Sociedade

“Brasil é país onde evangélicos mais avançam na política”

Pesquisador da influência das igrejas na política latino-americana diz que que bancada evangélica busca interesses próprios e agenda moral

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Por Marcio Damasceno

Autor de vários livros sobre igrejas evangélicas, o cientista político e sociólogo peruano José Luis Pérez Guadalupe avalia que possíveis excessos do futuro governo brasileiro farão os evangélicos se arrependerem de seu apoio à campanha de Jair Bolsonaro. “Não há um pensamento homogêneo dos evangélicos, não há um pensamento político, mas um que vai seguindo conforme as circunstâncias”, destaca.

Perez Guadalupe esteve nesta semana em Berlim para o lançamento de Evangélicos y poder en América Latina, coletânea que organizou para a Fundação Konrad Adenauer, ligada ao partido alemão União Democrata-Cristã (CDU). A obra reúne ensaios sobre a influência política crescente dos evangélicos nos países do continente.

O especialista afirma que a bancada evangélica no Brasil é formada, em grande parte, por políticos que não buscam o bem comum do país, mas favorecer seu próprio grupo e defender a chamada “agenda moral” – que inclui o combate ao aborto, à “ideologia de gênero” e ao casamento de pessoas do mesmo sexo.

“Eles não têm nenhuma proposta além da agenda moral. Não têm ideias nem em economia nem em política pública. Não propõem nada”, comenta.

Confira a entrevista:

DW: Como é a influência política dos evangélicos no Brasil em comparação com a verificada no resto da América Latina?

José Luis Pérez Guadalupe: O Brasil foi o país onde houve o maior avanço dos evangélicos na política, mas que não chega a se desdobrar em sua plenitude em relação ao peso deles na sociedade.

Porque temos cerca de 30% de evangélicos no Brasil e nas últimas eleições eles alcançaram cerca de 15% de representação na Câmara dos Deputados. Os evangélicos avançaram numericamente. Politicamente, eles conseguiram avançar mais do que na América Central, que tem quatro países com cerca de 40% de população evangélica.

A questão, porém, não é apenas quantos representantes evangélicos há na Câmara dos Deputados, mas as alianças que estão sendo feitas estrategicamente, a chamada bancada evangélica. Porque isso é interessante, e não somente a parcela que conseguiram – como já disse, entre 15% e 16%. Mas um ponto importante é a famosa bancada BBB (Bíblia, boi e bala), que agora passou a ser BBBB: Bíblia, boi, bala e Bolsonaro. Então, quando essas bancadas se juntam, aí sim, temos uma força importante. Ou seja, se todos os evangélicos se unissem, eles seriam o maior partido político do Brasil. Mas eles são muito atomizados.

Quando consideramos as bancadas, estamos falando, mais ou menos, de quase 30 denominações cristãs. Os que estão hoje no Congresso estão agrupados em cerca de 23 partidos e pertencem a 30 denominações cristãs diferentes.

As denominações que têm mais deputados são as Assembleias de Deus, seguidas pelos batistas, juntos com os da Igreja Universal do Reino de Deus e, em terceiro lugar, está a Igreja do Evangelho Quadrangular. Mas eles vivem num sistema de fusão e fissão, se unem para algumas coisas e se dividem para outras.

O que os une é, basicamente, o tema da agenda moral: pela família, contra o aborto e contra o casamento homossexual. Aí eles se perfilam, inclusive, a muitos congressistas católicos. E se conseguem a união com as outras bancadas, então podem até mesmo paralisar políticas públicas no Brasil.

Um exemplo disso foi o que ocorreu no Peru, quando eles se opuseram a dois ministros da Educação, que tiveram que sair do governo justamente por causa de um projeto sobre “ideologia de gênero” no currículo escolar.

O plano envolvia uma agenda de gênero, e os evangélicos não querem sequer que exista a palavra gênero. Ou seja, eles se opõem que exista a palavra “sexo”, se houver uma agenda incluindo essa palavra, eles não a querem.

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DW: Os evangélicos que agora ajudaram na eleição de Bolsonaro estiveram ao lado de Dilma Rousseff quando ela foi eleita em 2014. Mas a campanha do PT não continha essa “agenda moral” como a que caracterizou a campanha de Bolsonaro.

JLPG: Mudaram os temas, e mudaram os panoramas. Em 2010 e 2014, a maioria dos evangélicos votou no PT e Dilma. Mas imediatamente depois, quando veio o impeachment, os evangélicos deixaram de apoiar Dilma, quando ela não mais atendia a seus temas e havia também o tema da corrupção.

Mas tenho dúvidas se o voto evangélico define mesmo eleições. O Datafolha dizia que cerca de 70% dos evangélicos votaram no Bolsonaro, enquanto 30% votaram no Haddad. Por outro lado, havia outros dados dizendo que as cem cidades mais ricas votaram no Bolsonaro, e as cem mais pobres votaram no Haddad.

De fato, houve a indicação dos grupos neopentecostais, basicamente a Igreja Universal do Reino de Deus e as Assembleias de Deus, do pastor Silas Malafaia e do bispo Edir Macedo, para que seus fiéis votassem em Bolsonaro.

