Entrevistas

Senador da CPI da Covid relata ameaças de apoiadores de Bolsonaro

‘Você não pode imaginar a quantidade de mensagens de agressão, com palavras de baixo calão, tentando me intimidar’, afirma Otto Alencar

Foto: Wilson Dias/Agência Brasil
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O senador Otto Alencar (PSD-BA), que abriu os trabalhos da CPI da Covid na última terça-feira 27, relatou a CartaCapital que foi alvo de ameaças por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.

De acordo com o parlamentar, nas últimas semanas, ele chegou a receber cerca de 500 mensagens em seu celular e nas redes sociais com conteúdo intimidatório e ameaçador.

Otto é membro titular da Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga as ações e omissões do governo federal durante a pandemia.

“No meu telefone, nesses últimos 15 dias, você não pode imaginar a quantidade de mensagens de agressão, com palavras de baixo calão, tentando me intimidar”, disse o senador.

“Palavras rasteiras e grosseiras, em um sistema montado pelos seguidores do bolsonarismo. Eles fazem de tudo. Eu devo ter recebido umas 500 mensagens com o mesmo teor para desestabilizar”, acusa Otto, que prossegue: “É uma linguagem bem miliciana. Alguns dos termos eu nem conhecia”.

Nesta quinta-feira 29, os senadores voltam a se reunir para validar o plano de trabalho e para aprovar algumas sugestões feitas pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL).

Na terça-feira, Jorginho Mello (PL-SC), Marcos Rogério (DEM-RO) e Eduardo Girão (Podemos-CE), aliados do governo, apresentaram um mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal em que alegam que Calheiros é suspeito por ser pai do governador de Alagoas, Renan Filho (MDB), um possível investigado da CPI, e, portanto, não pode ser relator ou fazer parte da comissão.

“Certamente, eles não têm conhecimento de que uma decisão interna corporis de um Poder não pode ser analisada e cancelada por outro”, reagiu Otto.

“Seria a mesma coisa do [presidente do STF] Luiz Fux indicar um relator e nós aqui no Senado fizéssemos algo para que ele cancelasse a indicação. Não tem cabimento”, acrescentou o senador. “Nessa decisão, o STF não pode interferir”.

O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), definiu que a primeira audiência deverá acontecer na próxima terça-feira 4, com a presença do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

“A Covid chegou ao Brasil pela classe alta que estava na Europa. Primeira coisa é perguntá-lo [ao Mandetta]  se ele recomendou a barreira sanitária para isolar esse pessoal e não deixar expandir para outras classes. Ele pode falar que tentou, mas o presidente não deixou”, avalia Otto.

Leia a entrevista completa:

CartaCapital: Senadores aliados de Bolsonaro foram ao Supremo para tirar Renan Calheiros da CPI da Covid. Como o senhor avalia a tentativa?

Otto Alencar: Certamente, eles não têm conhecimento de que uma decisão interna corporis de um Poder não pode ser analisada e cancelada por outro. Seria a mesma coisa do [presidente do STF] Luiz Fux indicar um relator e nós aqui no Senado fizéssemos algo para que ele cancelasse a indicação. Não tem cabimento. Nessa decisão, o STF não pode interferir. Certamente, não vai ter nenhum respaldo jurídico no Supremo.

CC: Como o senhor classifica a tentativa do governo de postergar a CPI?

OA: Primeiro, o governo agiu politicamente para desestabilizar o G7 [grupo de sete senadores considerados independentes na CPI], tentou de todas as formas que houvesse substituição de senadores, o que não ocorreu. Depois, com a deputada Carla Zambelli, entrou na Justiça para barrar o Renan. Quando eu fui abrir a Comissão, várias questões foram colocadas para que não houvesse a sessão.

No meu telefone, nesses últimos 15 dias, você não pode imaginar a quantidade de mensagens de agressão, com palavras de baixo calão, tentando me intimidar. Palavras rasteiras e grosseiras, um sistema montado pelos seguidores do bolsonarismo. Eles fazem de tudo. Eu devo ter recebido umas 500 mensagens com o mesmo teor para desestabilizar.

Parece que o governo já está confessando que errou mesmo, pois já tem aqueles 23 pontos que ele mesmo produziu. Aquilo é uma confissão praticamente. O governo fez de tudo para que não ocorresse a instalação da CPI.

CC: Nas mensagens que o senhor recebeu havia alguma ameaça?

OA: Algumas sim, do tipo: ‘Você gosta da sua família?’ e ‘Sabemos onde você mora’. A maioria foi de números do Ceará, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Eles colocam mensagens no Instagram também, dizendo que eu vou pagar caro por isso. É uma linguagem bem miliciana. Alguns dos termos eu nem conhecia.

CC: Do que o governo tem tanto medo?

OA: Os protocolos adotados pelo Ministério da Saúde, durante a gestão do Pazuello, foram todos errados. Ele chegou a colocar no site a recomendação do uso da cloroquina, que não resolve nada. Como um ministro da Saúde diz que só compraria vacina se tivesse demanda?

No fim do ano passado, o presidente chegou a dizer que o vírus estava indo embora do Brasil. Não sei por qual transporte ele foi. Houve um desacerto enorme na condução. Primeiro, para conter a doença e, segundo, para tratá-la, pois faltaram oxigênio, EPIs, kit intubação.

CC: Na avaliação do senhor, o que de tudo isso é mais grave?

OA: Todas essas negativas, de não usar máscara, de não pregar o distanciamento social, de não comprar as vacinas no tempo certo e receitar cloroquina, são muitos graves. Tem, ainda, o oxigênio que faltou em Manaus.

CC: Quais contribuições os ex-ministros da Saúde podem dar na CPI?

OA: Quando entra um vírus novo em um país, a primeira regra é ter barreira sanitária. Essa doença chegou ao Brasil pela classe alta que estava na Europa e trouxe a doença.

Primeira coisa é perguntá-lo [ao Mandetta] se ele recomendou a barreira sanitária para isolar esse pessoal e não deixar expandir para outras classes. Ele pode falar que tentou, mas o presidente não deixou. O Mandetta ficou em uma queda de braço com o Bolsonaro.

A mesma coisa é com o atual, o Marcelo Queiroga, que usa máscara e o Bolsonro não usa. O ministro defende isolamento e o presidente aglomera. O ministro diz uma coisa e o presidente faz outra.

CC: Alguns disseram que o senador Renan exagerou no discurso. O que o senhor acha?

OA: Ele fez um discurso citando o que tem acontecido no País. Teve uma linguagem no padrão parlamentar, com termos condizentes com o que aconteceu no Brasil. O que o Renan disse foi que o ideal é o general na guerra e o médico no hospital.

CC: O senador Flávio Bolsonaro defendeu regras sanitárias para questionar o fato de algumas audiências da comissão serem presencias. Como o senhor avalia?

OA: Achei positivo, pois ele enfim convenceu-se que o certo é fazer o distanciamento social e seguir as regras da ciência. Achei que ele mudou. Tomara que o pai dele mude também.

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