Sociedade

Em 2021, populações indígenas sofreram 1.294 ataques ilegais, aponta Cimi

O relatório mais recente da comissão reúne relatos alarmantes de assassinatos, aliciamento sexual, invasões e ações governamentais que expõem os povos originários à violência

Foto: Giulianne Martins
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Conforme avança o governo Bolsonaro, o histórico descaso do Estado brasileiro com a população indígena se tornou ainda mais cruel. Apenas no ano de 2021, houve 1.294 registros de ataques ilegais contra povos originários. 

É o que mostra a edição mais recente do relatório ‘Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil‘ do Conselho Indigenista Missionário, o Cimi, divulgado nesta quarta-feira 17. O documento traz um amplo retrato das violações de direitos aos indígenas, desde  patrimônios, às pessoas até a negligência institucional. 

No levantamento, os ataques foram divididos de três formas: pela omissão na regularização de terras indígenas, que soma 871 casos; por conflitos envolvendo disputas territoriais, com 118 casos; e as invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, com 305 casos. 

Não é de hoje que enroscos jurídicos provocam embates entre madeireiros, grileiros e a própria população originária — que tem direito de posse determinado pela Constituição de 1988. É a primeira vez desde o período pré-constituinte, contudo, em que nenhuma terra indígena foi demarcada. 

Veja abaixo como se comportou cada governo ao longo dos anos: 

Nos governos Lula e Dilma, mesmo havendo negociações com a bancada ruralista e com os agricultores que prejudicavam a homologação das terras, as demarcações ainda ocorriam. Bolsonaro, contudo, cumpriu sua promessa de campanha e não demarcou nenhum metro de terra indígena.

“No governo Bolsonaro, a ilegalidade se tornou legítima”, sublinha Roberto Liebgott, coordenador do Cimi da região Sul e integrante da equipe que compõe o relatório. “Ou seja, o governo a tem como concepção que os indígenas são improdutivos e, portanto, cabe a outros explorarem as terras que eles ocupam.”

Os problemas de ordem jurídica afetam 62% do total das 1.393 terras indígenas brasileiras. Destas, 598 não tiveram nenhuma providência tomada para iniciar seu processo regulatório. Com destaque no mapa aos casos nos estados do Amazonas e Mato Grosso do Sul. 

Outro problema que favorece este contexto, é ao afrouxamento da fiscalização da Funai sobre as terras ainda não demarcadas.

Seguindo o modelo de tentar ‘passar a boiada’, alertam os ativistas do Cimi, a Funai ‘bolsonarista’ instituiu algumas instruções normativas e atos administrativos que mudaram a forma que a organização protegia esses territórios. 

Sem proteção aos seus territórios, a população ficou ainda mais exposta.

Aumento da violência

Em 2021, cerca de 305 casos de invasão afetaram 226 terras indígenas em 22 estados do País. Um dos mais emblemáticos ocorreu em maio daquele ano, no Pará. Em resposta à Operação Mundurukânia da Polícia Federal, os garimpeiros e indígenas pró-garimpo atacaram a sede de uma associação de mulheres indígenas da aldeia Munduruku e queimaram a casa de sua coordenadora, Maria Leusa Kaba Munduruku. 

Casa da liderança indígena foi queimada por garimpeiros. Foto: Reprodução

O aumento ano a ano das invasões também agravou outro índice: o de homicídios. Ao total foram 176 assassinatos em um ano. O índice de 2021 é o segundo maior desde o início da série histórica, em 2015, ficando atrás apenas de 2020, que registrou 182 assassinatos.

A morte brutal de duas jovens indígenas foram relembradas na pesquisa. Raíssa Cabreira Guarani Kaiowá, de 11 anos, e Daiane Griá Sales, do povo Kaingang, de 14 anos, foram estupradas e mortas. 

Daiane também sofreu asfixiamento e teve parte do corpo dilacerado por animais. Foto: Acervo pessoal

Daiane era da cidade de Redentora, no Rio Grande do Sul e foi abordada após sair de uma numa festa ao ar livre, na Vila São João, ela aceitou uma carona até sua casa e desde então nunca mais foi vista. Além do aliciamento, houve ocultação de cadáver e o corpo dela já foi encontrado dilacerado. O autor do crime está em prisão preventiva desde o ocorrido, em setembro de 2021, mas até o momento não houve julgamento do caso.  

Liebgott associa a gravidade do cenário com a brutalidade característica do período histórico da colonização brasileira. “Nós temos casos de envenenamento de pessoas que era a prática do processo de colonização, nós temos práticas de esquartejamento de pessoas que também era prática do processo de colonização”, relembra. “O ambiente que se criou fomentou essa violência brutal sem precedentes ainda nas últimas quatro ou cinco décadas“.

A resolução dos casos de feminicídio foram cobrado na II Marcha Nacional das Mulheres Indígenas que aconteceu em Brasília, 7 de setembro de 2021. Foto: Hellen Loures/CIMI

Para o indigenista, a normalização da violência ajuda a explicar a falta de respostas diante da escalada de ataques aos povos originários. “Existe um ambiente de governo que é o ambiente de ilegalidade, essas vão se tornando tantas e tão corriqueiras que elas acabam sendo relativizadas.” 

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