Política
Quem é o coronel Elcio Franco, pivô no escândalo da Covaxin e novo foco da CPI da Covid
O número 2 da gestão de Pazuello é apontado como principal negociador de vacinas no Ministério da Saúde
Senadores defendem um novo depoimento do coronel da reserva Antônio Elcio Franco Filho na CPI da Pandemia, após recentes informações levantadas. O militar ocupou o posto de secretário-executivo do Ministério da Saúde entre julho de 2020 e março de 2021, na gestão do general Eduardo Pazuello, e foi apontado como o principal negociador na compra da vacina Covaxin.
O escândalo da Covaxin se tornou a linha de investigação mais relevante da Comissão Parlamentar em relação a suposta prática de corrupção do governo na aquisição dos imunizantes. Essa etapa da CPI ganhou força em 23 de junho, quando o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) disse à CNN que havia provado ao governo, com documentos, uma fraude na compra da vacina indiana. Dois dias depois, em 25 de junho, Miranda acusou o presidente Jair Bolsonaro de não ter feito nada após saber de denúncias de irregularidades praticadas pelo líder do seu governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR).
Hoje assessor especial do Ministério da Casa Civil, chefiado por Luiz Eduardo Ramos, Elcio Franco já havia prestado depoimento em 9 de junho na CPI. Naquela ocasião, o ex-secretário havia sido questionado sobre a recusa do governo em adquirir a Coronavac, a obtenção de medicamentos sem eficácia comprovada contra a Covid-19 e a atuação do “gabinete paralelo”. Franco alegou que o governo resistiu a comprar a vacina chinesa por incertezas sobre a aprovação da fase 3 dos testes clínicos, mas disse que as negociações com o Instituto Butantan nunca foram suspensas. Também afirmou que o Ministério da Saúde adquiriu cloroquina em 2020 para o tratamento da malária, e não do coronavírus. Disse ainda que o tal “gabinete paralelo” não exerceu pressão sobre a pasta, e que a falta de respostas à Pfizer se deveu ao ataque de um vírus no sistema de comunicação do governo e à discordância com as cláusulas exigidas pela empresa americana. Na época, o relator, Renan Calheiros (MDB-AL), disse que o depoimento tinha “buracos”, e o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), afirmou que não acreditava na versão de que o governo tinha interesses em acelerar a vacinação.
Um novo depoimento de Elcio Franco poderia ajudar a esclarecer se houve ou não superfaturamento no contrato da Covaxin
Depois que o escândalo da Covaxin estourou, ascenderam suspeitas de que os atrasos em adquirir vacinas de outras empresas teriam relação com práticas de superfaturamento. No caso, obter a Covaxin seria mais interessante, porque favoreceria a representante da farmacêutica Bharat Biotech no Brasil, a Precisa Medicamentos, cujo dono, Francisco Maximiano, seria próximo a Ricardo Barros. Foi em 25 de fevereiro que o Ministério da Saúde assinou um contrato com a Precisa Medicamentos, para a aquisição de 20 milhões de doses da Covaxin. O valor do contrato foi de 1,61 bilhão de reais, o que faz com que cada dose tenha saído a 15 dólares, o preço mais alto pago pelo governo federal por uma vacina contra a Covid-19. O governo diz que não efetivou a compra, mas o contrato manifesta a intenção da aquisição, e isso gera suspeitas na CPI. Renan Calheiros disse que foram requisitadas, com a assinatura de Elcio Franco, mais 50 milhões de doses à Precisa Medicamentos, além das 20 milhões anteriores.
Maximiano, o dono da Precisa, foi convocado para ir à CPI em 23 de junho, mas o depoimento foi cancelado porque ele estava em quarentena. Depois, ficou previsto que ele deporia em 1º de julho, mas o Supremo Tribunal Federal lhe deu o direito de ficar calado. Nessa data, então, o Senado preferiu ouvir o empresário Luiz Paulo Dominguetti, envolvido em outro escândalo sob investigação, relativo à AstraZeneca. Maximiano se manifestou mesmo assim, mas por documentos enviados à CPI, negando as acusações de corrupção e dizendo que Luis Miranda mentiu à CPI.
