Sociedade

2020, o ano que marcou a explosão das teorias antivacina

Cientistas ouvidos por CartaCapital se dizem preocupados com as consequência dessas teses conspiratórias

Manifestantes pró- cloroquina e contra a vacina no Dia da Independência em Curitiba (Foto: Eduardo Matysiak/Futura Press)
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“A ‘vacina’ que quase todos os governos estão prestes a aceitar penetra na célula e nela reescreve seu código genético. A célula deixa de servir para aquilo que a natureza a criou, serve apenas para criar o que os laboratórios projetaram para o RNA. O resultado será que, em curto prazo, 97% dos homens inoculados ficarão estéreis.”

A mensagem acima foi publicada no Facebook, em um grupo chamado “Terra Plana Brasil”, que reúne mais de 32 mil pessoas. Com a chegada da pandemia do novo coronavírus, a tese de que a terra é plana deixou de ser a única teoria defendida pelos integrantes.

No início, a discussão girava em torno do que eles chamam de “dominação mundial por parte da China”. Agora, as vacinas são o centro do debate.

Vídeos de supostos cientistas e de líderes religiosos circulam entre as redes sociais. Nas gravações, aparecem teorias de que a vacina vai mudar o DNA das pessoas, que homens vão virar homossexuais e terão o vírus do HIV.

As teorias vão além das redes sociais. Por diversas ocasiões neste ano, grupos se reuniram em algumas capitais para protestarem contra a vacinação contra a covid-19. Em São Paulo, a Avenida Paulista foi ocupada algumas vezes por pessoas que chamam o governador João Doria (PSDB) de ditador e dizem que não vão tomar a ‘vachina‘.

O que parecia um delírio coletivo se estabeleceu no imaginário social. Uma pesquisa Datafolha, divulgada no último dia 12, mostra que cresceu a parcela da população que não pretende se imunizar contra a Covid-19.

Segundo o levantamento, 22% disseram que não pretendem se vacinar, enquanto 73% querem participar da  imunização e 5% disseram não saber. Na consulta anterior, realizada em agosto, apenas 9% se mostraram contra a vacina.

Uma cultura intensificada com a pandemia

Chá milagroso, remédio natural, pílula do câncer… As teorias da conspiração envolvendo a saúde não surgiram agora. A diferença é que, nos últimos anos, as instituições da saúde se converteram nos maiores alvos dessas teses.

“Essas entidades sempre tiveram muita confiança da população em geral. Agora vemos um movimento para deslegitimá-las e isso é muito perigoso”, alerta a pesquisadora da Unicamp Day Machado.

A cientista, que mora nos EUA e estuda desinformação sobre as vacinas, explica que esses tipos de teorias oferecem esperança para as pessoas. Durante a pandemia, contudo, viraram também estratégia política.

“Logo que o vírus começou a surgir, o presidente Donald Tump começou a procurar culpados, que no caso foi a China. Isso é uma tentativa de tirar o foco das politicas de saúde que deveriam ser criadas”, explica.

No Brasil, o cenário foi semelhante com o presidente Jair Bolsonaro, que desde o início desconsiderou a gravidade da pandemia.

Influenciadores da conspiração 

O uso político das teorias da conspiração não é obra apenas de políticos. A busca por informação abre espaço para que novos formadores de opinião ganhem notoriedade e se tornem referência em assuntos que não dominam.

“Geralmente, essas pessoas ficavam em um espaço separado, sem grandes projeções. Agora elas ganham a oportunidades de falar para uma audiência muito maior. É isso que está acontecendo com as vacinas”, diz.

As redes sociais, na visão da cientista, são campos perfeitos para essas pessoas atuarem. “Existem muitos problemas dentro dessas plataformas. Está acontecendo muita coisa errada e eles não estão controlando de forma eficaz”, critica.

Um problema complexo

Para o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz, não há respostas taxativas para um cenário tão incerto.

“Uma coisa ficou clara: a desinformação é um problema complexo e precisa de uma solução que envolva vários atores diferentes”, explica o advogado. “É um esforço que não se resolve de uma hora para outra.”

Segundo ele, essa onda é um resultado de problemas sociais e políticos complexos, como apontou Day. “Isso incluiu a sociedade, governo, imprensa e plataformas de redes sociais. Ninguém sozinho consegue resolver o problema”, diz.

“Se o governo começa a controlar o fluxo de informação isso não resolve a desinformação e cria um problema para a liberdade de expressão. As empresas são a mesma coisa. A sociedade precisa cobrar que todos se responsabilizem, ou a gente acaba direcionando o problema para um ator como se existisse apenas um responsável por essa desordem que a gente vive.”

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