Sociedade

Claudio revisitado

“Agradou-me saber que no Roda Viva da Cultura de São Paulo falou-se do mais completo jornalista brasileiro”

De volta ao passado. Abramo e o acima assinado nos dias ousados e amargos do Jornal da República
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Ninguém haverá de duvidar da má qualidade do ensino no Brasil, mesmo assim ainda me espanto ao constatar a ignorância abissal dos universitários até em relação à nossa história recente. Nem se diga de quem não chegou lá. Agradou-me saber, pelo contrário, que no Roda Viva da Cultura de São Paulo, segunda 19, falou-se de Claudio Abramo, na minha opinião o mais completo jornalista brasileiro, com atuação marcante entre o final dos anos 40 e dos 80. Foram 40 anos de jornalismo primoroso.

Uma forte amizade me ligou ao Claudio desde quando ele foi trabalhar no Estadão como repórter e tradutor da rubrica “De um dia para o outro”, que meu pai, Giannino, publicava diariamente na primeira página do jornal. Chegado há um ano a São Paulo, por mais dois ele a escreveu em italiano e Claudio, que dominava a língua dos pais, vertia o texto do chefe para o português. Quanto a mim, por 40 anos contei com um irmão mais velho.

O sabatinado da segunda 19, Alberto Dines, acentuou que a Folha de S.Paulo não soube aproveitar as lições de Claudio. Trata-se de um fluvial enredo, peça em três atos, e o primeiro entrega-lhe o papel de secretário do Estadão, brilhantemente arcado 12 anos a fio ao aprofundar os primeiros passos dados por meu pai e modernizar o jornalão. Não falta o golpe de cena: o desentendimento com um dos filhos do então diretor e coproprietário, Júlio de Mesquita Filho, força a sua saída. Houvera outro golpe, este desferido contra o País, o de 1964.

O segundo ato de início vê Claudio a orientar a feição gráfica da revista Visão. O incorruptível Claudio, calvinista nos comportamentos, precisa de emprego. No quadro sucessivo, Octavio Frias, dono das Folhas, é acometido por um lampejo e chama Claudio para um cargo decorativo, e nem por isso desprezível naquela moldura, algo assim como uma assessoria técnica, ministrada do alto de uma experiência e de um prestígio notáveis. No entrecho Frias ganha merecido destaque, a partir do momento em que não se deixa assustar por pendores e humores de Claudio, sempre pronto a alegar fé trotskista, embora eu a perceba matizada por um traço anárquico. Algum dia, Frias se autodefiniria como “especialista em Claudio Abramo”.

A promessa de uma distensão lenta, gradual, porém segura, leva Claudio a descer do nono andar para o quarto e assumir a direção da redação da Folha em 1974. As lições do mestre passam a ser aproveitadas, a bem, inclusive, do primogênito do dono, Otavinho, posto nas cercanias para aprender. E Claudio transforma o jornal, faz dele o mais vivo e inteligente do País.

E lá vem outro golpe de cena, como convém ao final do segundo ato, talhado para surpresas segundo Nelson Rodrigues. O colunista Lourenço Diaféria escreve que a espada ostentada pelo Duque de Caxias na sua estátua equestre está oxidada, basta isso para ser encarcerado. De fato ocorre que a Folha de Claudio incomoda. E que o velho Frias aposta na candidatura do ministro do Exército, Silvio Frota, para a sucessão de Ernesto Geisel. Aposta errada, como depois verificaríamos a 12 de outubro de 1977, quando Frota é sumariamente demitido por Geisel. Antes disso, dia 17 de setembro Claudio é remetido de volta ao nono andar e é também afastado Dines da chefia da sucursal carioca da Folha.

O terceiro ato registra de saída o fracasso miquelangiolesco do Jornal da República, aventura que envolve Claudio, Raymundo Faoro e o acima assinado. Imaginem, o diário oferecia, de segunda a sábado, uma página sindical, onde deitavam falação Lula e companhia. O fim do jornal, inevitável e inglório, devolve-nos à realidade. O velho Frias retorna à ribalta. Especialista em Claudio, chama-o de volta, como correspondente, primeiro de Londres, depois de Paris. Chega a me oferecer emprego, como articulista, e a alguns mais, participantes da frustrada tentativa republicana.

Faoro tinha o que fazer longe daquela empreitada devaneio adentro. Claudio e eu ainda estivemos juntos na Senhor semanal. Ali ele escrevia uma coluna intitulada Sextante, que acabou por fornecer farto material para a publicação de uma obra póstuma, intitulada A Regra do Jogo, ao juntar textos variados precedidos por um prefácio da minha autoria.

