Sociedade

CNBB e evangélicos reforçam aliança para emplacar Ives Gandra Filho no STF

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho é considerado um defensor inabalável dos ‘valores da família’

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
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O fracasso em 2017 serviu de lição. Naquele ano, católicos e evangélicos testaram pela primeira vez uma aliança inédita: apoiar um único nome para o Supremo Tribunal Federal, alguém alinhado aos “valores cristãos”. O escolhido, ou melhor, ungido pelas cúpulas das igrejas católicas e protestantes foi Ives Gandra Martins Filho, à época presidente do Tribunal Superior do Trabalho. A indicação bateu na trave. Enrolado pelas denúncias da JBS, Michel Temer preferiu colocar na corte uma espécie de advogado dos interesses seus e de seu grupo. Quem ficou com a vaga foi Alexandre de Moraes, então ministro da Justiça.

Em 2020, o Supremo abrirá mais uma vaga por conta da aposentadoria compulsória do decano Celso de Mello, que completará 75 anos. Desta vez, os religiosos decidiram não dar sopa ao azar. Desde a posse de Jair Bolsonaro, os lobistas das igrejas percorrem semanalmente os corredores dos ministérios, do Congresso e dos tribunais superiores para garantir a nomeação de Gandra Filho. “Será ele, pode anotar”, afirmou um desses lobistas a CartaCapital.

Embora católico fervoroso, ligado à Opus Dei, um dos mais reacionários prelados da Igreja, Gandra Filho tem o apoio dos evangélicos por ser considerado um inabalável defensor dos “valores da família”. Os religiosos querem emplacar um ministro que faça um contraponto e tente barrar as pautas de costumes em tramitação no STF. Esses grupos se sentem mal representados na corte e se ressentem das inúmeras decisões do colegiado contrárias a suas teses, entre elas a liberação do aborto em casos de bebês anencéfalos, o que abre a possibilidade de uma legalização geral, e a criminalização da homofobia. A declaração de Bolsonaro de que o próximo integrante da Corte Suprema será “terrivelmente evangélico” não passaria de um despiste. “Ele atira para um lado, mas mira em outro”, garante o lobista.

Um acordo teria sido firmado com o ministro Sergio Moro, cotado para substituir Celso de Mello no STF. Em troca do apoio ao nome de Gandra Filho, a Bancada da Bíblia se comprometeria a defender as pautas do ministro no Congresso. O primeiro teste virá com a manutenção ou não dos vetos de Bolsonaro na Lei de Abuso de Autoridade. O segundo, na votação do “pacote anticrime”, que patina na Câmara.

Por causa da Lava Jato, Moro não tem interlocução com o Parlamento. Pior: é detestado por deputados e senadores. Bispos evangélicos sem mandato se comprometeram a abrir as portas das bancadas da Bíblia e da Bala para o ministro se ele reforçar o lobby pela indicação de Gandra Filho. O ex-presidente do TST tem outro trunfo em sua campanha pela vaga no Supremo: sua amizade com Michelle, mulher de Bolsonaro.

Gandra Filho é autor de declarações reacionárias e antiquadas, bem ao gosto do bolsonarismo. Segundo ele, a mulher deve obedecer ao marido e a união civil entre pessoas do mesmo sexo se compara ao cruzamento entre um ser humano e um cachorro. “Casais homoafetivos não devem ter os mesmos direitos dos heterossexuais. Isso deturpa o conceito de família”, afirmou em uma entrevista. Critica o aborto e o divórcio e fez voto de castidade.

Reacionário nos costumes, Gandra Filho é um ferrenho defensor da agenda econômica ultraliberal. Presidia o TST quando a reforma trabalhista foi aprovada no governo Temer e se tornou um dos bastiões do apoio às mudanças. Chegou a ameaçar juízes de primeira instância e disse que a Justiça do Trabalho acabaria se os magistrados se opusessem à reforma. Tornou-se persona non grata no meio. Talvez o entusiasmo com a medida aprovada por Temer guardasse alguma relação com o seu desejo frustrado de chegar ao Supremo. Veremos agora se a fé será capaz de mover montanhas em favor de Gandra Filho.

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