Sociedade

Caso com paciente, assédio e negligência: povos do Xingu pedem saída de médico

Polo chefiado por Celso Correia Batista concentra 13 de 14 mortes por coronavírus no Xingu. O Ministério Público Federal apura o caso

(Foto: Beatriz Lefevre)
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O Alto Xingu está de luto. No amplo pátio redondo das aldeias, cercado das grandes ocas, casas de enterro feitas de troncos fincados ao chão marcam a espera pelo Quarup, ritual que encerra o longo funeral na próxima estação seca, entre julho e agosto do ano que vem.

A maior e mais importante reserva indígena brasileira foi devastada pela primeira onda da pandemia do coronavírus. Além da tristeza pelas mortes, há a revolta – expressa, principalmente, em críticas à atuação do médico-chefe do Polo-Base Leonardo Villas Boas, maior unidade de saúde da região. Lá, morreram 13 de 14 indígenas vítimas do coronavírus no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xingu, em Canarana (MT). A taxa de letalidade do Xingu é a terceira maior entre todas as terras indígenas brasileiras.

A pandemia mudou a história de Celso Correia Batista, o Dr. Celso. De herói aplaudido nas redes sociais, ele se tornou alvo de denúncias graves de indígenas e de colegas da saúde. Dois grandes caciques tradicionais – Kotok, dos Kamaiurá, e Awayatu, dos Aweti – e vários outros líderes pedem urgente por outro médico no local.

A equipe médica o acusa de negligência no exercício da profissão. Fala também em atuação “política”, “autoritária”, “centralizadora” e “medicalizadora” para conquistar a simpatia dos indígenas e se blindar de eventuais sanções. Há ainda um boletim de ocorrência por assédio sexual registrado por uma enfermeira.

A taxa de letalidade do Xingu é a terceira maior entre todas as terras indígenas brasileiras.

Já os indígenas condenam a resistência do médico à contratação de mais profissionais, o consumo de álcool (proibido no Xingu), o desrespeito às tradições locais, caça ilegal e intimidações.

 

Em meio à tragédia, a gota d’água foi o envolvimento de Celso com uma jovem Kamaiurá de 20 anos de idade, que teria começado quando a garota se tratou da Covid-19 no polo Leonardo. O pai dela foi um dos mortos pela doença – o primeiro entre os Kamaiurá. O Ministério Público Federal do Mato Grosso apura o caso.

Celso nega todas as acusações. Diz estar sendo “perseguido” por “uma família de pessoas” no DSEI. “Eu sabia que existiam perseguições, mas não sabia que iria chegar a esse ponto. Nunca passou pela minha cabeça que o ser humano chegaria nesse ponto“, diz.

Atualmente, o médico está fora do Xingu, aproveitando folgas acumuladas pelo trabalho em campo. Seu retorno iminente tem provocado temor e agitação.

Um desconhecido no Xingu

A trajetória de Celso Batista antes do Xingu é nebulosa. Formado em medicina em uma universidade paraguaia, e sem registro no Conselho Regional de Medicina (CRM), ele foi habilitado pelo Mais Médicos para atuar no DSEI Xingu em dezembro de 2018.

“Eu o conheci como uma pessoa alegre, participativa, comunicativa e boa de política. Sabia bem o que estava fazendo em relação à convivência com os indígenas. Sempre prometia todas as resoluções. Se o mundo fosse acabar, ele seria o salvador. O que era pra ser um discurso da equipe, era uma questão pessoal [para ele]”, diz uma enfermeira que trabalhou com Celso antes e durante a pandemia.

A chegada do coronavírus acendeu um alerta geral sobre o controle da contaminação dentro das aldeias. Celso, no entanto, negou o repasse de informações às coordenadorias de saúde e articulou a compra de remédios diretamente com os indígenas – omitindo da Sesai quais medicamentos eram ou não receitados no distrito. Também resistiu à contratação de mais médicos para a região.