Um novo depoimento de Elcio Franco poderia ajudar a esclarecer se houve ou não superfaturamento no contrato da Covaxin. Em 23 de junho, dia que Luis Miranda deflagrou o caso, Elcio Franco participava junto ao ministro Onyx Lorenzoni de uma coletiva para rebater as denúncias. Na ocasião, Lorenzoni negou sobrepreço e disse que Miranda apresentou uma nota fiscal falsa para sustentar a acusação. O governo chegou a determinar que o deputado fosse investigado pela Polícia Federal, por fraude processual e denunciação caluniosa. Para provar que Miranda mentiu, Lorenzoni apresentou outros dois documentos. Segundo Lorenzoni, havia três versões da nota fiscal: uma, apresentada por Miranda, seria falsa; as outras duas, apresentadas pelo governo, as legítimas.
O número dois de Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, Elcio Franco. Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
Mas há quem diga o exato oposto: é o governo que estaria apresentando documento falso. Foi o que sugeriu a senadora Simone Tebet (MDB-MS), na última terça-feira 6. Ela exibiu no telão da CPI o documento mostrado por Lorenzoni e apontou erros de inglês e outros itens que representariam indícios grosseiros de fraude. Nesta sexta-feira 9, foi a vez do relator Renan Calheiros de dizer que o documento é falso — após o depoimento de William Santana, técnico da Saúde, expor contradições no discurso do governo. Calheiros, então, propôs que a CPI convoque Lorenzoni na semana que vem para esclarecer o caso. Já o presidente da CPI quer uma acareação para colocar Lorenzoni e Miranda frente a frente e ver quem está mentindo.
Na quarta-feira 7, Franco voltou à tona com o depoimento de Roberto Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde. Dias declarou que Franco era quem negociava a Covaxin no Ministério. Pensava-se que Dias fosse o negociador, já que comandava a Logística, mas ele disse que foi o próprio governo que decidiu intervir e deixar a tarefa para a Secretaria Executiva da pasta. A convocação de Franco para um novo depoimento foi solicitada pelo senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Veio a público também, nesta sexta-feira 9, um novo fator que aumenta suspeitas de que Elcio Franco é um dos principais responsáveis pelo atraso na imunização. Segundo revelou a revista piauí, com base em dados do Tesouro Nacional, o coronel autorizou as Forças Armadas a usar mais de 110 milhões de reais que eram destinados à vacinação. O dinheiro teria sido empregado na compra de combustível e de peças de aeronaves.
A participação de militares em supostas falcatruas motivou uma declaração ácida de Omar Aziz, que disse que havia um “lado podre” nas Forças Armadas. A cúpula fardada, no entanto, ficou bastante desagradada e reagiu com uma mensagem considerada como golpista. Quem também ficou incomodado foi o próprio Bolsonaro, que, diante de cobranças para se explicar à CPI, afirmou que está “cagando”.
Elcio Franco também faz o tipo truculento. Ficou conhecido por andar com um broche na roupa com o símbolo de uma faca na caveira e por ter sido gravado expulsando grosseiramente um garçom que servia seu gabinete, em julho do ano passado. Pelo seu currículo, era de se esperar um expert em gestão – o que não ficou muito claro, para dizer o mínimo, diante do desastre da condução do governo na pandemia. O coronel informa graduação em Ciências Militares e Administração de Empresas pela Academia Militar das Agulhas Negras e uma pós-graduação lato sensu com MBAs em Gerenciamento de Projetos e em Gestão Estratégica pela Fundação Getúlio Vargas. Também fez mestrado stricto sensu em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Atuou por 39 anos como militar da ativa, foi gestor público e ordenador de despesas e trabalhou também secretário estadual de Saúde de Roraima e como consultor-geral do Município de Boa Vista (RR).
Elcio Franco era secretário executivo do Ministério da Saúde quando Manaus viveu a tragédia da falta de oxigênio. Também foi sob a sua batuta que o governo apresentou um Plano Nacional de Imunização só depois que o Supremo Tribunal Federal mandou. O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) reclamou: disse que o documento era falho e que os cientistas citados não haviam sido consultados. Além disso, era com Elcio Franco que a Pfizer – a empresa dos 81 e-mails não respondidos – “negociava” diretamente a vacinação, segundo Carlos Murillo, presidente da farmacêutica no Brasil, informou na CPI.
O médico sanitarista Gonzalo Vecina disse que o Brasil poderia ter imunizado toda a sua população até maio deste ano se não tivesse atrasado a vacinação. “Todos os que morrerem a partir de maio têm o endereço de quem os matou: o Planalto”, afirmou o pesquisador, em entrevista recente a CartaCapital. De 31 de maio para cá, mais de 50 mil pessoas morreram por Covid-19 no Brasil, e chegamos à marca nacional de 531 mil óbitos pela doença, de acordo com as atualizações mais recentes do Conselho Nacional de Secretários de Saúde.
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