Diversidade
Acesso de pessoas trans à retificação de nome é escasso no Brasil, aponta pesquisa
Segundo conclusão da Antra, o direito à alteração no registro civil é dificultado pela burocracia e pela falta de regulamentação
Apesar de a legislação brasileira garantir desde 2018 que pessoas trans possam retificar seu nome e seu gênero no registro civil, a falta de acesso impede que esse direito se consolide.
Essa é a conclusão da Associação Nacional de Travestis e Transexuais a partir do resultado da pesquisa Diagnóstico sobre o acesso à retificação de nome e gênero de travestis e demais pessoas trans no Brasil, divulgada nesta segunda-feira 21.
As dificuldades ficam evidentes diante do dado de que 63,57% das pessoas que participaram da pesquisa não conseguiram mudar o nome e o gênero em sua documentação.
Dos 38,4% que realizaram o processo de retificação, mais da metade afirma que a emissão do documento levou entre 15 dias e dois meses.
O custo do processo é o principal obstáculo. Cerca de 73% dos consultados não conseguiram a isenção da taxa.
A gratuidade é prevista pelo PL 3.667, a instituir a isenção de taxas no cartório e na emissão dos novos documentos em 2020.
Apesar de o valor a ser pago para o Registro Civil de Pessoas Naturais variar entre 130 e 200 reais, as organizações estimam que o montante pode chegar a 3 mil reais, se considerados os custos de transporte de documentos e da emissão de novas vias com os nomes retificados. A fim de realizar o processo, pelo menos sete certidões precisam ser expedidas em prazos determinados.
Entre os que não conseguiram realizar a alteração, 55% declararam que o excesso de burocracia impediu o acesso a esse direito, 53% indicaram que o custo é muito elevado e outros apontaram falta de informações públicas, transfobia institucional dos cartórios e dos órgãos de Justiça e falta de acesso à documentação familiar necessária.
1.600 pessoas trans e não-binárias foram ouvidas voluntariamente pela Antra em todo o País. Destacam-se homens e mulheres trans entre 18 e 29 anos, da região Sudeste (53%), sendo 48% brancos e 48% negros (somados pardos e pretos). Mais da metade tem ensino médio ou superior completo.
Um dos participantes, morador do Rio de Janeiro, relata ter sido barrado no cartório ao tentar retirar a certidão finalizada.
“Uma pessoa que trabalhava lá começou a gritar comigo e ser verbalmente violenta por eu não ter pedido orientação de onde ir, mas eu já sabia aonde ir por já ter ido lá anteriormente. Fui tratado no feminino o tempo todo. Após explicar que eu fui pegar minha certidão retificada já pronta, me deixaram entrar. Me senti humilhado e constrangido.”
Mais de 70% dos participantes defendem a instituição de um modelo padrão de retificação. Em São Paulo, a pesquisa colheu um relato sobre a demora do cartório para enviar os documentos.
“Sempre que eu explico o que eu preciso, sou colocado em espera e a ligação cai. Por e-mail, quando informo o número do meu protocolo e do que se trata, as pessoas param de me responder. Não sei mais o que fazer, e o prazo máximo para a retificação já venceu.”
No documento, a associação conclui que “falta clareza quanto às exigências feitas pelos cartórios, como a necessidade de atualização de certidão anterior para dar entrada no pedido e a apresentação de certificado de reservista para mulheres travestis e mulheres transexuais”.
Segundo a associação, 20 pessoas informaram que teriam de provar serem transexuais ao cartório, que exigiu um laudo médico/psicológico. Foi o caso de uma mulher trans negra de Manaus.
Por lei, o laudo não é solicitado para a retificação. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde alterou a transexualidade para o capítulo de “condições relacionadas à saúde sexual”. Assim, ela passou a ser classificada como “incongruência de gênero”, por abraçar indivíduos que não se identificam com o gênero atribuído no nascimento.
A legislação a determinar a retificação é o provimento do Conselho Nacional de Justiça 73/2018, fundamentado pela dignidade da pessoa humana da ADI 4.275.
A associação ainda ressalta para todas as pessoas, retificadas ou não, a importância do nome social — processo no qual não se altera a certidão de nascimento, mas o nome escolhido é adicionado ao RG. Entre os que não retificaram o registro civil, mais de 91% utilizam o nome social.
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