Política

Wellington Dias: ‘Não podemos aceitar a distribuição desigual das vacinas’

As doses compradas pelo Nordeste serão usadas em todo o País. ‘Queremos que a regra valha para todos’, defende o governador do Piauí

O GOVERNADOR do Piauí, WELLINGTON DIAS. FOTO: CCOM
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Recentemente, o Consórcio Nordeste anunciou a compra de 37 milhões de doses da vacina Sputnik V, produzida na Rússia. Pouco depois do anúncio, Wellington Dias, governador do Piauí e presidente do grupo, veio a público esclarecer que os imunizantes serão distribuídos em todo o País, e não apenas nos estados nordestinos. Dessa forma, ninguém passará na frente da fila de vacinação, a equidade do SUS estará resguardada.

A legislação que autoriza a compra de vacinas pelos estados e municípios é, porém, omissa em relação ao tema. Por esta razão, o governador solicitou uma audiência com o novo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para propor uma regulamentação, que obrigue a incorporação de todos os imunizantes ao Plano Nacional de Imunização.

“Queremos que essa regra valha para todas as compras, tanto do setor público, quanto do privado”, explica Dias. “Caso contrário, as desigualdades vão se acentuar. Estados e municípios com maior capacidade financeira conseguirão vacinar toda a sua população, enquanto os demais ficarão sem alternativa”.

Leia a entrevista concedida pelo governador a CartaCapital:

CartaCapital: De acordo com um boletim da Fiocruz, 24 estados e o Distrito Federal estão com mais de 80% dos leitos de UTI ocupados. Como está a situação no Piauí?

Wellington Dias: Nós praticamente dobramos o número de leitos de UTI que tínhamos antes da pandemia. Ainda assim, isso não foi o suficiente. Temos oito regiões de saúde no Piauí e todas elas estão no limite, com fila de espera para internação. Chegamos a requisitar leitos de hospitais privados, suspendemos cirurgias eletivas, mas não temos condições de ampliar ainda mais a oferta. O problema não é dinheiro, é falta de recursos humanos.

Para funcionar uma UTI, precisamos de ao menos oito profissionais, incluindo médicos intensivistas e enfermeiros, em cada turno, lembrando que a unidade precisa funcionar 24 horas por dia. Só que não temos esses profissionais à disposição, essa mão-de-obra especializada se esgotou em todo o País. É por isso que praticamente todos os estados estão no limite ou em situação de colapso, com registros de mortes por falta de atendimento. Há, ainda, um reflexo sobre as demais doenças. Qualquer pessoa que necessitar de internação pode encontrar dificuldades, e não apenas os pacientes com Covid-19.

CC: O que pode ser feito neste cenário?

WD: Apesentamos ao presidente da República, ao ex-ministro Eduardo Pazuello e ao atual, Marcelo Queiroga, a necessidade de medidas de âmbito nacional, emergenciais e preventivas, para que possamos reduzir a transmissão do vírus. De acordo com a experiência de vários países, o que dá resultado é o isolamento social, a partir de uma coordenação nacional. É preciso estabelecer critérios claros do que é serviço essencial, o que pode ser fechado e quando, reduzir a movimentação nos sistemas de transporte aéreo, ferroviário, portuário e rodoviário.

Precisamos explorar o ponto fraco do coronavírus: ele tem um ciclo de contágio de aproximadamente 14 dias. Se formos capazes de reduzir significativamente a circulação de pessoas por duas semanas, é possível interromper esse ciclo. Com uma menor transmissão do vírus, teremos menos internações e, consequentemente, menos óbitos. Além disso, o Fórum de Governadores encaminhou ao presidente Bolsonaro um documento no qual pedimos providências para o controle do abastecimento de oxigênio, medicamentos e insumos nos hospitais. Caso contrário, corremos o risco de um colapso ainda maior.

CC: Mas Bolsonaro é um dos mais estridentes opositores do isolamento social, vive criticando os governadores que adotam medidas restritivas. Como lidar com esse óbice?

