Sociedade

A Odisseia brasileira

Profissionais gregos altamente especializados chegam em busca de um país com futuro

Horizonte
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Por Lucas Callegari 

Com o país no quinto ano seguido de recessão, 1 milhão de desempregados para uma população de 11 milhões de habitantes, os gregos procuram oportunidades além-mar. Trata-se de uma nova onda em um país cuja história é marcada pela emigração. Desta vez, a novidade é que a maioria é de técnicos altamente qualificados, alguns com pós-graduação nos principais centros universitários do planeta. Em sintonia com a crise e ao contrário de seus predecessores, eles elegem os BRIC como destino final, em vez de Londres, Roma ou Nova York.

Foi assim com Elena Lazarou, no Brasil desde março de 2010. “Em 2009, eu dividia minhas atividades entre a Inglaterra e a Grécia, terminava meu pós-doutorado na Universidade de Cambridge e trabalhava em meu país como consultora. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer um concurso para ser professora de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro”, conta ela, com sotaque do português de Portugal.

Aos 32 anos, Lazarou ilustra bem a nova geração de emigrantes gregos. Em geral, são jovens entre 25 e 34 anos, com formação no exterior e domínio de dois ou mais idiomas, além do grego. Com o sonho interditado em casa, a alternativa foi buscá-lo em outros cantos.

Hoje professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil na FGV, Lazarou encontrava-se em Atenas em uma sinuca profissional. “Os pesquisadores estavam muito inseguros em relação ao futuro. Havia dificuldade na renovação de contratos com o governo, com indícios de que os salários começariam a atrasar.”

A percepção no exterior de que o Brasil vai bem tem atraído a atenção dos candidatos a deixar a Grécia. “Quando cheguei, era difícil encontrar gregos na minha situação de emigrante, mas isso foi mudando e agora é diferente, já conheço vários. A maioria com experiência internacional, informada, que acompanha o que acontece no mundo.”

A “saída brasileira”, claro, não é totalmente tranquila. “As pessoas entram em contato para saber mais sobre o Brasil. E percebo que elas estão preocupadas, por exemplo, com a segurança por aqui”, diz a professora, que, entre outros temas, estuda o fenômeno da migração.

Ainda que o Brasil ganhe relevância, a Austrália, diz a especialista, segue com a maior comunidade grega de expatriados, núcleo formado a partir dos anos 1940, quando uma leva considerável aportou também por aqui, no período de devastação da Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, o apoio do governo australiano, interessado em atrair cérebros, inflou ainda mais as estatísticas.

Com experiência em grandes eventos esportivos, o economista especializado em Tecnologia da Informação Angelos Dorizas conheceu o País em 2006. Diante da decadência econômica grega, veio de armas e bagagens em dezembro de 2010 – antes disso, passou 18 meses no Rio, trabalhando na organização dos Jogos Pan-Americanos. “Quando meu contrato foi encerrado, voltei para a Europa e fui morar em Barcelona. Em 2010, após participar da organização dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Cingapura, decidi vir para o Brasil para trabalhar como consultor de Tecnologia da Informação”, diz Dorizas, morador de Porto Alegre. “As possibilidades de empregos em meu país já eram ruins, e pioraram muito nos últimos anos. Os mais informados já previam dificuldades, sabiam que as coisas iriam piorar. A entrada da Grécia na Zona do Euro foi uma ilusão que agora acabou.”

Foi a mesma falta de perspectiva que levou Dimitri Arapoglou, de 30 anos, a decidir sair da Grécia. Formado em gestão de Turismo na Inglaterra, Arapoglou está há três meses no País, mas já domina o português. “Me dediquei muito. Antes de chegar ao Brasil já falava grego, francês, italiano, inglês e espanhol. As coisas ficaram difíceis na Grécia, não dá mais para encontrar um trabalho decente.”

Arapoglou manifesta indignação com os rumos de sua terra. “O governo tem baixado medidas muito duras. Nossos pais apostaram na nossa educação e agora, para a maioria de nós, é quase impossível achar um trabalho decente. Nos últimos dois anos e meio, as coisas mudaram radicalmente por lá.”

Presidente da Coletividade Helênica de São Paulo, uma ONG que reúne emigrantes e seus descendentes, Stavros Kyriópoulos afirma que cresceu muito o número de gregos interessados em vir para o Brasil, ainda que as estatísticas recentes sejam escassas. “Todos os dias recebo e-mails de gente querendo informações sobre a situação aqui.”

Em Brasília, não há números que reflitam esse movimento. No Ministério do Trabalho, por exemplo, entre os estrangeiros que entraram com pedidos formais para trabalhar no País nos últimos anos, os principais são norte-americanos, alemães, ingleses e chineses. Na informalidade, destacam-se bolivianos, paraguaios e, desde 2010, haitianos.

Comparada com outras colônias, a comunidade grega no Brasil não é relevante. Segundo a jornalista Vassiliki Constantinidou, entre gregos e descendentes, a população helênica seria de cerca de 40 mil indivíduos espalhados pelo território nacional, com presença mais forte em São Paulo.

Autora do livro Os Guardiões das Lembranças, Memória e História dos Imigrantes Gregos no Brasil, Constantinidou informa que a última onda de imigrantes gregos para o País deu-se no pós-Segunda Guerra Mundial, quando a Grécia também entrou em colapso por causa de uma guerra civil. “Não existe um levantamento exato, porque muitos entraram no Brasil com passaportes de outros países, como a Turquia. Mas estima-se que, nos anos 1940, tenham chegado cerca de 16 mil gregos.”