Três receitas obtidas pela reportagem mostram que foram prescritos oito medicamentos diferentes para um paciente que, segundo a fonte de CartaCapital, tinha sido diagnosticado para Covid-19, mas estava assintomático. Para profissionais que trabalhavam com ele, a postura “medicalizadora” chamava a atenção em detrimento de condutas de prevenção à contaminação por coronavírus.

As três receitas com oito medicamentos diferentes foram entregues a um paciente assintomático de Covid-19.

Em um áudio obtido por CartaCapital, Celso fala a um interlocutor de “vitaminas” que deveriam ser compradas com a ajuda de doações recebidas pelos povos indígenas em campanhas emergenciais. O médico diz que elas “não vêm pela lista do Rename”. O Rename é a Relação Nacional de Medicamentos Essenciais, compilado de medicamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS). No mesmo áudio, Celso diz também que “não dava” para usar Equipamento de Proteção Individual (EPI) “o tempo todo” enquanto atendia seus pacientes.

A conduta errática do Dr. Celso incomodava médicos, enfermeiros e auxiliares que conviviam com ele ou com pacientes do Polo Leonardo. Circulando pela região, o médico João* começou a estranhar seus procedimentos

“Eu chegava e via [que o Celso] mandava nebulizar (fazer inalação) com xarope. Não existe o menor respaldo científico nisso e é prejudicial para o paciente. Ele usava anticoagulante nos pacientes sem critério nenhum. No Polo Leonardo, [há] fotos de todo mundo sentado, colado um no outro e ele administrando vitamina na veia de todo mundo”, conta. “Isso são medidas, primeiro, sem comprovação científica, e segundo, você faz aglomeração e espalha o vírus, né? Tanto que no Leonardo, a gente teve um número de óbitos gigantesco comparado com qualquer outro lugar.”

Pacientes no Polo Leonardo aguardam juntos pelo atendimento, contrariando recomendações de distanciamento social

Quando os casos de Covid-19 começaram a se multiplicar, lideranças indígenas buscaram parcerias para contratar médicos para a região. Celso, no entanto, os teria desencorajado. É o que conta Takuman, filho do cacique Kotok, em um áudio enviado à reportagem:

“Meu pai fez campanha para arrecadar dinheiro e poder contratar um médico aqui na aldeia, [além de] quatro enfermeiros para controlar o vírus. Meu pai pensou bem. Mas aí sabe quem discorda? O próprio Dr. Celso. Ele não queria que o médico fosse contratado, porque ele já estava aqui já. Aí, meu tio finado Aritana fez campanha para poder construir um mini-hospital no posto Leonardo. Sabe quem foi contra? O Dr. Celso. Quando a doença infectou nós aqui, Dr. Celso não controlou mais. Tinha pessoas mal aqui, outras no [povo] Yawalapiti, não tinha mais equipe para ajudar ele. Só estava ele. Isso foi um grande erro dele.”

Outras lideranças do Xingu, contudo, consideram outro o “grande erro” do dr. Celso: o envolvimento com uma jovem paciente indígena em meio à pandemia e com o luto decretado no Xingu.

“Ninguém aceita esse tipo de coisa”

“Essa índia era paciente, ela adoece. Ficou doente, mas se recuperou dentro de um mês. Só que o pai dela teve óbito. Essa família que adoeceu estava lá no posto Leonardo, onde atende os pacientes. Ficaram lá um mês e meio. Lá, ele começou a ter esse relacionamento. Não sei o que aconteceu. Ele enlouqueceu.”

O depoimento acima, do indígena Where Kamaiurá, mostra o desencanto com o Dr. Celso.  Where o descreveu à reportagem como um médico que esteve ao lado dos indígenas durante a pandemia. Mas em seu relato também residem a indignação e decepção:

“Ele tocava as pacientes como se fosse o João de Deus. O doutor, quando entra aqui, tem que respeitar os pacientes, respeitar a comunidade, respeitar cacique. Isso ele não teve. Ele fez sacanagem, ele fez coisa errada, que aqui, internamente, é inadmissível. Ninguém aceita esse tipo de coisa”, completa.

