Saúde

Vacinas não interromperão cuidados sanitários e distanciamento, alertam especialistas

Webinar promovido por CartaCapital no YouTube debate o avanço da Covid-19 e os desafios para a imunização

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Nove meses após ser atingido pelo início da pandemia do novo coronavírus, o Brasil vive uma nova alta de casos e mortes, mas também projeta o início de uma imunização para 2021. Especialistas em saúde alertam que, ao mesmo tempo em que não deve temer as vacinas, a população não deve nutrir o sentimento de que tudo estará resolvido quando os imunizantes forem liberados, já que o processo se dará de forma escalonada.

 

“2020 foi o ano do vírus. Vejo 2021 como um ano extremamente importante, difícil, mas de vacinação. A nossa principal estratégia será a de diminuir mortes, hospitalizações, terapias intensivas e sequelas”, afirmou a médica infectologista e consultora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) Rosana Richtmann, que participou, nesta terça-feira 15, do webinar “Covid-19: a esperança da vacina e o temor da ‘segunda onda”, promovido pelo canal de CartaCapital no YouTube. “Vamos continuar a ter a circulação do vírus e teremos de manter medidas de proteção até termos uma determinada porcentagem da população vacinada”, acrescentou.

A  especialista afirmou que foi surpreendida pela dinâmica do vírus nas últimas semanas – no Hospital Emílio Ribas, em São Paulo, onde trabalha, a taxa de ocupação de leitos ficou entre 95% e 100%. Ela avaliou que, embora seja difícil fazer previsões, o País precisa estar preparado. A última semana epidemiológica teve registro de 302.950 novos casos, quase superando o ápice registrado em uma das semanas de julho, com 319.389 novos casos, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). As mortes chegaram a 4495 na última semana, dando continuidade a uma aceleração iniciada em novembro.

“O nosso número de reprodução R está acima de 1, entre 1,3 a 1,6. Quanto maior esse número, mais gente teremos infectada amanhã. A gente tem que diminuir isso com ações mais drásticas. As autoridades têm de impor [as ações] para pelo menos esfriar esse processo de progressão. Natal e Reveillón este ano terão de ser diferentes, para que possamos ter vários outros. Nós, da turma do ‘use máscara, não aglomere e lave as mãos’, queremos ser os primeiros a dizer ‘abracem'”, acrescentou.

O ex-ministro da Saúde e pesquisador da FioCruz José Gomes Temporão parte do mesmo princípio para pensar o ano de 2021 e o início do processo de imunização. “Vamos começar a ter algum tipo de impacto na circulação do vírus e na proteção dos grupos mais vulneráveis. Mas vamos ter um longo período ainda de conviver com a gradativa cobertura e proteção de grupos da população por várias vacinas. Durante um bom tempo vamos ter que nos conformar com o uso de máscara, medidas de higiene e distanciamento”, afirmou.

Para o ex-gestor em Saúde, a dificuldade de manter as medidas de isolamento por um longo período é um dos fatores que explicam o atual cenário brasileiro diante da dinâmica do coronavírus. “Tivemos também a postura negativa permanente do presidente da República e um processo de desqualificação, irresponsabilidade e incompetência. O Brasil podia dispor de conhecimento, de capacidade de gestão, de capacidade do sistema de saúde, mas tudo isso foi deixado de lado pelo governo federal”, declarou.

Vacinas, um novo capítulo político

O ex-ministro Temporão também falou sobre a necessidade de a população se tranquilizar sobre a segurança das vacinas, já que o assunto tem sido usado como cabo de guerra político. “É normal ter dúvidas sobre as vacinas quando a Ciência, normalmente, leva de quatro a dez anos para colocá-las no mercado. Mas quero tranquilizar a todos: não há nenhuma hipótese de que uma vacina aprovada pelas agências reguladoras tragam qualquer risco para quem a tomar”, afirmou.

