Saúde

“Achei que fosse bobeira esse negócio de isolamento”

Morador do interior paulista conta como a perda do irmão de 39 anos por covid-19 – tratado com cloroquina – mudou seu olhar sobre a doença

Kits de testes do novo coronavírus (Foto: Joseph Prezioso / AFP)
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Desde que enterrou o irmão mais velho, morto em decorrência da covid-19, Antônio* vem tentando desmentir boatos nas redes sociais sobre as circunstâncias da morte do familiar. A vítima tinha 39 anos e ficou internada 16 dias até falecer no último domingo, dia 12, em São José dos Campos, no interior de São Paulo.

“Inventam que ele já estava gravemente doente e pegou a covid-19 no hospital. Dizem que meu irmão foi para a China, pegou lá a doença e espalhou aqui”, contou Antônio por telefone à DW Brasil.

Segundo a prefeitura da cidade, o exame que confirmou o óbito por covid-19, a doença respiratória causada pelo novo coronavírus, o Sars-Cov-2, foi feito por um laboratório privado credenciado pelo Ministério da Saúde.

Antônio diz não entender por que as pessoas inventam tantas mentiras na internet. “Dói muito no meu coração. A nossa mãe está arrasada. As pessoas falam muita besteira sem saber. Nunca passei por isso na minha vida”, desabafa.

Segundo ele, a vítima apresentou sintomas de gripe no fim de março. Atendida num hospital da rede privada, foi medicada, considerada como caso suspeito de covid-19 e mandada de volta para casa. Dias depois, o quadro de saúde da vítima, que era hipertensa, piorou. A equipe médica informou aos familiares que usou cloroquina no tratamento.

“Eu mesmo perguntei para os médicos sobre a cloroquina, se estava sendo usada. Eles disseram que sim, que foi usada por sete dias. No meu irmão, não fez efeito nenhum”, diz Antônio, que acompanhava diariamente os boletins médicos e atuou como mediador da família.

A substância é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro para o tratamento da covid-19. Usada contra a malária, a cloroquina tem efeitos colaterais fortes, e ainda não há comprovação científica de seu efeito benéfico contra o novo coronavírus.

Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência, alerta para o risco cardíaco que a cloroquina e a hidroxicloroquina, também defendida por Bolsonaro, representam.

“Podem causar arritmias, mais ainda quando associadas à azitromicina”, comenta Pasternak, em concordância com posicionamentos de várias associações médicas internacionais, como a Canadian Medical Association e a American Heart Association.

“Recentemente, um trabalho em preprint [artigo científico ainda não revisado por pares e não publicado em periódico científico] da Fiocruz e do Instituto de Medicina Tropical de Manaus alertou para efeitos colaterais cardíacos em testes clínicos que compararam doses diferentes de cloroquina”, adverte a pesquisadora.

Isolamento e contágio

O estado de São Paulo, epicentro da pandemia no Brasil desde a chegada do novo coronavírus ao país, alcançou um recorde na terça-feira 14. Em 24 horas, 87 pacientes morreram de covid-19, totalizando 695 óbitos. Mais de 2 mil pessoas estão internadas em hospitais paulistas.

Em todo o Brasil, há mais de 1,7 mil mortes e mais de 27 mil infectados confirmados. A fila de exames que aguardam resultados é longa: são mais de 120 mil no país, segundo dados do Ministério da Saúde.

De acordo com o monitoramento do governo paulista, a taxa de isolamento social, medida recomendada para impedir o avanço da doença, é de 59% no estado. A meta, segundo o governador João Doria, é chegar a 70% da população.

Em São José dos Campos, onde o irmão de Antônio faleceu, 61% da população têm ficado em casa para evitar a disseminação do vírus. Antônio admite que estava fora dessa estatística inicialmente.

“Eu mesmo achei que fosse bobeira esse negócio de isolamento. Não estava nem aí. Quando meu irmão voltou para o hospital e ficou internado, eu fiquei preocupado e entendi que a doença pega mesmo qualquer pessoa”, conta.

Ele foi o último a ver o irmão vivo. “Minha visita à UTI foi autorizada, eu tive que me vestir igual a um astronauta e vi meu irmão, que ainda estava respirando”, relembra.

Os familiares se despediram de um caixão lacrado, sem velório, num cortejo rápido até o túmulo no cemitério.

“Meu irmão era jovem, feliz, cheio de sonhos, casado há menos de dois anos. Nós estamos arrasados”, diz Antônio.

*A pedido do entrevistado e em respeito ao luto da família, a DW Brasil usou um nome fictício.

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