Segundo relatos da tribo, Celso fazia visitas frequentes à aldeia da jovem Kamaiurá. E, com o carro oficial da Sesai, passou a fazer aparições noturnas. A pajé Tainá Kamaiurá contou a CartaCapital:

“Eu vi ela com ele. Ele veio oito horas da noite, ele veio buscar ela para levar para o [Polo-Base] Leonardo, aí ela foi com ele. Dormiu com ele, até às seis horas da manhã, e ele trouxe ela de novo para a aldeia. Ela dormiu duas vezes lá no Leonardo, no carro da saúde, ainda. Eu não gostei. Isso aqui é muito errado, eu não gostei.”

E complementa: “É assim: eu perdi meu pai, minha mãe, meu irmão, meu tio e minha prima. Aí nós ficamos de luto. Aí ele veio namorando, por isso que eu não gostei de ver isso. Por que? É nossa cultura, regra, por isso que eu não gostei. É a primeira vez que eu vi um doutor assim”, diz.

O burburinho também se espalhou entre os profissionais do distrito. Uma funcionária da Casa de Saúde Indígena (CASAI) de Gaúcha do Norte narrou à reportagem um momento de intimidade entre Celso e a jovem, levada até lá para fazer exames laboratoriais. Segundo ela, o objetivo da visita era investigar sintomas remanescentes da Covid-19.

O protocolo de atendimento, no entanto, foi diferente: ao invés de passar a noite no local para fazer os exames pela manhã em jejum, ela teria saído da Casai à noite com Celso e familiares para “comer pizza”, dormido fora e retornado à unidade no dia seguinte.

Questionado pela reportagem, o médico negou o relacionamento. “Pelo amor de Deus, eu sou casado”.

Consta ainda um boletim de ocorrência, registrado no dia 23 de julho na delegacia de Nova Xavantina por uma ex-enfermeira do DSEI acusando Celso de assédio sexual. Segundo a denúncia, ele teria forçado a porta do quarto onde a enfermeira se trocava e, embriagado, perguntado se ela iria “tomar banho”.

Celso nega: “Se a pessoa falou isso ela vai ter que provar no tribunal, porque isso nunca aconteceu. Pergunta para as pessoas que trabalham lá. Tem menina jovem, bonita que trabalha comigo, pergunta qual foi o dia que eu falei alguma coisa. Eu ando em moto porque nem transporte nós não temos lá. Eu ando de moto pra dar continuidade no meu trabalho, ando numa moto que eu comprei para ir nas aldeias atender os pacientes. Pergunta para a enfermeira que trabalha lá quantas vezes ela já saiu à noite comigo pra ir pra um lado e pro outro e quantas vezes que eu falei alguma indecência pra ela, nunca.

A profissional que o denunciou afirma ainda que Celso “interferiu nos trabalhos de enfermagem boicotando vigilância em saúde, obstruindo os trabalhos de informatização das planilhas de dados” e que não teria prestado explicações em prontuários sobre seus procedimentos no DSEI e suas prescrições médicas, como também apontado por outras fontes ouvidas pela reportagem.

Denúncias à Funai não surtiram efeito

Tanto os problemas de ordem médica quanto as suspeitas do envolvimento com a indígena foram reportadas a coordenadores do DSEI. Foram feitas, também, denúncias à Funai. No dia 16 de outubro, o chefe da coordenação técnica local da Funai de Gaúcha do Norte, Amanua Kamayurá, registrou a primeira solicitação de afastamento, com caráter “urgente”, do Dr. Celso Batista.

