Daniel Dourado

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Médico e advogado sanitarista, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP e do Institut Droit et Santé da Universidade de Paris.

Opinião

O Brasil vive o pior da pandemia. E perde todas as chances de mudar isso

O novo ministério da Saúde já perdeu duas semanas críticas para tentar minimizar o impacto do que vem pela frente

Protesto de estudantes de Medicina da USP, em março, durante a ida do ministro da Saúde Marcelo Queiroga à universidade (Créditos: Divulgação) Estudantes de Medicina da USP protestam em dia que Marcelo Queiroga vai à universidade. Créditos: Divulgação
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No momento em que escrevo, o Brasil acaba de atingir o pior momento da pandemia até agora. O mês de março de 2021 teve o recorde de número de mortes no País, superando 66 mil pelos dados oficiais, e registro de colapso hospitalar em praticamente todos os estados. Enquanto o número de mortes diárias se aproxima de 4 mil, o colapso funerário passa a ser uma ameaça real em várias regiões. Infelizmente, tudo indica que ainda não chegamos ao pico.

Nesse cenário catastrófico, o novo ministério da Saúde já perdeu duas semanas críticas para tentar minimizar o impacto do que vem pela frente. Em vez de definir parâmetros para coordenar a adoção de lockdown em todo país, a gestão do SUS no nível federal continua acompanhando o posicionamento absurdo de Jair Bolsonaro contra as medidas de confinamento e restrição de circulação, que são as únicas capazes de segurar o aumento exponencial de casos e de mortes.

Quando Bolsonaro repete “deixem o povo trabalhar”, ele segue na sua estratégia de jogar o desgaste da pandemia para governadores e prefeitos. Mas é ele que não cumpre sua obrigação de trabalhar para que o povo tenha condições de ficar em casa.

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Nenhum governo do mundo conseguiu combater a Covid sem lockdown. Em todos os que tiveram sucesso, os períodos de confinamento não começaram por obrigar as pessoas a ficarem em suas casas e os comerciantes a fecharem suas lojas. Primeiro, os governos criam as condições, instituindo os auxílios emergenciais para pessoas e empresas, e comunicam com clareza a necessidade dessas medidas. Ninguém faz lockdown porque quer, mas porque precisa.

No Brasil, a população não consegue se proteger adequadamente e a responsabilidade política é de Bolsonaro e seus apoiadores.

Esse projeto político de morte parece ter desagradado até mesmo o alto comando das Forças Armadas, considerado um dos pilares do governo Bolsonaro. Após uma entrevista em que defendeu todas as medidas preconizadas pela ciência e pela saúde pública – confinamento, uso de máscaras, testagem ampla, rastreamento de contatos – o general Paulo Sérgio tornou-se um dos personagens principais na crise sem precedentes entre militares e governo, que provocou a demissão do ministro da Defesa e dos comandantes das três Forças.

Sem ter recuado em nada nessas declarações, esse mesmo general agora assume o comando do Exército. Lamentavelmente, não há sinais de que as ações corretas que fizeram com que a mortalidade por Covid entre militares tenha sido baixíssima serão adotadas também para a população civil.

Bolsonaro repete ‘deixem o povo trabalhar’. Mas é ele que não cumpre sua obrigação de trabalhar de trabalhar para que o povo tenha condições de fica em casa

Mas essa compreensão ainda não chegou aos presidentes da Câmara e do Senado. A primeira reunião do comitê contra a Covid não gerou a adoção de nenhuma medida para organização de lockdown em escala nacional e ainda trouxe de volta a ideia estapafúrdia de incentivar empresas a criarem fila paralela de vacinação.

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco pretendem patrocinar mudança da lei recentemente aprovada para permitir que empresas comprem vacinas por conta própria para vacinar seus empregados. É inacreditável que o Congresso perca tempo com esse debate, já que sequer há vacinas disponíveis no mercado global e todas as grandes fabricantes anunciaram que só estão negociando contratos com governos.

Além disso, a vacinação privada no contexto atual de escassez não ajudaria na estratégia nacional de vacinação e ainda reforçaria desigualdades, contrariando fundamentos do SUS no acesso ao direito fundamental à saúde.

Isso evidencia bem a desconexão entre as autoridades e a realidade da pandemia quando o Brasil está a caminho de ser o maior destaque negativo do evento histórico Covid-19 no mundo.

Todas as oportunidades para mudar esse rumo estão sendo perdidas.

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