímpico está em falta

As “entregadas” e outros artifícios imorais para levar vantagem estão em alta. Só mudanças nas regras e regulamentos pode evitar isso

Pau Gasol, o melhor jogador da Espanha, tenta fazer uma cesta contra o Brasil. Ele ficou fora do último quarto da partida, no qual a Espanha tomou a virada. Foto: Mark Ralston / AFP
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A cinco dias do fim das Olimpíadas de Londres, é certo que os Jogos de 2012 entrarão para a história marcados pelo grande número de violações éticas. As “entregadas” e outros artifícios usados para levar vantagem foram cometidos em diversos esportes, do ciclismo ao badminton, por atletas de inúmeros países. O Comitê Olímpico Internacional (COI) e as federações de cada modalidade tentaram reagir, mas pouco puderam fazer para conter a desonestidade, um sinal de que precisam se mover de olho em futuras competições.

O mais notório feito antiético de 2012 ocorreu no badminton. Quatro duplas femininas – duas da China, uma da Coreia do Sul e outra da Indonésia – foram eliminadas por entregar Jogos em busca de uma chave mais favorável na segunda fase da competição. A falta de esforço e os erros propositais ficaram tão claros que a Federação Mundial de Badminton exigiu a eliminação das atletas para não prejudicar a imagem do esporte. A fraude foi facilitada por uma mudança no regulamento do badminton nos Jogos. Antes, os times se enfrentavam no chamado confronto mata-mata e os vencedores iam avançando até as finais. A partir de 2012, há grupos na primeira fase, e as duplas podem “manejar” seu resultados para escolher quem enfrentarão nas fases subsequentes.

Regulamentos parecidos provocaram “entregadas” em outros esportes. Na segunda-feira 6, após estar ganhando do Brasil por 66 a 57 no terceiro quarto, a seleção masculina de basquete da Espanha perdeu por 88 a 82. Com o resultado, caiu em uma chave na qual não está a seleção norte-americana, amplamente favorita ao ouro. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) celebrou a vitória da “dignidade”. O técnico do Brasil, o argentino Rubén Magnano, afirmou que o triunfo representava o “caráter” de seu time. Os espanhóis negaram ter facilitado o jogo, mas a França, rival da Espanha nas quartas de final, entrou com um protesto solicitando a eliminação da rival, rejeitada pelo COI.

Episódios semelhantes ocorreram no handebol e no futebol femininos. O Brasil foi eliminado na manhã da terça-feira 7 pela Noruega, atual campeã olímpica, um confronto que só ocorreu logo nas quartas de final porque as norueguesas perderam seu último jogo da classificação, de forma suspeita, para a Espanha. Para a Noruega, instável na competição, enfrentar o Brasil, um time sem muita tradição, seria mais fácil que encarar a Croácia. O dinamarquês Morten Soubak, técnico do Brasil, lamentou o confronto precoce e a eliminação. “Na maneira como eu cresci, não posso admitir perder de propósito”, disse ele ao portal UOL.

No futebol, a coisa foi mais escancarada. Norio Sasaki, técnico do Japão, convenceu suas jogadoras a empatar com a fraca África do Sul no último jogo da primeira fase. Com o segundo lugar (em vez do primeiro) as japonesas escaparam dos Estados Unidos e da França e enfrentaram também o Brasil, mais fraco. Ganharam por 2 a 0 e estão na semifinais. Sasaki não escondeu o desejo pelo empate. “Foi uma forma diferente de jogar comparada com o jogo normal, mas as jogadoras concordaram comigo”, disse ele à agência AP.

A mesma desfaçatez de Sasaki tiveram o nadador sul-africano Cameron van den Burgh e o ciclista britânico Philip Hindes. Em entrevista ao jornal Sydney Morning Herald, o campeão dos 100m peito admitiu ter “roubado” na final ao fazer um movimento submerso irregular capaz de dar a ele alguns importantes centésimos de segundo. Sua justificativa? Todo mundo faz. “Se você não faz isso, vai ficar para trás”, disse. “Obviamente não é a coisa moral a se fazer, mas não estou disposto a sacrificar minha performance pessoal e quatro anos de trabalho por alguém que está disposto a fazer (o movimento ilegal) e não ser pego”, disse. Hindes também admitiu uma fraude. Após um início ruim na prova da perseguição por equipes, Hindes caiu de propósito na pista. Como o regulamento autoriza o reinício em caso de queda, Hindes teve uma segunda chance, foi melhor e, como consequência, o Reino Unido levou a medalha de ouro.