“Todo mundo sabia que estava acontecendo algo com os dois, nenhum momento ninguém falava nada como se não tivesse acontecendo nada, sendo que ainda qualquer profissionais [sic] de saúde antes de entrar na área indígena foram orientados pela equipe DSEI Xingu para não cometer esse tipo de caso com as meninas”, escreveu.

No entanto, o relato foi rapidamente desconsiderado depois que um grupo de indígenas alinhados a Celso assinaram uma carta, também endereçada à Funai. O documento afirma que a jovem teria negado o envolvimento dos dois. No entanto, nem a Funai nem a SESAI pareceram querer esclarecer a questão.

À esquerda, documento no SEI (Sistema Especial de Informações) denunciando o caso com a jovem. À direita, indígenas afirmam que caso foi desmentido. Apesar do desencontro de versões, Funai e SESAI não investigaram o caso.

Em áudio que circula entre profissionais e moradores do Xingu, Robson Santos diz ter recebido um pedido da Funai para a saída de um “médico chamado Celso”, e também “o pedido de lideranças para que este médico permaneça”. Segundo ele, o fato de Celso não ter sido contratado pela Sesai isentava o órgão da responsabilidade de apurar o ocorrido.

“Esse médico não é contratado pela Sesai, ele é do programa Médicos Pelo Brasil, e cabe a este programa do Ministério o passe desse médico. Nesse momento, conforme as lideranças pediram, não há qualquer previsão de saída do médico. Se estiver fazendo um bom trabalho, se estiver seguindo os protocolos, não há porque o médico sair”, diz.

A Secretaria informou à CartaCapital, contudo, que o Ministério da Saúde conduz uma ‘investigação interna’ do caso, incluindo as alegações sobre o caso com a jovem kamaiurá.

No dia 25 de novembro, o cacique Kotok, do povo Kamaiurá, escreveu uma carta ao secretário de Saúde Indígena, Robson Santos, para pedir, em caráter de emergência, a vinda de um médico para o Polo Leonardo. Kotok não menciona as condutas de Dr. Celso, que está afastado, mas também não pede para que ele retorne.

“Venho informá-lo que o Polo Leonardo Villas-Boas se encontra, atualmente, desprovido de profissional de saúde, médico, e que também não fomos informados, até a presente data, da previsão de sua chegada. Por derradeiro, solicito, em caráter de urgência, a alocação de profissional de saúde, médico, no referido polo”, escreveu.

O cacique Aweti, um povo que fala também a língua tupi como os Kamaiurá, também se mostrou insatisfeito e pediu, em consonância com o cacique Kotok, a saída de Celso e a contratação de um outro médico de forma emergencial. Após o pedido, a Sesai diz ter solicitado a contratação de mais dois médicos.

Carta do cacique Kotok pede, com urgência, a designação de um novo médico para o Polo Leonardo.

Também foi registrada, junto ao Ministério Público Federal, uma denúncia anônima das condutas médicas de Celso. O texto foi obtido na íntegra pela reportagem. “Há ainda relato por parte dos profissionais de sua equipe do uso de drogas ilícitas em território indígena enquanto realiza seu trabalho. Sua equipe relata medo de denunciar as práticas errôneas do médico devido a ameaças do mesmo.”, escreve o denunciante.

O profissional autor da denúncia disse ter reportado a situação ao coordenador DSEI e ao chefe do DIASI, a Divisão de Atenção à Saúde Indígena dentro do território, sem retorno.

Apocalipse Xingu

Uma das enfermeiras que trabalhou com Celso e conversou com a reportagem diz que o médico, de fato, “trabalhou muito” na pandemia, mas não atuou em conjunto com a equipe designada para auxiliar a população indígena. O resultado da negligência, lamenta, se expressou em vidas perdidas.

Além de concentrar 13 mortes por Covid-19 do DSEI Xingu, o Polo registrou, em 23 de novembro, 520 casos confirmados de coronavírus, segundo o informe epidemiológico da Sesai. A taxa de mortalidade a cada 100 mil habitantes ficou em 161,1, a quarta maior entre todos os distritos indígenas. A taxa de letalidade é de 2,7% – a terceira maior entre todos os DSEIs do país.