Por Lucas Callegari 

Com o país no quinto ano seguido de recessão, 1 milhão de desempregados para uma população de 11 milhões de habitantes, os gregos procuram oportunidades além-mar. Trata-se de uma nova onda em um país cuja história é marcada pela emigração. Desta vez, a novidade é que a maioria é de técnicos altamente qualificados, alguns com pós-graduação nos principais centros universitários do planeta. Em sintonia com a crise e ao contrário de seus predecessores, eles elegem os BRIC como destino final, em vez de Londres, Roma ou Nova York.

Foi assim com Elena Lazarou, no Brasil desde março de 2010. “Em 2009, eu dividia minhas atividades entre a Inglaterra e a Grécia, terminava meu pós-doutorado na Universidade de Cambridge e trabalhava em meu país como consultora. Foi quando surgiu a oportunidade de fazer um concurso para ser professora de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas no Rio de Janeiro”, conta ela, com sotaque do português de Portugal.

Aos 32 anos, Lazarou ilustra bem a nova geração de emigrantes gregos. Em geral, são jovens entre 25 e 34 anos, com formação no exterior e domínio de dois ou mais idiomas, além do grego. Com o sonho interditado em casa, a alternativa foi buscá-lo em outros cantos.

Hoje professora do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil na FGV, Lazarou encontrava-se em Atenas em uma sinuca profissional. “Os pesquisadores estavam muito inseguros em relação ao futuro. Havia dificuldade na renovação de contratos com o governo, com indícios de que os salários começariam a atrasar.”

A percepção no exterior de que o Brasil vai bem tem atraído a atenção dos candidatos a deixar a Grécia. “Quando cheguei, era difícil encontrar gregos na minha situação de emigrante, mas isso foi mudando e agora é diferente, já conheço vários. A maioria com experiência internacional, informada, que acompanha o que acontece no mundo.”

A “saída brasileira”, claro, não é totalmente tranquila. “As pessoas entram em contato para saber mais sobre o Brasil. E percebo que elas estão preocupadas, por exemplo, com a segurança por aqui”, diz a professora, que, entre outros temas, estuda o fenômeno da migração.

Ainda que o Brasil ganhe relevância, a Austrália, diz a especialista, segue com a maior comunidade grega de expatriados, núcleo formado a partir dos anos 1940, quando uma leva considerável aportou também por aqui, no período de devastação da Segunda Guerra Mundial. Mais recentemente, o apoio do governo australiano, interessado em atrair cérebros, inflou ainda mais as estatísticas.

Com experiência em grandes eventos esportivos, o economista especializado em Tecnologia da Informação Angelos Dorizas conheceu o País em 2006. Diante da decadência econômica grega, veio de armas e bagagens em dezembro de 2010 – antes disso, passou 18 meses no Rio, trabalhando na organização dos Jogos Pan-Americanos. “Quando meu contrato foi encerrado, voltei para a Europa e fui morar em Barcelona. Em 2010, após participar da organização dos Jogos Olímpicos da Juventude, em Cingapura, decidi vir para o Brasil para trabalhar como consultor de Tecnologia da Informação”, diz Dorizas, morador de Porto Alegre. “As possibilidades de empregos em meu país já eram ruins, e pioraram muito nos últimos anos. Os mais informados já previam dificuldades, sabiam que as coisas iriam piorar. A entrada da Grécia na Zona do Euro foi uma ilusão que agora acabou.”

Foi a mesma falta de perspectiva que levou Dimitri Arapoglou, de 30 anos, a decidir sair da Grécia. Formado em gestão de Turismo na Inglaterra, Arapoglou está há três meses no País, mas já domina o português. “Me dediquei muito. Antes de chegar ao Brasil já falava grego, francês, italiano, inglês e espanhol. As coisas ficaram difíceis na Grécia, não dá mais para encontrar um trabalho decente.”

Arapoglou manifesta indignação com os rumos de sua terra. “O governo tem baixado medidas muito duras. Nossos pais apostaram na nossa educação e agora, para a maioria de nós, é quase impossível achar um trabalho decente. Nos últimos dois anos e meio, as coisas mudaram radicalmente por lá.”

Presidente da Coletividade Helênica de São Paulo, uma ONG que reúne emigrantes e seus descendentes, Stavros Kyriópoulos afirma que cresceu muito o número de gregos interessados em vir para o Brasil, ainda que as estatísticas recentes sejam escassas. “Todos os dias recebo e-mails de gente querendo informações sobre a situação aqui.”

Em Brasília, não há números que reflitam esse movimento. No Ministério do Trabalho, por exemplo, entre os estrangeiros que entraram com pedidos formais para trabalhar no País nos últimos anos, os principais são norte-americanos, alemães, ingleses e chineses. Na informalidade, destacam-se bolivianos, paraguaios e, desde 2010, haitianos.

Comparada com outras colônias, a comunidade grega no Brasil não é relevante. Segundo a jornalista Vassiliki Constantinidou, entre gregos e descendentes, a população helênica seria de cerca de 40 mil indivíduos espalhados pelo território nacional, com presença mais forte em São Paulo.

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