Mas teríamos que ver se é tão determinante assim a indicação dos líderes para que seus seguidores votem em determinado nome. E, por outro lado, denominações como a dos batistas, por exemplo, não levantaram sua voz para apoiar Bolsonaro.

DW: O senhor afirma que um perigo das bancadas evangélicas é que elas são compostas por políticos que agem não para o bem comum mas para o bem de um grupo. O perigo teria crescido agora, com o crescimento da bancada evangélica na última eleição?

JLPG: Ela cresceu, mas não muito. A bancada evangélica age em dois campos diferentes. Um como grupo de pressão, para paralisar políticas públicas. E por outro lado, no Congresso, quando se une a outras bancadas, para não só propor coisas mas também para boicotar, como quando se opõem ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, por exemplo. Embora este já tenha sido aprovado formalmente, eles continuam lutando para que não haja avanços de novos critérios para a permissão do aborto, por exemplo.

Boa parte da bancada evangélica, de fato, não tem uma visão cidadã da política, pensada como bem comum, mas como algo para o bem de um grupo. E me preocupa a entrada desse tipo de evangélicos na política.

Mas eles não são os únicos. Também há os narcopartidos, ou partidos pela mineração. Tanto os narcotraficantes que apoiam um partido como os mineiros ilegais que apoiam outro e financiam os partidos para que os apoiem quando chegarem ao Congresso.

Além disso, não há um pensamento homogêneo dos evangélicos, não há um pensamento político, mas um que vai seguindo conforme as circunstâncias. Quem sabe, daqui a quatro anos votem em outra pessoa que não seja Bolsonaro.

Mas, no caso de Bolsonaro, me parece mais incrível que ele tenha atraído os evangélicos. Porque o discurso de Bolsonaro, por um lado, é machista, misógino, xenófobo e homofóbico mas, por outro lado, se diz a favor da vida. Então, os evangélicos esquecem deste outro Bolsonaro e somente veem o político que é a favor da vida, que é contra o aborto.

DW: Contra a vida inata, mas não necessariamente contra a vida. Já chegou a defender a morte, principalmente dos que não cumprem a lei.

JLPG: Sim, a vida inata. É incrível que queira salvar a vida dos que estão para nascer, mas não se importe muito com aqueles que já estão crescidos e defende que levem um tiro na cabeça, dizendo que “ladrão bom é ladrão morto”.

Esta é a grande contradição. Acho que os evangélicos, com o tempo, vão se conscientizar dos excessos de Bolsonaro. Neste caso, não só são os eleitores evangélicos, mas algumas igrejas evangélicas o estão apoiando oficialmente. Então, acho que depois os fiéis vão passar a fatura por esse apoio.

DW: O senhor faz a distinção entre políticos evangélicos e evangélicos políticos. No Brasil, o que prevalece?

JLPG: Acho que no Brasil há mais evangélicos políticos do que políticos evangélicos. Quer dizer: eles, na verdade, não são políticos, são religiosos. E há uma grande diferença entre o que sempre ocorreu, que era aproveitar o sentimento religioso com fins políticos.

Agora, o que estão fazendo é se aproveitar da opções políticas com fins religiosos. Os evangélicos políticos são, na verdade, líderes religiosos, são pastores de suas igrejas. Eles não são congressistas de seu partidos. São, e vão continuar sendo, pastores de suas igrejas.

O que eles buscam é se aproveitar da política para chegar ao poder e, dessa maneira, seguir com seus objetivos religiosos. Mas não são políticos no sentido estrito da palavra, fazendo política para buscar o bem comum de seu país, tanto que não têm nenhuma proposta de outro tema que não seja a agenda moral.

Não têm ideias nem em economia, nem em política pública, não propõem nada. A única proposta deles é sempre moralizar a política. Mas em 2006, por exemplo, os deputados evangélicos foram acusados por escândalos de corrupção maciços no Brasil. E eles não moralizaram nada.

Minha grande preocupação é com os líderes religiosos que dizem que têm o celular de Deus e dizem que falam com Ele todos os dias e recebem instruções para seus mandatos.

DW: Um bom exemplo disso, desse messianismo do presidente eleito, pode ser o próprio slogan de Bolsonaro: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”?

JLPG: Esse é um grande slogan político e que quer, logicamente, atrair o sentimento religioso. Imagine que o sentimento religioso seja tão importante a ponto de você o colocar num slogan político. Evidentemente que foi feito um bom estudo de marketing para se saber um dos fatores determinantes de voto. Mas o outro fator foi o voto anti-PT. Associaram o PT e Haddad à corrupção e à crise econômica. E Bolsonaro era uma alternativa a isso.

O que pode ser muito questionável, mas temos que ser respeitosos com as escolhas feitas por um país. Tenho minhas reservas, não somente de princípios como também de práticas. Acho que ele vai poder ter um bom início econômico, porque vai liberalizar muitas coisas, mas também vai ter muitos excessos em temas como segurança e também na maneira como vai lidar com o Congresso.

Porque na Câmara, Bolsonaro só tem 10%, e com 10% você não governa. Há grupos fortes de centro e centro-direita que o vão apoiar. Mas ele sempre vai depender desses apoios externos e não de seu próprio partido. Por isso, acho que para ele vai ser difícil governar.

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