Acabo de concluir um livro, intitulado O Brasil, e nele conto que hoje, nas madrugadas de vigília, Claudio costuma visitar-me com chistes de suave ironia. Ele não perdoa minha participação na publicação da coletânea que em vida jamais permitiria. Ele era assim, severo consigo mesmo, rigoroso, inflexível, embora, no trato com os semelhantes, pudesse ser provocador com alguns, generoso com muitos outros.

Ninguém haverá de duvidar da má qualidade do ensino no Brasil, mesmo assim ainda me espanto ao constatar a ignorância abissal dos universitários até em relação à nossa história recente. Nem se diga de quem não chegou lá. Agradou-me saber, pelo contrário, que no Roda Viva da Cultura de São Paulo, segunda 19, falou-se de Claudio Abramo, na minha opinião o mais completo jornalista brasileiro, com atuação marcante entre o final dos anos 40 e dos 80. Foram 40 anos de jornalismo primoroso.

Uma forte amizade me ligou ao Claudio desde quando ele foi trabalhar no Estadão como repórter e tradutor da rubrica “De um dia para o outro”, que meu pai, Giannino, publicava diariamente na primeira página do jornal. Chegado há um ano a São Paulo, por mais dois ele a escreveu em italiano e Claudio, que dominava a língua dos pais, vertia o texto do chefe para o português. Quanto a mim, por 40 anos contei com um irmão mais velho.

O sabatinado da segunda 19, Alberto Dines, acentuou que a Folha de S.Paulo não soube aproveitar as lições de Claudio. Trata-se de um fluvial enredo, peça em três atos, e o primeiro entrega-lhe o papel de secretário do Estadão, brilhantemente arcado 12 anos a fio ao aprofundar os primeiros passos dados por meu pai e modernizar o jornalão. Não falta o golpe de cena: o desentendimento com um dos filhos do então diretor e coproprietário, Júlio de Mesquita Filho, força a sua saída. Houvera outro golpe, este desferido contra o País, o de 1964.

O segundo ato de início vê Claudio a orientar a feição gráfica da revista Visão. O incorruptível Claudio, calvinista nos comportamentos, precisa de emprego. No quadro sucessivo, Octavio Frias, dono das Folhas, é acometido por um lampejo e chama Claudio para um cargo decorativo, e nem por isso desprezível naquela moldura, algo assim como uma assessoria técnica, ministrada do alto de uma experiência e de um prestígio notáveis. No entrecho Frias ganha merecido destaque, a partir do momento em que não se deixa assustar por pendores e humores de Claudio, sempre pronto a alegar fé trotskista, embora eu a perceba matizada por um traço anárquico. Algum dia, Frias se autodefiniria como “especialista em Claudio Abramo”.

A promessa de uma distensão lenta, gradual, porém segura, leva Claudio a descer do nono andar para o quarto e assumir a direção da redação da Folha em 1974. As lições do mestre passam a ser aproveitadas, a bem, inclusive, do primogênito do dono, Otavinho, posto nas cercanias para aprender. E Claudio transforma o jornal, faz dele o mais vivo e inteligente do País.

E lá vem outro golpe de cena, como convém ao final do segundo ato, talhado para surpresas segundo Nelson Rodrigues. O colunista Lourenço Diaféria escreve que a espada ostentada pelo Duque de Caxias na sua estátua equestre está oxidada, basta isso para ser encarcerado. De fato ocorre que a Folha de Claudio incomoda. E que o velho Frias aposta na candidatura do ministro do Exército, Silvio Frota, para a sucessão de Ernesto Geisel. Aposta errada, como depois verificaríamos a 12 de outubro de 1977, quando Frota é sumariamente demitido por Geisel. Antes disso, dia 17 de setembro Claudio é remetido de volta ao nono andar e é também afastado Dines da chefia da sucursal carioca da Folha.

O terceiro ato registra de saída o fracasso miquelangiolesco do Jornal da República, aventura que envolve Claudio, Raymundo Faoro e o acima assinado. Imaginem, o diário oferecia, de segunda a sábado, uma página sindical, onde deitavam falação Lula e companhia. O fim do jornal, inevitável e inglório, devolve-nos à realidade. O velho Frias retorna à ribalta. Especialista em Claudio, chama-o de volta, como correspondente, primeiro de Londres, depois de Paris. Chega a me oferecer emprego, como articulista, e a alguns mais, participantes da frustrada tentativa republicana.

Faoro tinha o que fazer longe daquela empreitada devaneio adentro. Claudio e eu ainda estivemos juntos na Senhor semanal. Ali ele escrevia uma coluna intitulada Sextante, que acabou por fornecer farto material para a publicação de uma obra póstuma, intitulada A Regra do Jogo, ao juntar textos variados precedidos por um prefácio da minha autoria.

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