Se for analisado apenas o Polo Leonardo, sem os outros três polos do Xingu, a situação é ainda pior. Em um boletim do dia 9 de novembro em que a Sesai analisou cada região, para os 387 casos registrados no Leonardo na época, a taxa de letalidade era de 3,35%, atrás apenas de Parintins (3,4%) e Xavante (5,3%).

O cacique Aritana, influente liderança indígena no Brasil, foi uma das vítimas da Covid-19 no Xingu. (Foto: ANTONIO SCORZA/AFP)

Entre tantas mortes, uma chamou atenção mundial: a do cacique Aritana Yawalapiti, a maior liderança do Alto Xingu. Aritana foi levado pelo Dr. Celso a um hospital de Goiânia em uma caminhonete. A viagem durou 10 horas — o cacique não teve acesso a ambulância aérea ou mesmo terrestre.

Batista se defende de acusações de negligência: “Eu pedi uma quantidade de oxigênio. Eles não conseguiram o voo para nós, não conseguiram nada. Eles estavam cientes disso. Eu avaliei o paciente e ele não tinha condições de viajar, e eles estavam cientes que o paciente não tinha condições de viajar.”

Também se diz vítima de uma “jogada política”: “Mandaram uma aeronave para me buscar para eu levar o paciente da CASAI pro Polo, sem nenhum documento, sem nada. Para o paciente vir a óbito na minha mão e me incriminarem. Isso ninguém fala. A falta de medicamentos que eles deixaram faltar no Polo, ninguém fala. É uma jogada muito grande, política, você entendeu? Infelizmente, é o que eu te falei, acontece.” 

Para Tapi, filho mais velho de Aritana e seu sucessor como cacique, a culpa da morte de seu pai não é do médico.

“A situação que passamos no Xingu é uma coisa triste, muito triste. Não vou culpar o Dr. Celso. Isso é prática cultural dos povos indígenas do Xingu. A feitiçaria é muito difícil. Não posso julgar o médico. Por que tudo o que aconteceu no Xingu foi causado pela feitiçaria. É muito difícil. Fiz tudo o possível para tentar salvar a vida do meu pai, pedi ajuda das pessoas para eu poder pagar hospital particular para ele, trouxe ele até Goiânia. Ele ficou internado, melhorou, ficou bem, e nem médico sabe o que aconteceu: de repente ele apagou de vez.”

Questionado sobre as outras denúncias, entre elas do abuso relatada pelos Kamaiurá, Tapi diz: “[É um] problema social do povo Kamaiurá. Eu tenho que ficar neutro e cuidar do meu povo. Kamaiurá tem cacique e tem o poder de determinar. Eu sou outro povo, não posso me envolver com esse problema. Eu estou relatando que ele atendeu meu pai, isso é o que eu posso falar.”

À pedido de CartaCapital, o epidemiologista Douglas Rodrigues, médico do Projeto Xingu, analisou os números da pandemia no DSEI.

O projeto é uma iniciativa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que, há mais de 50 anos, atua na região provendo reforço médico às populações xinguanas.

Segundo ele, a cartografia do vírus na região chama a atenção de qualquer epidemiologista: “Trata-se da mesma doença, mas com comportamentos diferentes no território, mesmo entre etnias culturalmente muito próximas. Como epidemiologista, eu diria que cabe investigar as causas dessas diferenças.”, diz.

Ele destaca a concentração dos óbitos no Polo Leonardo e aponta possíveis explicações. “Tivemos uma transmissão mais intensa, um maior número de casos e os óbitos que se concentraram naquela região. A pergunta é sempre essa. Será que as medidas não farmacológicas não surtiram efeitos? Não houve adesão da população? Será que demorou para fazer testes? Do outro lado, [pode ser] valorizar mais os tratamentos do que a prevenção. É uma aposta que tende a dar errado.”

