Sociedade

Conselhos de Direitos Humanos e de Saúde manifestam-se contra censura do Cremesp a Padilha

Deputado é alvo de processo disciplinar por ter criticado o aval do Ministério da Saúde à compra de eletrochoques

Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas Foto: Paulo Pinto/ Fotos Públicas
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O Conselho Nacional de Direitos Humanos e o Conselho Nacional de Saúde publicaram uma nota conjunta, na quarta-feira 28, em defesa da liberdade de expressão e opinião do deputado federal Alexandre Padilha, ex-ministro da Saúde.

O petista é alvo de um processo ético-disciplinar aberto pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, em razão das críticas que formulou a um documento do Ministério da Saúde que deu aval à internação de crianças e adolescentes em hospitais psiquiátricos e permitiu compra de aparelhos de eletroconvulsoterapia, o popular eletrochoque, para o SUS.

À época em que as novas diretrizes foram apresentadas, Padilha manifestou-se contra a inciativa. “Loucura não se prende, loucura não se tortura”, afirmou o parlamentar, em vídeo divulgado nas redes sociais. A declaração desagradou ao médico Diego Freitas Tavares, para quem a frase viola o Código de Ética Médica. O Cremesp recepcionou o pedido de sindicância apresentado por Tavares e, pouco depois, abriu um processo ético-disciplinar contra Padilha, que é médico infectologista.

“Trata-se de um processo evidentemente político, destinado a calar as vozes dos críticos a esse tipo de tratamento”, afirmou Padilha, logo após participar de um webinar sobre o papel do SUS no enfrentamento à pandemia do coronavírus, promovido por CartaCapital em 14 de outubro. “A frase que gerou tanto incômodo é um velho bordão da luta antimanicomial no Brasil”.

Este é, por sinal, o mesmo entendimento manifestado pelo CNDH e pelo CNS. Na nota conjunta, as entidades observam que Padilha “expressou uma posição histórica de todos e todas que lutam por uma sociedade sem manicômio, que denunciam as violações de direitos humanos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas”. O texto acrescenta que o artigo 53 da Constituição garante aos parlamentares o direito de manifestar livremente opiniões, palavras e votos.

“Os ataques ao citado deputado infelizmente não são um ato isolado, mas estão inseridos em um contexto geral de um conjunto de mudanças infralegais (decretos e portarias) que visam a atacar o marco legal brasileiro e todas as décadas de construção de uma rede substitutiva de base comunitária que possa superar o modelo violador de direitos humanos expresso nos hospitais psiquiátricos”, enfatiza a nota. “Medidas que ocorreram sem a participação social, sem passar pelo Conselho Nacional de Saúde, e buscam impor a sociedade brasileira uma contra reforma psiquiátrica voltada ao financiamento de leitos privados de internação”.

Batalha no Supremo

A disputa entre Padilha e o Cremesp acabou batendo às portas do Supremo Tribunal Federal. No início do mês, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados acionou a Corte para pedir a suspensão do processo disciplinar. A peça destaca que o petista tem as opiniões protegidas pela imunidade parlamentar. “Além disso, parece evidente que, mesmo que o deputado não fosse parlamentar, a instauração do presente processo ético-disciplinar nada mais representaria do que um ato ilegal e de manifesta arbitrariedade, em ofensa aos princípios de liberdade de expressão e opinião contrariedade ao previsto na ADPF n. 130 e ADI n. 4451”, diz um trecho do documento.

Em outra frente, um manifesto em defesa da liberdade de expressão de Padilha conta com o apoio do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, do Instituto Vladimir Herzog, de Gastão Wagner, ex-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, e de várias personalidades do mundo político e cultural, como a ex-presidente Dilma Rousseff, o ex-ministro da Saúde Arthur Chioro e os humoristas Fábio Porchat e Gregório Duvivier.

Desde o início do processo, o Cremesp não se manifesta sobre o caso. Segundo a entidade, sindicâncias e processos-éticos tramitam sob sigilo, para não prejudicar as investigações.

Leia a íntegra da nota

CONSELHO NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

Nota Conjunta em Defesa da Liberdade de Expressão e Opinião e da Reforma Psiquiátrica brasileira

Considerando que o Deputado Alexandre Padilha expressou uma posição histórica de todos e todas que lutam por uma sociedade sem manicômio, que denunciam as violações de direitos humanos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas;

Considerando que o CREMESP (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) abriu um processo ético contra o Deputado Alexandre Padilha única e exclusivamente por sua fala e posição em defesa da luta antimanicomial e de uma política de saúde mental, pública e não segregativa;

Considerando que a Câmara dos Deputados acionou o Supremo Tribunal Federal em defesa do direito de expressão e opinião do Deputado Federal Alexandre Padilha pedindo para sustar o processo ético do Cremesp;

Considerando que o Art. 53. da Constituição Federal garante aos Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos;

Considerando que as afirmações do Deputado Alexandre Padilha estão alinhadas com a Resolução n.8 do CNDH que defende diretrizes para uma política pública de saúde mental alinhada com a legislação brasileira, Lei 10.216/01 e a Convenção das Pessoas com Deficiência, baseada no tratamento e no cuidado em liberdade e promotora de direitos humanos;

O Conselho Nacional de Saúde e o Conselho Nacional de Direitos Humanos vem por meio dessa Nota de Repúdio afirmar sua posição contra a abertura de um processo ético contra um Deputado que simplesmente expressou uma posição histórica de todas as entidades e movimentos que lutaram contra as violações de direitos humanos em hospitais psiquiátricos e comunidades terapêuticas e que consolidaram no marco legal nacional brasileiro o processo de desinstitucionalização e de consolidação de uma rede substitutiva de base comunitária.

Os ataques ao citado deputado infelizmente não são um ato isolado, mas estão inseridos em um contexto geral de um conjunto de mudanças infralegais (decretos e portarias) que visam a atacar o marco legal brasileiro e todas as décadas de construção de uma rede substitutiva de base comunitária que possa superar o modelo violador de direitos humanos expresso nos hospitais psiquiátricos. Medidas que ocorreram sem a participação social, sem passar pelo Conselho Nacional de Saúde, e buscam impor a sociedade brasileira uma contra reforma psiquiátrica voltada ao financiamento de leitos privados de internação.

Dessa forma, essa Nota Conjunta afirma a Liberdade de Expressão e Opinião e em Defesa da Reforma Psiquiátrica e afirma que as posições expressadas pelo Deputado Federal Alexandre Padilha estão alinhadas as resoluções e recomendações do CNS e do CNDH sobre as políticas públicas de saúde mental.

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