Atos antiéticos no esporte estão longe de ser uma novidade, mas são ainda mais graves nos Jogos Olímpicos. A competição foi fundada por um homem que imortalizou o pensamento segundo o qual “o essencial não é ter vencido, mas ter lutado bem” e hoje exige, por regulamento, “fazer o máximo esforço para vencer”. O mundo que o barão Pierre de Coubertin imaginou, porém, não existe mais, ou talvez jamais tenha existido. O esporte não é um mundo afastado do restante da sociedade. O esporte é parte da sociedade e, assim, é preciso que as autoridades estabelecidas atuem para reduzir as oportunidades de desvios éticos. Para preservar a imagem do esporte, seu produto, o COI e as federações precisam agir.

No vôlei, uma parte dos confrontos da segunda fase é sorteada para evitar falcatruas como a que ocorreu no Mundial de 2010. Naquele ano, diante de um regulamento feito para beneficiar a Itália, sede do torneio, Rússia, Estados Unidos e Brasil perderam jogos de propósito em busca de confrontos mais fáceis. A medida não evita “entregadas”, mas minimiza a chance de escândalo, e poderia dar resultado em outros esportes coletivos. Mudanças de regras beneficiariam também o ciclismo e a natação, especialmente no nado peito, conhecido pelas polêmicas. Além de Van den Burgh, o medalhista de prata em Londres, Brenton Rickard, também fez o movimento irregular, assim como campeões em outros torneios, como o japonês Kosuke Kitajima e o brasileiro Felipe França. Todos se sentem à vontade para burlar as regras pois não há fiscalização submersa nos Jogos. Gravações em vídeo embaixo da água só foram usados num único campeonato, na Suécia, em 2010. O nadador sul-africano, que venceu “roubando”, se lembra com saudades da competição. “Foi realmente sensacional, porque ninguém tentou fazer (o movimento ilegal)”, disse Van den Burgh. “Todo mundo jogou limpo e todos estávamos tranquilos porque sabíamos que ninguém iria tentar”.

A cinco dias do fim das Olimpíadas de Londres, é certo que os Jogos de 2012 entrarão para a história marcados pelo grande número de violações éticas. As “entregadas” e outros artifícios usados para levar vantagem foram cometidos em diversos esportes, do ciclismo ao badminton, por atletas de inúmeros países. O Comitê Olímpico Internacional (COI) e as federações de cada modalidade tentaram reagir, mas pouco puderam fazer para conter a desonestidade, um sinal de que precisam se mover de olho em futuras competições.

O mais notório feito antiético de 2012 ocorreu no badminton. Quatro duplas femininas – duas da China, uma da Coreia do Sul e outra da Indonésia – foram eliminadas por entregar Jogos em busca de uma chave mais favorável na segunda fase da competição. A falta de esforço e os erros propositais ficaram tão claros que a Federação Mundial de Badminton exigiu a eliminação das atletas para não prejudicar a imagem do esporte. A fraude foi facilitada por uma mudança no regulamento do badminton nos Jogos. Antes, os times se enfrentavam no chamado confronto mata-mata e os vencedores iam avançando até as finais. A partir de 2012, há grupos na primeira fase, e as duplas podem “manejar” seu resultados para escolher quem enfrentarão nas fases subsequentes.

Regulamentos parecidos provocaram “entregadas” em outros esportes. Na segunda-feira 6, após estar ganhando do Brasil por 66 a 57 no terceiro quarto, a seleção masculina de basquete da Espanha perdeu por 88 a 82. Com o resultado, caiu em uma chave na qual não está a seleção norte-americana, amplamente favorita ao ouro. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) celebrou a vitória da “dignidade”. O técnico do Brasil, o argentino Rubén Magnano, afirmou que o triunfo representava o “caráter” de seu time. Os espanhóis negaram ter facilitado o jogo, mas a França, rival da Espanha nas quartas de final, entrou com um protesto solicitando a eliminação da rival, rejeitada pelo COI.

