Política

STF deve julgar suspeição de Moro no 1º semestre de 2021; relembre o caso

O desfecho do caso pode mudar os rumos da política em 2022; decisão em caso Palocci indica que ex-juiz não terá vida fácil

Fotos: Ricardo Stuckert e Nelson Almeida/AFP
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O ano de 2020 chega ao fim sem que o Supremo Tribunal Federal tenha concluído um dos julgamentos mais aguardados pelo mundo político. Sob a justificativa de que as limitações impostas pela pandemia do novo coronavírus, como a impossibilidade de sessões presenciais, atrapalharia o desenrolar da análise, a Corte adiou para 2021 a apreciação de um habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula que pede o reconhecimento da suspeição do ex-juiz Sergio Moro nos processos contra o petista.

O caso é julgado pela Segunda Turma do STF, presidida por Gilmar Mendes e composta pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin e Kassio Nunes. O HC foi impetrado pelos advogados de Lula em novembro de 2018 e começou a ser analisado no mês seguinte. Até aqui, dois votos foram proferidos, ambos contra a tese defendida pelo ex-presidente: Fachin e Cármen se manifestaram pelo não reconhecimento do HC. O julgamento, entretanto, foi suspenso após pedido de vista de Gilmar.

Para além de um reconhecimento formal de que Sergio Moro, como magistrado, não agiu de forma imparcial nos casos relacionados a Lula, a decisão a ser tomada pelo STF tem significativo peso político, uma vez que pode levar à anulação de sentenças contra o petista e abrir caminho para a sua participação em eleições.

Para o advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, a suspeição de Moro está comprovada por inúmeros fatos arrolados desde 2016.

“Em 2018, quando levamos a questão à Suprema Corte, Moro tinha acabado de aceitar participar do governo do presidente Jair Bolsonaro logo após atuar decisivamente para impedir o ex-presidente Lula de participar das eleições, deixando clara sua atuação política. Não bastasse, em 2019 veio à tona a ‘Vaza Jato‘, que mostrou a verdade nua e crua de uma situação que sempre afirmamos e que tornou indiscutível a suspeição”, avalia Zanin em contato com CartaCapital.

‘Vaza Jato’ se refere à série de reportagens com bastidores da operação Lava Jato publicada a partir de material obtido pelo site The Intercept Brasil, composto por conversas em aplicativos de mensagens entre procuradores da força-tarefa de Curitiba, sob a liderança de Deltan Dallagnol. A divulgação teve início em 9 de junho de 2019 e indica, também, a proximidade da relação entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores.

“Para o reconhecimento da suspeição de um juiz é suficiente que haja dúvida sobre a sua imparcialidade. No caso do ex-juiz Moro a situação é de certeza da sua parcialidade em relação ao ex-presidente Lula”, completa Zanin.

O ministro Gilmar Mendes pretende retomar a análise do habeas corpus contra Moro apenas em sessões presenciais, as quais só devem ser retomadas quando as condições sanitárias permitirem. A letargia da Corte em relação ao tema e a própria atuação dos ministros nos mais de seis anos de Lava Jato geram críticas também no mundo acadêmico.

O cientista político e advogado Fernando Augusto Fernandes, autor do livro “Geopolítica da Intervenção – A verdadeira história da Lava Jato”, lançado pela Geração Editorial durante a pandemia, afirma que a conduta do STF perante a operação pode ser classificada de “omissão imprópria”.

“É quando a omissão substitui uma ação dolosa. Exemplo clássico: o sujeito deixa de jogar a boia para que o seu inimigo, que não sabe nadar, morra afogado. O STF permitiu que as ações da Lava Jato, ilegais sob inúmeros pontos de vista, permanecessem em atuação, principalmente não limitando a extensão de competência interminável do Sérgio Moro”, opina Fernandes.

