Política

Unimed financiou Deltan Dallagnol, que não incomodou convênios

Planos de saúde foram alvo de delatores e temiam devassa pela Lava Jato, mas foram poupados

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Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba, será uma das atrações de um evento sobre empreendedorismo no Paraná em 30 de outubro. Dará uma palestra, atividade pela qual cobra dinheiro, intitulada “A Ética nos negócios em um mundo sob pressão”. O que dirá sobre ética em um evento no centro de eventos Expo Unimed?

Dallagnol é palestrante costumeiro da Unimed. A força-tarefa chefiada por ele esbarrou em fatos sobre convênios, mas nunca atacou-os como fez com as empreiteiras. Haveria relação entre a mansidão da força-tarefa com o setor e as palestras do chefe da equipe?

Considerando-se a visão acadêmica e filosófica de Dallagnol de que indícios circunstanciais valem como prova, surge outra dúvida: ele e a Unimed estabeleceram uma parceria baseada em dinheiro e interesses comuns assim como as empreiteiras fizeram com políticos caçados pela Lava Jato?

Na eleição de 2014, a última com doações empresariais legalizadas, a Unimed deu pouco dinheiro ao PT. Preferiu os adversários. No caso da disputa presidencial, repassou 620 mil a Aécio Neves, do PSDB, e 500 mil ao PSB, que tinha candidatura própria. Dilma Rousseff, que concorria à reeleição, não recebeu nada.

“As entidades médicas foram sócias do impeachment e a Unimed, a despeito de ser uma marca nacional, era o braço econômico dos grupos médicos e tinha interesses ideológicos em bancar a Lava Jato”, afirma uma ex-autoridade do setor de saúde.

Por meio da assessoria de imprensa, a Unimed diz que, na eleição de 2014, “priorizou o apoio a candidatos alinhados às causas cooperativistas, em diversos níveis hierárquicos, independentemente da legenda a qual eram afiliados, sempre em conformidade com a legislação vigente”.

Depois de 2014, o patrocínio do convênio a Dallagnol tem sido frequente. Em 21 de fevereiro deste ano, ele palestrou na unidade da Unimed em Presidente Prudente (SP). Em 2 de agosto de 2018, na de Porto Alegre (RS). Em março de 2017, na de Assis (SP). Em 22 de julho de 2016, na de Vitória (ES).

Uma semana antes de ir a Vitória, Dallagnol havia escrito a seguinte mensagem à colega procuradora Thamea Danelon, conforme revelado recentemente pelo Intercept: “Vc podia até fazer palestra sobre esse caso mais tarde em unimeds. Eles fazem palestras remuneradas até”.

Procurado via assessoria, Dallagnol não respondeu sobre sua relação financeira e eventual afinidade política com a Unimed. Esta justificou a contratação das palestras do procurador assim: “É inegável a importância que o combate à corrupção adquiriu nos últimos anos, alavancando o interesse não só dos cooperados, como da sociedade, em geral, pelo assunto e seus partícipes”.

Os planos de saúde amedrontavam-se

Na época da mensagem de Dallagnol à colega Thamea, a incentivá-la a palestrar na Unimed, os planos de saúde amedrontavam-se. Seriam atingidos pela Lava Jato?

Em fevereiro de 2016, o então senador petista Delcidio Amaral (MS) teve a prisão preventiva revogada após negociar uma delação com a cúpula do Ministério Público Federal (MPF), em Brasília. Essa delação tinha um anexo indigesto para os convênios.

Segundo o anexo, revelado em março de 2016 pela IstoÉ, “especial atenção deve ser dada à ANS e Anvisa, cujas diretorias foram indicadas pelo PMDB do Senado, principalmente pelos senadores Eunício Oliveira, Renan Calheiros e Romero Jucá. Jogaram ‘pesado’ com o governo para emplacarem os principais dirigentes dessas agências. Com a decadência dos empreiteiros, as empresas de plano de saúde e laboratórios tornaram-se os principais alvos de propina para os políticos e executivos do governo”.

A ANS é a agência federal que regula os convênios e a Anvisa, os remédios. Seus dirigentes precisam ser aprovados no Senado, daí o poder de Eunício, Calheiros e Jucá.

Esse trio (hoje apenas Calheiros é senador) foi citado em delação fechada pelo MPF com um ex-dirigente do laboratório Hypermarcas (chamado agora de Hypera Pharma). Nelson José de Mello havia contado, conforme o noticiário de junho de 2016, que a Hypermarcas pagava propina ao trio e que uma das formas de a grana chegar a eles era através de uma banca advocatícia.

O dono dessa banca, Flavio Calazans de Freitas, se tornaria delator em 2017, em um acordo com a força-tarefa de Dallagnol. Trechos da delação foram noticiados em 7 de novembro de 2017 pelo UOL.

Calazans contou que na eleição de 2014 havia recebido 1,1 milhão de reais em propina paga pela Amil através de três empresas. E que o dinheiro chegaria a senadores do ex-PMDB por meio de um lobista conhecido, Milton Lyra.

A Amil doou 26 milhões de reais a candidatos na campanha de 2014, conforme dados da Justiça Eleitoral. Apostou 998 mil no MDB do Rio, na época controlado pelo então deputado Eduardo Cunha. Em maio daquele ano, Cunha havia emplacado numa lei a anistia de 2 bilhões de reais em multas aplicadas a planos de saúde. A ex-presidente Dilma Rousseff, que receberia 7 milhões da Amil em sua reeleição, vetou o perdão.

Naquela eleição, o Bradesco Saúde doou um total de 14 milhões para diversos candidatos, sendo 2,1 milhões para a direção nacional do PSDB de Aécio Neves e nada para Dilma. A Unimed, como se viu, doou apenas para os adversários de Dilma.

Apesar das delações de Delcidio, Melo e Calazans, os convênios não foram incomodados pela Lava Jato, nem em Curitiba, nem em Brasília.

Ministro da Saúde quando a Lava Jato surgiu, em 2014, o médico sanitarista Arthur Chioro diz que os convênios não tinham interesse apenas de escapar da Lava Jato. Também havia insatisfeitos com o governo do PT.

“Alguns setores se movimentavam por menos regulação e fiscalização, pleiteavam liberação de preços dos planos individuais, relutavam em cumprir o ressarcimento ao SUS, queriam a diminuição do rol de procedimento, chegaram a tentar obter facilidades inaceitáveis, como o perdão das dívidas”, afirma Chioro. “Com o golpe de 2016, parcela do setor vislumbrou uma janela de oportunidades para os ‘planos acessíveis’, que até agora não vingou. O número de beneficiários continua caindo.”

Na eleição de 2018, conforme se viu em conversas secretas divulgadas pelo Intercept, Dallagnol era contra o petista Fernando Haddad. Comemorou, por exemplo, a proibição de Lula dar entrevistas.

Que nome o chefe da força-tarefa de Curitiba daria a essa teia de interesses e de circunstâncias a envolvê-lo com planos de saúde?

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