O que diz Celso Correia Batista

Para além das respostas do médico já mostradas na reportagem, Celso diz que a relação com demais profissionais de saúde era “super tranquila” e que teve apenas um caso pontual de desentendimento com um enfermeiro que seria “dependente químico”.

O médico também afirma que não faz uso de bebidas alcóolicas há sete anos. “Não sou dependente químico e fez sete anos agora em outubro que eu não tomo um copo de cerveja, nem nada. Sou o cara que mais prega contra isso lá na área, porque todo álcool em gel que foi para a área, para uso das pessoas, se torna bebida, entendeu?”, disse.

O que diz a Sesai

Segundo a secretaria, o Ministério da Saúde instaurou um inquérito interno para avaliar o caso. Em relação aos pedidos de medicamentos e vitaminas por fora dos protocolos do DSEI, a Sesai afirma não ter recebido denúncias, mas que “os médicos podem receitar, a seu critério, medicamentos que não estão na lista – conforme a necessidade do paciente e guardadas as orientações do Ministério da Saúde e do Conselho Federal de Medicina”

Sobre às reclamações de Batista em relação a insumos, a Sesai afirma que o DSEI Xingu “tem autonomia orçamentária para compra de insumos, e os medicamentos são disponibilizados nas Unidades Básicas de Saúde Indígena  e Polos Bases, conforme solicitação dos profissionais de saúde e da disponibilidade na Central de Abastecimento Farmacêutico do DSEI.” A Sesai afirma ainda, ao contrário do que diz Celso, que há três carros para atendimento na região do Polo Leonardo.

Em relação ao número elevado de óbitos, a secretaria responde: “Deve-se levar em conta o número de casos e óbitos dos municípios adjacentes. O Polo Base Leonardo é o mais populoso do DSEI Xingu. Desde janeiro deste ano, o DSEI executa Plano de Contingência Distrital para Infecção Humana pelo novo Coronavírus em povos indígenas. Foram realizadas ações específicas para enfrentamento à pandemia. Neste contexto, destaca-se a contratação de Equipe de Resposta Rápida especificamente para região do Alto Xingu.”

O que diz a Funai

A Funai não respondeu as perguntas de CartaCapital, mas se manifestou em nota:

“A Fundação Nacional do Índio (Funai) esclarece que a denúncia foi realizada ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Xingu, que não não é vinculado à Funai, mas sim à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde que possui a competência institucional de coordenar e executar a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS) no Sistema Único de Saúde (SUS).”

O que diz o Ministério Público Federal

O Ofício de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da Procuradoria da República em Mato Grosso enviou, ao DSEI Xingu, uma notícia de fato no dia 06 de outubro pedindo informações sobre possíveis atuações irregulares de Celso e de outro médico, identificado como “Dr. Valter”, em meio à pandemia.

A reportagem teve acesso ao documento:

“Os médicos acima identificados vem trabalhando em contato direto com as populações indígenas do Alto Xingu, inclusive com pacientes indígenas com Covid-19, sem o uso de máscaras de proteção, contrariando as recomendações da OMS e expondo os indígenas ao risco de contaminação. Além disso foram relatadas situações nas quais os médicos profeririam agressões verbais e ameaças à outros profissionais do DSEI/Xingu. Inclusive, DR. CELSO já teria sido visto portando arma de fogo de forma ostensiva durante horário de trabalho”, diz o texto do MPF.

O DSEI ainda está no prazo limite para fornecer as informações requeridas.

O que diz o Programa Mais Médicos

O Ministério da Saúde não respondeu as perguntas direcionadas à atuação dos profissionais contratados pelo programa. Qualquer manifestação será incluída posteriormente na reportagem.

*Nome alterado para preservar a identidade da fonte 

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