WD: Vamos seguir cobrando o presidente da República, para que ele se alinhe ao que diz a ciência e siga as recomendações da Organização Mundial da Saúde. Já perdemos mais de 280 mil vidas humanas desde o início da pandemia. O Brasil tem 2,7% da população mundial, mas concentra quase 11% dos óbitos por Covid-19 em todo o planeta. Esse é um indicador claro de que alguma coisa está errada e precisa ser mudada com celeridade, para evitar uma tragédia ainda maior. Bolsonaro precisa agir como a grande maioria dos chefes de Estado, que assumiram a responsabilidade e não se furtaram a fazer a coordenação nacional dos esforços de combate à doença.

CC: Como está o respeito às medidas de isolamento social no Piauí? A população tem seguido as recomendações das autoridades sanitárias?

WD: No próximo domingo, 21 de março, vamos completar duas semanas de medidas restritivas mais rígidas. Nos dias úteis, a adesão ao isolamento social alcançou quase 40% da população. No último fim de semana, algo em torno de 55%. Por isso, decidimos antecipar o feriado do Dia do Piauí, tradicionalmente celebrado em 19 de outubro, para esta quinta-feira 18. Desta forma, somente serviços realmente essenciais, como hospitais, farmácias, segurança e vigilância sanitária, estarão funcionando nos próximos dias no estado.

O objetivo é reduzir drasticamente a transmissão para salvar vidas, mas há um limite para a atuação dos estados e municípios. Não temos o poder de regular o funcionamento dos aeroportos, dos portos, sobre o funcionamento dos serviços públicos federais. Por isso insistimos tanto na importância de envolver o governo federal nesse esforço. Precisamos de um fôlego enquanto não conseguimos avançar mais na vacinação.

CC: O Consórcio Nordeste anunciou recentemente a compra de 37 milhões de doses da vacina russa Sputnik V. Os governadores da região também estão à procura de outros laboratórios para negociar?

WD: Sim, estamos em negociação com a Sinopharma e com a CanSino Biologics, da China, para ver se a gente consegue vacina pronta. Pelo Ministério da Saúde, está prevista para o próximo dia 23 a entrega de um lote de vacinas da AstraZeneca importadas da Coreia do Sul. Estamos trabalhando para ver se o laboratório União Química começa a fabricar vacinas no Brasil, além do Instituto Butantan e da Fiocruz, que já estão produzindo e têm compromissos de entregas semanais.

Com todos esses esforços, temos a expectativa de chegar ao fim de abril com 25% da população vacinada, cerca de 50 milhões de brasileiros, que integram todos os grupos de risco, pessoas com mais de 60 anos, indígenas, quilombolas, profissionais da saúde. Esse grupo responde, hoje, por mais de 70% das internações e dos óbitos. Mas, também aqui, é fundamental a mobilização do governo federal. Precisamos de um esforço diplomático para convencer os EUA, a Europa, a Índia e a China para liberar uma cota maior de vacinas e insumos para o Brasil, que é o epicentro da pandemia no mundo hoje. Se somos um fator de risco para todo o planeta, precisamos cobrar uma ajuda internacional para sair dessa situação.

CC: Até a quarta-feira 17, apenas 5% dos brasileiros receberam ao menos uma dose de vacina. Dá para confiar que chegaremos ao fim de abril com 25% da população imunizada, mais de 50 milhões de habitantes?

WD: Acredito que sim. O maior problema era a falta de vacinas, por isso tomamos a inciativa de negociar com os laboratórios e garantir mais doses para o Brasil, com autorização do Supremo Tribunal Federal e agora, mais recentemente, com a proteção de uma lei aprovada no Congresso. Agora, o cenário está um pouco melhor.

Fechamos a última semana com cerca de 300 mil pessoas vacinadas por dia. Na próxima, devemos chegar a 500 mil imunizados por dia. No fim de março, podemos chegar a 1 milhão, com vacinas do Butantan e da Fiocruz, mais as doses importadas da Coreia Sul pela AstraZeneca.