Segundo ele, no entanto, é possível perceber uma mudança de postura no decorrer dos anos. “Um exemplo muito claro foi o Gilmar Mendes. Ele, quando inicia a Operação Lava Jato, é um dos maiores defensores que permitiram que os poderes de Sergio Moro aumentassem. Da mesma forma, foi o próprio Gilmar Mendes que, utilizando-se da gravação do Lula com a Dilma [Rousseff], impediu a posse do Lula [como ministro da Casa Civil, em 2016]. Mas, ao perceber que essa extensão de poderes tinha um objetivo claro e definido do juiz, passou a ser um dos maiores denunciadores dos abusos da Lava Jato”, relembra.

Para Marco Aurélio de Carvalho, advogado especializado em Direito Público, sócio-fundador do Grupo Prerrogativas e sócio-fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, a Segunda Turma do STF tomou nos últimos anos “decisões paradigmáticas” que privilegiam o “devido processo legal, o direito de defesa, a previsibilidade e a segurança jurídica”.

“Existe uma expectativa de que essa matéria seja apreciada pela Segunda Turma ainda no primeiro semestre de 2021. As expectativas para o julgamento são muito positivas”, avalia Carvalho.

“A Segunda Turma tem uma posição reconhecidamente garantista e tem conseguido enfrentar a opinião pública e a pressão da mídia com bastante efetividade. Por isso, nós, da comunidade jurídica, temos que reconhecer e aplaudir o senso de responsabilidade e a coragem dos ministros que integram a Segunda Turma”, afirma.

Ao considerar plausível o reconhecimento da suspeição de Moro, Carvalho recorda uma recente decisão da Segunda Turma que colocou em xeque a atuação do então magistrado da Lava Jato: o caso envolvendo a delação premiada do ex-ministro Antonio Palocci.

No dia 14 de dezembro, a Turma finalizou julgamento em que confirmou a exclusão da delação de uma ação contra Lula. Os advogados do ex-presidente sustentaram que Moro, ao incluir o depoimento de Palocci em um processo a poucos dias das eleições presidenciais de 2018, incorreu em “quebra de imparcialidade”. Em agosto deste ano, o ministro Gilmar Mendes disse que Moro tentou “gerar um verdadeiro fato político na semana que antecedia o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018”.

Moro, então magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba, decidiu no dia 1º de outubro de 2018, a seis dias do primeiro turno das eleições presidenciais, tornar público um dos anexos do acordo de delação premiada firmado entre Palocci e a Polícia Federal. Após a vitória de Jair Bolsonaro no pleito, Moro se tornou ministro da Justiça e Segurança Pública, cargo que ocupou até abril deste ano.

“Que ele agiu de forma criminosa para obter um determinado resultado, ninguém tem dúvida. Ele conduziu as investigações – e este é o termo, algo que ele não deveria fazer, mas fez -, com o apoio deliberado de parte do Ministério Público, da chamada força-tarefa de Curitiba. Conduziu as investigações com uma única certeza: a de que o réu seria condenado. Ele começou o julgamento pelo fim: condenou o réu e depois tentou justificar a condenação”, avalia Marco Aurélio Carvalho.

Outro episódio recente que tem o potencial de impactar a análise dos ministros quanto à imparcialidade de Sergio Moro é sua contratação para um cargo de diretoria pela norte-americana Alvarez & Marsal, consultoria especializada em recuperação judicial que presta serviços à empreiteira Odebrecht – um dos principais alvos da Lava Jato. “A minha ida para uma empresa como a Alvarez & Marsal segue a linha do que eu sempre defendi, que é importante nós adotarmos políticas de integridade e anticorrupção. Não há nenhum demérito em relação a se trabalhar por esses objetivos no setor público”, disse Moro ao jornal O Estado de S. Paulo.

“Eu enxergo o ingresso dele na Alvarez & Marsal como escandaloso. Mas acho que para o habeas corpus não influencia, porque já existem outros elementos muito mais graves, quando praticados por ele como juiz”, comenta Fernando Augusto Fernandes.

Para Marco Aurélio de Carvalho, porém, o caso “pode e deve ser utilizado no julgamento da suspeição”.

“É verdadeiramente escandaloso. Tem problemas de natureza ética e, seguramente, terá também problemas de natureza jurídica”, finaliza.

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