Política

MP que facilita compra de vacinas não garante fabricação da Sputnik V

A Câmara deve começar a analisar o texto da proposta nesta quinta-feira 18; o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha defende a medida

A vacina Sputnik V. Foto: Pavel Korolyov/AFP
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A Câmara dos Deputados começa a avaliar nesta quinta-feira 18 a Medida Provisória que facilita a compra de vacinas e insumos para a imunização contra a Covid-19.

Há a expectativa de que a proposta facilite, em especial, a aquisição da vacina russa Sputnik V, produzida pelo Instituto Gamaleya e que, no Brasil, é fabricada pela União Química.

No entanto, o texto, caso seja aprovado, não deve garantir facilidade à farmacêutica brasileira. De acordo com o deputado federal e ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha (PT-SP), a MP cria um mecanismo de autorização emergencial para importação e para o uso de vacinas, mas não para produção no País.

“A medida provisória não impede a Anvisa de  executar o seu papel e também não cria brechas para empresas que queiram produzir vacinas no Brasil. Ela cria um mecanismo de autorização emergencial para importação e para o uso. Portanto, não atende aos interesses da empresa [União Química]”, afirma.

A farmacêutica tenta, ainda sem sucesso, o aval da Anvisa para aprovação do imunizante russo. Até o momento, a agência justificou as decisões com a falta de dados básicos. De acordo com a agência, a União Química não informou se apresentaria dados do exterior, que levariam 30 dias para ser analisadas, ou se manteria as pesquisas no Brasil, cujo prazo é menor, de 10 dias.

Há pressão política por agilidade. O líder do governo do presidente Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), afirmou que iria pressionar politicamente a diretoria da Anvisa para que se agilize a aprovação de vacinas contra o coronavírus.

“Eu vou tomar providências, vou agir contra a falta de percepção da Anvisa sobre o momento de emergência que nós vivemos. O problema não está na Saúde, está na Anvisa. Nós vamos enquadrar”, declarou em entrevista ao Estadão.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), também cobrou a Anvisa.

Um dos principais interlocutores da União Química com a Anvisa e congressistas é o ex-deputado federal e ex-governador do Distrito Federal Rogério Rosso, do PSD. Rosso é hoje diretor de Negócios Internacionais da empresa. O presidente da União Química, Fernando de Castro Marques, também tentou carreira na política. Em 2018, disputou o Senado pelo Solidariedade. Naquele ano, segundo dados do TSU, doou R$ 2,6 milhões para a direção estadual do PSD, além de R$ 2,7 milhões para a sua própria campanha e R$ 889 mil para de Rosso. Nenhum dos dois se elegeu.

O sanitarista Claudio Maierovitch, ex-presidente da Anvisa, enxerga na pressa pela aprovação da Sputnik V dois movimentos distintos. “Muitos governadores e prefeitos identificaram oportunidades aí. Não por oportunismo, mas por necessidade diante da inoperância do governo”.

Já em Brasília, avalia, os interesses vão além. “A União Química, embora seja uma indústria conhecida, não é o grande destaque da indústria farmacêutica brasileira.  E pode vir a crescer muito, já que hoje só laboratórios públicos fabricam vacinas no Brasil.”

No sábado 13, a Anvisa anunciou que vai vistoriar em março as instalações de produção da Sputnik V no Brasil. O objetivo é acelerar o processo de análise e de aprovação para a aplicação no País. Caso a fábrica esteja de acordo com os padrões da Anvisa, receberá o Certificado de Boas Práticas de Fabricação (CBPF).

O Ministério da Saúde divulgou na terça-feira 16 um cronograma de entrega de imunizantes em que afirmou que deve assinar, nesta semana, um contrato de compra da Sputnik V, mesmo sem aprovação da agência.

De acordo com o documento, em 15 dias após a assinatura, a pasta deve receber 800 mil doses do imunizante. Em abril, serão entregues mais duas milhões de doses. Em maio, devem chegar outras 7,6 milhões de unidades.

A Anvisa chegou a mudar as regras para que empresas peçam o uso emergencial de imunizantes no País. A agência disponibilizou um guia no qual apresenta os requisitos para solicitações de uso emergencial.

“Serão considerados dados de estudos não clínicos e clínicos, de qualidade, boas práticas de fabricação, estratégias de monitoramento e controle, resultados provisórios de ensaios clínicos, entre outras evidências científicas. Além disso, a empresa deve apresentar informações que comprovem que a fabricação e a estabilidade são adequadas para garantir a qualidade da vacina”, diz nota divulgada pela Anvisa.

A Agência, no entanto, destacou que a autorização de uso emergencial e temporário de uma vacina experimental se restringe a um público previamente definido. “Essa autorização não substitui o registro sanitário no Brasil. Somente as vacinas com registro sanitário concedido pela Anvisa poderão ser disponibilizadas e comercializadas para toda a população”, ressalta o texto.

“A própria resolução da Anvisa criou uma situação de dispensa da autorização emergencial para uso e importação de vacinas que venham pelo consórcio Covax Facility, da OMS”, aponta Padilha. “É um mecanismo que ultrapassa esses rituais burocráticos que existem em tempos normais, mas que precisam ser ultrapassados na pandemia”, acrescenta o deputado.

Vacinação

O Ministério da Saúde anunciou também na terça que assinou contrato com o Instituto Butantan para obter mais 54 milhões de doses da Coronavac.

Somadas a outras 46 milhões já contratadas, o governo prevê a distribuição de 100 milhões de doses da vacina pelo país até setembro.

Em nota, o Ministério diz que tinha a opção de comprar essa remessa até 30 de maio, mas preferiu adiantar a confirmação. As 46 milhões de doses anteriores já começaram a ser entregues em 18 de janeiro.

Além da Coronavac, o governo prevê a chegada de 42,5 milhões de doses de vacinas fornecidas pelo Consórcio Covax Facility. A Fundação Oswaldo Cruz também está encarregada de entregar 222,4 milhões da vacina de Oxford.

Padilha alerta que o Brasil precisa imunizar, até o fim do inverno em meados de agosto, 160 milhões de brasileiros.

“O Brasil deve ter volume de vacinas até agosto para vacinar 160 milhões de brasileiros e é possível fazer isso. Para isso, precisa incorporar todas as vacinas que estão autorizadas em outros países”, diz.

Para alcançar a meta, o ex-ministro defende o texto da MP que chega à Câmara nesta semana. “Precisamos de mecanismos ágeis. Ninguém pode ficar em uma situação confortável com o Brasil, com o tamanho que tem, tenha duas vacinas autorizadas emergencialmente”, afirma.

“É um mecanismo que ultrapassa esses rituais burocráticos que existem em tempos normais, mas que precisam ser ultrapassados na pandemia”.

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