Saúde

Ex-ministro da Saúde estima milhões de infectados e critica enfrentamento “às cegas”

Arthur Chioro diz que equipes de saúde trabalham sem dados precisos e sem recursos prometidos pelo Ministério da Saúde, um ‘sujeito ausente’

(Foto: Erasmo Salomão/MS)
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Já se vão mais de duas semanas desde que o ex-ministro da Saúde, Nelson Teich, decidiu deixar o cargo no governo após ser desautorizado por Jair Bolsonaro, único presidente no mundo que, em meio ao coronavírus, fez dois chefes da pasta de Saúde caírem em menos de um mês. Desde então, o Ministério da Saúde cravou seu lugar como um “sujeito ausente no enfrentamento da pandemia”, avalia o médico Arthur Chioro – que faz a análise do ponto de vista de quem já foi ministro da Saúde em 2014.

Em entrevista à CartaCapital, Chioro repercutiu dados apresentados nesta segunda-feira 01 à Diretoria Executiva do PT em uma reunião feita para discutir a pandemia com o partido, o qual integra como coordenador do Núcleo de Acompanhamento de Políticas Públicas de Saúde (NAPP-Saúde).

Uma das informações chamou atenção: em vez dos mais de 500 mil casos registrados em todo o País, o Brasil teria em torno de cinco milhões de infecções entre aqueles que não sabem que foram contaminados e já se curaram e outros que ainda têm potencial de transmitir o vírus.

A estimativa feita pelo ex-ministro é baseada em uma série de estudos que têm sido feitos por pesquisadores brasileiros de universidades como a UFPel (Universidade Federal de Pelotas), que coordenada a pesquisa EPICOVID19-BR em conjunto com o Ibope, a Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto e um núcleo de pesquisadores reunidos na Epidemiologia da Covid-19 na Região Metropolitana da Baixada Santista (Epicobs), no litoral paulista. “Reportei os estudos de soroprevalência que indicam entre oito e quinze vezes mais pessoas infectadas do que o divulgado”, disse, explicando a estimativa citada.

Para Chioro, o ponto mais preocupante é o fato de que o governo federal não tem conseguido cumprir nem com o que já foi determinado – como na questão do orçamento extra designado para UTI’s, EPI’s, respiradores e outros. De R$ 29,5 bilhões anunciados em suporte para o SUS, apenas R$ 8.5 bilhões foram de fato liberados para os estados e municípios.

“É uma execução baixíssima para uma situação de tamanha gravidade, que não cumpre absolutamente nada. O Mandetta já não entregava o prometido, o ministro Teich foi uma perda de tempo, e o atual ministro não entende o funcionamento do sistema de saúde. O ministro interino [Eduardo Pazuello] está há mais de 17 dias e não conseguiu mudar em absolutamente nada a capacidade de resposta”, analisa.

“[Tem gente] muito competente nos times de vigilância epidemiológica, mas eles precisariam ser de fato ouvidos. E não adianta ser ouvido se a gente continuar sem capacidade de informação segura, que pode vir de duas fontes principais: a testagem e o monitoramento, por exemplo, por telefonia, pelos dados hoje disponibilizados, para poder não apenas mapear o isolamento, mas inclusive fazer a identificação dos contatos das pessoas confirmadas com covid.”, analisa.

Além disso, dos 46,2 milhões de testes prometidos pelo Ministério da Saúde, foram entregues 10 milhões de exames, apesar das recomendações de testagem em massa. No último mês, foram registrados cerca de 4 mil testes por milhão de pessoas, número considerado insuficiente para monitorar o controle epidêmico. Chioro explicou que a frente estratégica de testagem deveria incluir os dois tipos de testes disponíveis no mercado: “O RT-PCR para diagnóstico de casos (inclusive os leves, que são 80%), e inquéritos sorológicos por amostragem para análise da situação epidemiológica. São informações fundamentais para que se possa monitorar a situação epidemiológica e subsidiar a tomada de decisão”, explica.

Se a situação empírica torna-se cada vez mais dramática, a projeção de uma saída acelerada é tão preocupante quanto. O ex-ministro avalia que “nenhuma região apresenta condições de reabertura de uma forma segura” no momento, e defende olhar para fora para entender como fazer uma transição local segura em um país com dimensões continentais como o Brasil.

“Os países que tiveram sucesso na flexibilização foram aqueles que começaram a tomar tal decisão após duas semanas de regressão consistente e segura da taxa de transmissão. O afrouxamento não faz nenhum sentido, particularmente porque fazemos a gestão da crise no escuro e os dados disponíveis mostram um crescimento ainda muito importante da doença em todo o país.”, analisa.

“Eu não teria dúvida em reforçar com duas ou três semanas com altíssimo isolamento, em alguns lugares até com lockdown, e com testagem. Testagem para poder ter noção clara de como está o processo de transmissão e monitoramento.”

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