Saúde

Recuo na vacinação de adolescentes é um erro e mostra falta de transparência, dizem especialistas

‘É uma decisão com viés negacionista’, critica Pedro Hallal; para Julio Croda, Saúde ‘desconsidera efeito coletivo’

(Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
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A decisão do Ministério da Saúde de recuar na vacinação contra a Covid-19 de adolescentes entre 12 e 17 anos gerou críticas de gestores e especialistas em saúde, além de muitas dúvidas na população.

Na quarta-feira 15, a pasta divulgou uma nota para afirmar que a interrupção da imunização desse grupo se deu após um “possível evento adverso grave relacionado à vacina Pfizer em adolescente do estado de São Paulo”.  Nesta quinta, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária informou em nota que “investiga o caso da morte de uma adolescente de 16 anos após aplicação da vacina da Pfizer”. Ressalta, porém, que os dados são preliminares e, “no momento, não há uma relação causal definida entre este caso e a administração da vacina”.

Durante coletiva de imprensa, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, alegou que a Organização Mundial da Saúde não recomenda a vacinação de adolescentes. Esta não é, no entanto, a manifestação oficial da OMS, que não traz qualquer contraindicação à imunização do grupo. A entidade pondera apenas que, em geral, a vacinação de crianças e adolescentes é “menos urgente” que a de outros grupos, como pessoas mais velhas, com comorbidades e trabalhadores da saúde.

Para o epidemiologista Pedro Curi Hallal, a decisão de Queiroga é “absolutamente equivocada”.

“Mostra que o Ministério da Saúde é guiado por uma visão clínica, individual, e não por uma visão coletiva, populacional”, criticou. “Por isso o Brasil tem um desempenho tão vexatório no enfrentamento à pandemia”.

“Embora a maioria dos adolescentes não tenha casos graves da doença, estamos falando de uma maioria, ou seja, alguns têm. Além disso, é inegável que quanto mais gente vacinada, melhor para criar um cobertor de imunidade na população. É uma decisão baseada em política, com viés negacionista, não em Ciência”.

Hallal ainda descarta que a medida possa ser usada como desculpa para promover a vacinação de idosos com a dose de reforço. “O próprio ministro da Saúde disse que o País tem vacina de sobra, então não faz sentido”.

Recuo em meio a falta de doses

Este é o segundo recuo do Ministério da Saúde na mesma semana. Queiroga havia anunciado para setembro a redução do intervalo entre as doses da Astrazeneca de 12 para 8 semanas. Na quarta-feira 15, no entanto, o ministro anunciou que a recomendação inicial do prazo se manteria. Alguns estados e cidades têm apontado faltas de doses do imunizante para completar o ciclo vacinal da população e, por isso, têm recorrido à Pfizer para a segunda dose.

Além disso, a dose de reforço que Queiroga anunciou para idosos e imunossuprimidos também envolve a aplicação da Pfizer, o que gerou uma alta demanda pelo imunizante “e falta de planejamento por parte do ministério”, aponta o infectologista Julio Croda, que vê o anúncio como uma “desculpa técnica”.

“O Ministério da Saúde não planejou toda essa demanda em torno da vacina da Pfizer e teve de voltar atrás. E, sim, os que correm menos risco com a Covid-19 são os adolescentes, mas eles podiam ser mais transparentes ao comunicar isso. Muitos estados, de fato, têm feito seus esquemas vacinais sem cumprir a orientação do Plano Nacional de Imunização, mas o que o Ministério da Saúde está fazendo é transferir a responsabilidade a eles agora, como se dissesse ‘vai faltar vacina para algum público e a culpa não é minha'”.

‘Prerrogativa é da Anvisa, não do Ministério da Saúde’

A aplicação da vacina da Pfizer em adolescentes a partir dos 12 anos foi autorizada em junho deste ano pela Anvisa. Após o anúncio de Marcelo Queiroga, os conselhos de secretários estaduais e municipais de Saúde enviaram um ofício à agencia solicitando “posicionamento imediato”. No documento, destacam “que diversas unidades federativas já iniciaram a vacinação dos adolescentes” e reforçam a urgência de avançar na diminuição do prazo da segunda dose em todo o País.

 

Especialistas ouvidos por CartaCapital reforçam que não é atribuição do Ministério da Saúde fazer recomendações sobre uso ou suspensão de medicamentos ou vacinas, decisão que cabe à Anvisa. Em nota divulgada no fim da tarde, a agência afirmou que “iniciou a avaliação e a comunicação com outras autoridades públicas e adotará todas as ações necessárias para a rápida conclusão da investigação. Entretanto, com os dados disponíveis até o momento, não existem evidências que subsidiem ou demandem alterações nas condições aprovadas para a vacina”.

“Além de estabelecer contato com as sociedades científicas, a fim de intensificar a identificação precoce dos casos de eventos adversos graves pós-vacinação de adolescentes, a Anvisa realizará reunião com a empresa Pfizer e os responsáveis pela investigação do caso no Estado e CIEVS Nacional para obter mais informações”.

Epidemiologista reforça segurança da vacina para adolescentes

Para Julio Croda, a Saúde, ao mencionar possível “efeito adverso”, abre precedentes falsos sobre a segurança da vacina para adolescentes. “A decisão que eles tomaram em nada tem a ver com qualidade ou eficácia dos imunizantes nos adolescentes. Com a medida, a pasta desconsidera os impactos individuais da vacina a esses grupos, com a proteção e o efeito coletivo de ofertar maior cobertura vacinal à população”.

O infectologista reconhece a possibilidade de efeitos adversos importantes para a faixa etária, “como a miocardite, associada principalmente a adolescentes do sexo masculino após a segunda dose”, mas reitera que o risco de ocorrer esse evento é bem menor que o de morrer por Covid-19 nessa faixa etária.

Uma estratégia nesse sentido, defende o infectologista, seria ofertar ao menos uma dose para essa parcela da população, como fez o Reino Unido. “Uma dose da vacina da Pfizer oferece proteção de cerca de 70%. É claro que com a segunda dose isso seria elevado, mas é uma boa proteção aos adolescentes que não correm os maiores riscos”.

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