Sociedade

2021 consolidou crise dos direitos humanos no Brasil, aponta Anistia Internacional

Relatório lançado pela organização mostra como a má gestão da pandemia pelo governo Bolsonaro provocou mais desemprego, pobreza e fome

Créditos: EBC
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O Brasil consolidou sua ‘crise dos direitos humanos‘ em 2021. A constatação é do informe anual da Anistia Internacional, lançado nesta terça-feira 29, e que faz um balanço dos indicadores sociais e econômicos durante o período.

O levantamento aponta que as negligências do governo Bolsonaro diante seus desafios políticos não só prolongaram a crise sanitária desencadeada com a pandemia da Covid-19, mas agravaram violações de outras natureza, como insegurança alimentar, desemprego, e escalada de violência entre grupos historicamente mais vulneráveis, o que fica comprovado com a piora de todos os indicadores verificados.

“O ano de 2021 deveria ter sido de uma recuperação justa. Mas o que vimos foi o agravamento das desigualdades e um cenário de instabilidade para as populações que já sofriam antes da pandemia”, afirma a diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, que discutiu com exclusividade os principais pontos do levantamento com a reportagem de CartaCapital.

No quesito pandemia, o informe aponta ações descoordenadas, ineficientes e sem comprometimento por parte do governo federal com as evidências e comprovações científicas para frear a disseminação da pandemia. Também cita negligência nas negociações com as empresas farmacêuticas para aquisição dos imunizantes, demora em implementar um sistema nacional de vacinação, e interesses escusos ao distribuir os imunizantes.

“O Brasil acabou saindo com o segundo maior número de pessoas mortas por Covid-19 do mundo. Isso é muito dramático. Já no primeiro ano da pandemia, quando estive presente na CPI da Covid, alertei com base em um estudo do Grupo Alerta, do qual a Anistia faz parte, que se o País tivesse feito o que sabia no controle de uma pandemia, 120 mil vidas poderiam ter sido poupadas só naquele ano”, critica a especialista.

“Ao contrário disso, não fizemos vigilância epidemiológica, testamos um número restrito de pessoas, e das classes mais altas, brancos fizeram quatro vezes mais testes do que não brancos, e ainda deixamos grupos historicamente vulneráveis, como indígenas e quilombolas à própria sorte, basta lembrar que essas populações tiveram que recorrer ao Supremo Tribunal Federal para buscarem o direito de se vacinar”, condena.

Jurema cita ainda como problemática a distribuição desigual das vacinas entre os estados. “Aqui podemos enumerar outras dificuldades, como o fato de alguns estados priorizarem o interesse de privado de empresas, se sobrepondo ao interesse público, e a negativa em quebrar a patente dos imunizantes”, enumera.

O informe da organização alerta que a má gestão da pandemia deu origem a múltiplas crises no País, caso do desemprego e perda de renda, que afetou mais severamente mulheres negras, e o consequente drama da insegurança alimentar, que atinge cerca de 19 milhões de pessoas.

Jurema também credita as mazelas sociais às escolhas feitas pelo governo em relação a políticas como do Auxílio Emergencial e Auxílio Brasil, em substituição ao Bolsa Família.

“Primeiro, é preciso lembrar que o Auxílio Emergencial não é um feito do governo, mas da sociedade civil que conseguiu levá-lo ao Congresso que, por sua vez, efetivou sua aprovação. Depois, com o fim do auxílio, vimos entrar em voga um Auxílio Brasil, que tinha capacidade menor de atendimento, e que também fez regredir o que estava previsto no Bolsa Família”, aponta.

“A população que fazia parte do Bolsa Família sabia que o programa, para além de um repasse financeiro, previa acesso a outras políticas de proteção social. O que tínhamos que fazer era aprimorar esses mecanismos para ampliar a proteção social, mas o governo achou por bem desmontá-las”, condena.

Jurema aponta ainda  que o aumento do valor das parcelas do programa, ainda que necessário, não condiz com o atual momento econômico, e não faz as devidas equiparações à perda do poder de compra pela população. “Aumentar o valor do auxilio é fundamental, mas a população sabe a conjuntura econômica que tínhamos na época do Bolsa Família e a atual, que chega com o repasse de 400 reais”, contesta.

A Anistia Internacional também chama a atenção para a escalada da violência policial no País. O informe mostra que, em 2020, agentes do estado mataram 6.416 pessoas. Mais da metade das vítimas eram jovens negros. Não ficam fora dos apontamentos do relatório o aumento dos casos de assassinatos de pessoas trans (80 pessoas transgênero foram mortas no Brasil somente no primeiro semestre de 2021); dos casos de estupro contra mulheres (o número de casos nos seis primeiros seis meses de 2021 foi 8,3% maior do que no mesmo período de 2020); e a escalada de violência contra pessoas que defendem os direitos humanos no País. O relatório cita, com base em dados Front Line Defenders, que o Brasil é o terceiro país onde mais se mata defensoras e defensores de direitos humanos.

Para Jurema, alguns fatores explicam a piora desses indicadores. “Um dos fatores é a manutenção das inequidades. O atual governo não as inventou, mas opera para dificultar o seu enfrentamento quando promove um desmonte generalizado das políticas sociais. Além disso, há uma escalada dos pronunciamentos violentos direcionados a esses grupos por parte de autoridades, sem contar a valorização à política armamentista“, considera.

A especialista reconhece que o País ainda tem muito a fazer no sentido de fazer reparações aos grupos que, historicamente, têm seus direitos violados, ‘o Brasil surgiu da violência, da violência da invasão dos territórios indígenas, da escravização de africanos e afrodescendentes’. Mas entende que sob a ‘ótima extremista do atual governo’ pode produzir ainda mais retrocessos. “Porque os ataques estão em todas as direções”.

Defende, portanto, a existência do informe da organização como uma ‘fotografia importante’ e que deve ser levado em consideração pelas atuais e lideranças políticas. “Temos um trabalho de muitos anos pela frente para recuperar o que perdemos. A Anistia Internacional Brasil continuará cobrando por justiça e por reparação de qualquer pessoa que ocupe os postos de liderança no país”, afirma Jurema Werneck, ao anunciar que serão oficiados para conhecimento do cenário o presidente Jair Bolsonaro, a ministra Damares Alves, bem como o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, o deputado Carlos Veras (PT-PE) e o presidente da Comissão no Senado, o senador Humberto Costa (PT-PE).

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