Justiça

STF x PGR: histeria coletiva descamba para guerra entre as corporações

Para o jurista e professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Serrano, a crise do Supremo foi causada por uma escalada de erros

Raquel Dodge_Dias Toffoli (Foto Nelson Jr./ SCO/STF)
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A discreta queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal e a Procuradoria-Geral da República se tornou explícita depois que o inquérito instaurado por Dias Toffoli para investigar ataques ao Supremo descambou em censura à imprensa e visitas da PF a internautas que atacaram a Corte — vários deles militantes bolsonaristas. 

Para o jurista Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional da PUC-SP, toda essa crise foi causada por uma escalada de erros. “Quem vazou a informação à imprensa cometeu crime. O STF errou em censurar a imprensa e Raquel Dodge também se equivocou ao enfrentar a decisão da Corte”, diz.

Pedro Serrano, professor de Direito Constitucional e de Estado na PUC-SP

Na sexta-feira 12, o ministro Alexandre de Moraes autorizou a censura de uma reportagem da revista digital Crusoé sobre uma mensagem em que Marcelo Odebrecht chama o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo, de “amigo do amigo de meu pai”. Também ordenou a apreensão de computadores e celulares de sete pessoas em várias localidades.

Entre eles o general Paulo Chagas, amigo de Bolsonaro e candidato derrotado ao governo do Distrito Federal.

Dois dias depois, a procuradora Raquel Dodge determinou que a investigação fosse suspensa, por considerar que MPF é o único titular de ações penais. O próprio Moraes rejeitou o pedido e aproveitou para prorrogar a investigação por mais 90 dias.

Embora acredite que o plenário do Supremo deve apaziguar os ânimos, Serrano chama atenção para os riscos dessa guerra entre os poderes. Na visão dele, o cidadão comum fica sujeito a qualquer lufada de autoritarismo que venha desse tipo de conflito.

Em entrevista a CartaCapital, ele analisa os principais pontos do caso.

Confira a seguir.

CartaCapital: O que você acha que está por trás dessa ofensiva da militância bolsonarista contra o STF?

Pedro Serrano: Eu creio que há um desejo do governo de nomear mais ministros do que ele teria direito. Seja promovendo o impeachment de alguns ministros ou desgastando o STF até no ponto que se reveja a PEC da Bengala. Ter o poder total, eu diria: do legislativo, do MP e do Judiciário. Ou seja, ter um poder total na estrutura republicana, o que mataria a democracia. No sentido político, é isso que está havendo. O STF está procurando reagir no sentido jurídico-institucional. Ou seja, tentar proteger a instituição e proteger a democracia. Só que nem sempre tem agido com habilidade.

CC: E onde você acha que o Supremo errou, mais especificamente?

PS:  Quando determinou a censura da reportagem. Nessa questão, houve um equívoco do delator do Supremo [o ministro Alexandre de Moraes]. A reportagem me pareceu um tanto irresponsável, porque tenta criar uma histeria social por qualquer fato ou nome que apareça em algum inquérito. Sem levar em conta que, em uma investigação como essa, surgem centenas de fatos que nada têm de ilícito. Mas a matéria não deveria ter sido alvo de censura, mas de críticas éticas no plano do jornalismo. Sem a censura do STF, a matéria não teria sequer tido a repercussão que teve.

O direito de expressão não existe só para garantir posições equilibradas, mas também para garantir o desequilíbrio. Direitos não são um problema. Direitos são a solução para uma sociedade livre.

CC: E no caso das buscas e apreensões, não houve exagero?

PS: Eu acho que não há exagero nenhum. Por muito menos se prendeu gente na Lava Jato. Busca e apreensão é uma medida de menor impacto, que faz parte da investigação. Agora, estão querendo usar da questão da censura para obstruir as investigações. E isso é um erro também.

O ministro Alexandre de Moraes (Foto: Rosinei Coutinho_SCO_STF)

CC: E a procuradora Raquel Dodge, também errou?

PS: A meu ver, não era da competência dela. A PGR é titular da ação penal, mas o fato de ser titular da ação penal não a transforma em guardiã da Constituição. Guardião da Constituição é o STF. Correta ou não a interpretação do presidente do Supremo, era uma decisão de juízes que só pode ser alterada pelo plenário do STF. A PGR se atribuir esse poder de decisão tumultua o sistema.

Não se deve usar do direito à ação penal para impedir uma investigação, em especial quando essa investigação pode atingir membros de dentro do MPF

CC: Essa queda de braço entre Moraes e Dodge dura muito tempo? Ou não?

PS: Não enxergo esse risco. Eu acho que deve ser resolvido. Em última instância, o plenário do STF vai colocar panos quentes. Se durar, o sistema democrático estará totalmente comprometido no plano institucional.

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge (Foto: José Cruz/Agência Brasil)

CC: E no plano político?

PS: Tenho uma questão a levantar nesse ponto. Houve a busca e apreensão na casa do general [Paulo Chagas, candidato de Bolsonaro ao governo do DF], os militares ficaram inconformados. Houve vazamentos contra o STF, os ministros reagiram. Abre-se a possibilidade de investigar o Ministério Público, o ministério reage. O que estamos vivendo no Brasil é uma histeria coletiva que está descambando em uma guerra entre as corporações.

E o cidadão que não tem corporação nenhuma para o proteger? Fica sujeito a qualquer vento de autoritarismo que venha desse tipo de conflito

CC: A judicialização cresceu ainda mais desde a Lava Jato, não?

PS: Tem um elemento novo nesse processo, que é o corporativo. Quem não tem uma corporação para defendê-lo está exposto a um autoritarismo estatal incontrolável. Já não existem mais direitos. Quem não é militar, polícia, jornalistas, do MP, advogados, que não tenha um grupo profissional para defendê-lo, está liquidado. Isso é muito grave. É o estágio terminal da democracia.

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