Episódios semelhantes ocorreram no handebol e no futebol femininos. O Brasil foi eliminado na manhã da terça-feira 7 pela Noruega, atual campeã olímpica, um confronto que só ocorreu logo nas quartas de final porque as norueguesas perderam seu último jogo da classificação, de forma suspeita, para a Espanha. Para a Noruega, instável na competição, enfrentar o Brasil, um time sem muita tradição, seria mais fácil que encarar a Croácia. O dinamarquês Morten Soubak, técnico do Brasil, lamentou o confronto precoce e a eliminação. “Na maneira como eu cresci, não posso admitir perder de propósito”, disse ele ao portal UOL.

No futebol, a coisa foi mais escancarada. Norio Sasaki, técnico do Japão, convenceu suas jogadoras a empatar com a fraca África do Sul no último jogo da primeira fase. Com o segundo lugar (em vez do primeiro) as japonesas escaparam dos Estados Unidos e da França e enfrentaram também o Brasil, mais fraco. Ganharam por 2 a 0 e estão na semifinais. Sasaki não escondeu o desejo pelo empate. “Foi uma forma diferente de jogar comparada com o jogo normal, mas as jogadoras concordaram comigo”, disse ele à agência AP.

A mesma desfaçatez de Sasaki tiveram o nadador sul-africano Cameron van den Burgh e o ciclista britânico Philip Hindes. Em entrevista ao jornal Sydney Morning Herald, o campeão dos 100m peito admitiu ter “roubado” na final ao fazer um movimento submerso irregular capaz de dar a ele alguns importantes centésimos de segundo. Sua justificativa? Todo mundo faz. “Se você não faz isso, vai ficar para trás”, disse. “Obviamente não é a coisa moral a se fazer, mas não estou disposto a sacrificar minha performance pessoal e quatro anos de trabalho por alguém que está disposto a fazer (o movimento ilegal) e não ser pego”, disse. Hindes também admitiu uma fraude. Após um início ruim na prova da perseguição por equipes, Hindes caiu de propósito na pista. Como o regulamento autoriza o reinício em caso de queda, Hindes teve uma segunda chance, foi melhor e, como consequência, o Reino Unido levou a medalha de ouro.

Atos antiéticos no esporte estão longe de ser uma novidade, mas são ainda mais graves nos Jogos Olímpicos. A competição foi fundada por um homem que imortalizou o pensamento segundo o qual “o essencial não é ter vencido, mas ter lutado bem” e hoje exige, por regulamento, “fazer o máximo esforço para vencer”. O mundo que o barão Pierre de Coubertin imaginou, porém, não existe mais, ou talvez jamais tenha existido. O esporte não é um mundo afastado do restante da sociedade. O esporte é parte da sociedade e, assim, é preciso que as autoridades estabelecidas atuem para reduzir as oportunidades de desvios éticos. Para preservar a imagem do esporte, seu produto, o COI e as federações precisam agir.

No vôlei, uma parte dos confrontos da segunda fase é sorteada para evitar falcatruas como a que ocorreu no Mundial de 2010. Naquele ano, diante de um regulamento feito para beneficiar a Itália, sede do torneio, Rússia, Estados Unidos e Brasil perderam jogos de propósito em busca de confrontos mais fáceis. A medida não evita “entregadas”, mas minimiza a chance de escândalo, e poderia dar resultado em outros esportes coletivos. Mudanças de regras beneficiariam também o ciclismo e a natação, especialmente no nado peito, conhecido pelas polêmicas. Além de Van den Burgh, o medalhista de prata em Londres, Brenton Rickard, também fez o movimento irregular, assim como campeões em outros torneios, como o japonês Kosuke Kitajima e o brasileiro Felipe França. Todos se sentem à vontade para burlar as regras pois não há fiscalização submersa nos Jogos. Gravações em vídeo embaixo da água só foram usados num único campeonato, na Suécia, em 2010. O nadador sul-africano, que venceu “roubando”, se lembra com saudades da competição. “Foi realmente sensacional, porque ninguém tentou fazer (o movimento ilegal)”, disse Van den Burgh. “Todo mundo jogou limpo e todos estávamos tranquilos porque sabíamos que ninguém iria tentar”.

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