Política

ONU deixa Barroso, um ‘neoliberal progressista’, em apuros

Juiz prega que o espírito universal dos direitos humanos deve ser levado em conta pelo Direito interno dos países. Agirá assim com Lula no TSE?

O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em evento no Rio de Janeiro
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O pronunciamento do Comitê de Direitos Humanos da ONU favorável à candidatura presidencial de Lula deixou o juiz Luís Roberto Barroso em uma saia justa. Tido por um colega de academia como “neoliberal progressista”, um privatista econômico portador de preocupação social e com minorias, Barroso prega que existe uma “ética universal” ditada pelos Direitos Humanos. E que esta ética influencia (ou deveria) o Direito interno dos países.

Responsável inicial por decidir sobre a chapa de Lula, via Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Barroso fará o que prega? Levará em conta a posição do órgão de Direitos Humanos da ONU? Ou vai privilegiar sua própria visão ideológica, uma visão que, nas palavras do colega que o descreve como “neoliberal progressista”, dá suporte doutrinário à Operação Lava Jato?

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Barroso expôs em um livro de 2010 seu pensamento sobre a existência de uma “ética universal” baseada nos Direitos Humanos e de que esta ética deve ser absorvida pelo Direito interno de uma nação. A obra intitula-se “A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Constitucional Contemporâneo – A Construção de um Conceito Jurídico à Luz da Jurisprudência Mundial”.

Ao apresentar as linhas gerais do livro, Barroso diz que “a globalização do Direito é uma característica essencial do mundo moderno, que promove, no seu atual estágio, a confluência entre Direito Constitucional, Direito Internacional e Direitos Humanos”.

Ele prossegue: “As instituições nacionais e internacionais procuram estabelecer o enquadramento para a utopia contemporânea: um mundo de democracias, comércio justo e promoção dos direitos humanos”.

E finaliza: “A dignidade humana é uma das ideias centrais desse cenário. Já passou o tempo de torná-la um conceito mais substantivo no âmbito do discurso jurídico, no qual ela tem frequentemente funcionado como um mero ornamento retórico, cômodo recipiente para um conteúdo amorfo”.

É possível conhecer uma versão mais resumida do pensamento de Barroso em um artigo publicado em 2005 no jornal O Globo, chamado “A era dos Direitos Humanos”. Na época ele ainda não era juiz em Brasília, era professor universitário e advogado.

“A face virtuosa da globalização é a difusão desses valores comuns, o desenvolvimento de uma ética universal. Progressivamente, o indivíduo se torna sujeito do direito internacional. Mais adiante, digno e livre, ele será um cidadão global”, afirmava Barroso.

Essa postura do intelectual é diferente daquela que tem sido adotada por ele como juiz, ao menos quando se trata de processos a envolver políticos. Neste assunto, tem sido “linha dura”. Uma espécie de Sérgio Moro do Supremo Tribunal Federal (STF), aonde chegou em 2013. 

Professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a mesma onde Barroso é professor de Direito, Christian Edward Cyril Lynch vê no colega uma certa liderança ideológica por trás daquilo que a Lava Jato representa.

Para Lynch, a Operação é o símbolo máximo da tentativa de juízes e procuradores brasileiros de “varrer a politicagem”. Ele define esse ativismo judicial como “Revolução Judiciarista” e “tenentismo togado”, ideias desenvolvidas no ensaio “Ascensão, fastígio e declínio da Revolução Judiciarista”, do fim de 2017.

“O pensamento político da ‘Revolução Judiciarista’ encontra um bom termômetro na obra de Luís Roberto Barroso”, escreve Lynch. “Do ponto de vista político”, continua, “Barroso é um ‘neoliberal progressista’: revela-se tão simpático às reformas de Estado promovidas por Fernando Henrique Cardoso quanto aos programas sociais e às políticas de defesa das minorias adotadas pelo Partido dos Trabalhadores”.

“Neoliberalismo progresissta” é uma ideia difundida por uma professora de filosofia da universidade nova-iorquina New School for Social Research, ao analisar a vitória de Donald Trump na eleição presidencial norte-americana de 2016.

Segundo Nancy Frasier, a alta finança global usa a modernidade comportamental, a defesa de causas como feminismo e igualdade racial, para tornar palatável medidas econômicas neoliberais, “políticas vistosas que devastaram a manufatura e ameaçam a classe média”.

A postura de Barroso no STF encaixa-se nisso que a professora teoriza.

Ele já votou a favor de não criminalizar mulheres que abortaram até três meses depois de engravidarem. Já deu um despacho em que cita uma tendência do Supremo de não criminalizar o porte de pequena quantidade de droga. É seu lado “progressista”.

A reforma trabalhista do governo Michel Temer é exemplo do seu lado “neoliberal”.

Barroso é relator de uma ação que contesta trechos da reforma. No julgamento inacabado da ação, votou a favor de um dispositivo que prejudica trabalhadores e favorece empresários, um que impõe ao perdedor de uma causa trabalhista a responsabilidade por pagar as custas do processo.

O objetivo deste pagamento é inibir causas movidas por trabalhadores. Barroso acha que o Brasil tem ações trabalhistas demais e concorda com a restrição. De vez em quando cita o caso de um banco que teria desistido de ter uma operação grande no Brasil devido à Justiça trabalhista.

Revogar a reforma trabalhista é uma das propostas do plano de governo de Lula registrado no TSE juntamente com a candidatura do petista. Barroso permitirá que a chapa do ex-presidente prospere, como defende o Comitê de Direitos Humanos da ONU? 

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