A partir de abril, teremos a incorporação da Sputnik e da vacina desenvolvida pelo consórcio Covaxin. Então, é real a possibilidade de vacinar 50 milhões de brasileiros até o fim de abril. Ou seja, devemos ter uma redução expressiva das internações e óbitos a partir de maio. Mas até lá temos uma travessia, e precisamos unir as três esferas de governo, e também o setor privado, no esforço de reduzir a transmissão do vírus por meio do isolamento social.

CC: O ex-presidente Lula participou das negociações para a aquisição da Sputnik V?

WD: Sim, é verdade. Pedimos apoio ao Lula, assim como temos conversado com os ex-presidentes Sarney, Collor, Fernando Henrique, Dilma e Temer, e também ex-ministros de Relações Exteriores. Queríamos aproveitar as relações que essas autoridades têm com líderes mundiais para sensibilizar os países a liberar vacinas e insumos para nós.

O ex-presidente Lula se dispôs a conversar com representantes do Fundo Soberano Russo, que financiou o desenvolvimento da Sputnik V, além de enviar uma carta ao presidente da China, Xi Jinping. Deu certo e agradecemos muito pelo seu empenho. Todos que tiverem condições de ajudar serão sempre muito bem-vindos.

CC: Com a autorização para a compra de vacinas, não há o risco de estados e municípios mais ricos priorizarem a imunização de sua própria população?

WD: Queremos discutir esse tema com o ministro Queiroga. É preciso criar uma regra para preservar a equidade do SUS. Nós, aqui do Nordeste, tomamos a iniciativa de comprar 37 milhões de doses da Sputnik, mas a entrega deverá ser feita diretamente ao Ministério da Saúde, que cuidará do recebimento, armazenamento, certificação junto à Anvisa e distribuição. Ou seja, a vacina será utilizada em todo o Brasil, seguindo a ordem dos grupos prioritários. Não é só para os nordestinos.

Qual é o nosso pleito? Queremos que essa regra valha para todas as compras, tanto do setor público, quanto do privado. Caso contrário, as desigualdades vão se acentuar. Estados e municípios com maior capacidade financeira conseguirão vacinar toda a sua população, enquanto os demais ficarão sem alternativa. Temos o dever de correr atrás de vacinas, mas não podemos aceitar que essa disparidade. Até porque o Ministério da Saúde dispõe de 20 bilhões de reais para reembolsar essas compras e garantir igualdade de condições no acesso às vacinas.

CC: Recentemente, o senhor anunciou uma ajuda financeira para trabalhadores dos setores mais afetados pela crise no Piauí. Como funcionará esse auxílio?

WD: Vivemos uma situação crítica. No fim de dezembro, o governo federal suspendeu o pagamento do auxílio emergencial aos desempregados e trabalhadores informais. Cerca de 1,1 milhão de piauienses deixaram de receber os repasses, uma decisão absolutamente incompreensível. A União não quis renovar a situação de calamidade, como se o coronavírus tivesse tirado férias e a economia voltasse a funcionar normalmente, com pleno emprego.

Enfim, as pessoas continuaram a passar necessidade. Quando tivemos de fechar o comércio para reduzir a transmissão do vírus, tínhamos consciência de que isso atingiria muitos trabalhadores que atuam em bares, restaurantes, eventos e por aí vai. Por isso, decidimos oferecer um auxilio de 200 reais por mês às pessoas de mais baixa renda, e que já recebem recursos do Bolsa Família, e de 1.000 reais para esses trabalhadores dos setores mais atingidos pelo lockdown.

Esperamos que o governo federal volte logo a pagar o auxílio emergencial, até porque os estados e municípios estão com dificuldade para suportar o aumento de gastos na saúde e ainda bancar essa complementação de renda. Mas isso é fundamental para garantir a adesão da população aos protocolos de segurança. Sem comida na mesa, não dá para exigir que as pessoas fiquem em casa.

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