“Tudo isso foi muito testado, ‘retestado’, publicado e avaliado por especialistas que nem passaram pelo processo. É muito seguro para qualquer um de nós. Se a Anvisa falar que a vacina pode ser utilizada, tome a vacina”, pontuou.

Os especialistas condenaram a declaração do presidente Jair Bolsonaro de que as pessoas que quiserem tomar vacina terão de assinar um termo de responsabilidade.

“Isso não tem o menor cabimento. A melhor vacina para nós será a aprovada pela Anvisa”, rebateu Rosana Richtmann. “Até porque a farmacovigilância continuará nessa fase de vacinação em massa, para que qualquer efeito adverso ou grave seja visto, esclarecido. Nossa principal estratégia é fazer com que parem de morrer tantos brasileiros pela Covid-19”, esclareceu.

O Ministério da Saúde apresentará o plano nacional de imunização nesta quarta-feira 16. A cerimônia de lançamento será realizada no Palácio do Planalto às 10h, com a presença de Bolsonaro.

 

O presidente da Sociedade Brasileira de Imunologia e professor da UFMG, Ricardo Gazzinelli, reafirmou a segurança dos imunizantes que forem aprovados e enalteceu o desempenho de pesquisadores brasileiros de universidades e instituições de pesquisa. “Todas essas vacinas estão sendo testadas por médicos e cientistas das nossas universidades e institutos de pesquisa. A segurança em relação à toxicidade delas é feita nas fases 1, 2 e 3 e a questão dos efeitos colaterais é mínima”, garantiu.

O especialista, no entanto, questionou a estratégia de alguns governantes, caso do governador de São Paulo, Joao Doria (PSDB), de anunciar o início de uma campanha de vacinação antes da aprovação do imunizante. Também questionou a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandovski, de pedir que o governo informasse, em 48 horas, o início do plano de vacinação.

“Como [fazer isso] se não tem um pedido de aprovação emergencial da vacina? O ministro do STF, com todo o meu respeito, não estava entendendo muito bem que só pode marcar o início quando tiver aprovação da Anvisa, não necessariamente um registro. Agora, um país da extensão do Brasil, não sabemos o número de doses, a eficácia dessas vacinas, a duração da resposta imune, nem a data em que serão disponibilizadas. Diante disso, há uma insegurança em determinar marcos muitos fixos”, ponderou.

Inovação, caminhos e desafios

Durante o webinar, os especialistas também pontuaram questões relativas à inovação trazida com a urgência da pandemia. O ex-ministro Temporão destacou as novas plataformas utilizadas para o desenvolvimento das vacinas. Ele ressaltou, por exemplo, que o imunizante da Pfizer, para o qual o Ministério da Saúde anunciou acordo para obter 70 milhões de doses, é o primeiro de mercado a utilizar a tecnologia de RNA mensageiro.

“Acho que essas novas plataformas abrem a chance de o País olhar para doenças negligenciadas nesse período, como câncer e outras”, apostou, reforçando a necessidade de o Sistema Único de Saúde (SUS) ter um orçamento condizente com tais ações. “A proposta orçamentária atual retira 40 bilhões de reais do SUS. Este ano, o sistema só conseguiu enfrentar a pandemia porque recebeu créditos extraordinários. Queremos que isso seja incorporado, porque a pandemia agravou a situação geral da Saúde. Há uma demanda muito grande por outros sofrimentos e patologias, e isso mais que justifica que o SUS seja olhado de maneira diferenciada pelo orçamento do governo federal”, defendeu.

Gazzinelli, por sua vez, cobrou investimento na área industrial brasileira com a iminente possibilidade de o País enfrentar falta de insumos, como seringas.

“Não é possível que o Brasil  não seja capaz de produzir seringas, testes de diagnósticos. Isso é um ponto que me incomoda muito. A indústria brasileira precisa assumir essas demandas rapidamente e, quando não faz, o país entra em uma fila. Governos, empresários e indústrias têm de caminhar juntos”, avaliou.

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