Política

Pré-campanha de Moro vive fase de ‘separação de corpos’ com o Podemos

O ex-juiz tem participado de eventos com público reduzido, nos quais fala, basicamente, para antigos apoiadores e fãs da Lava Jato

O ex-juiz Sergio Moro. Foto: Nelson Almeida/AFP
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Um jantar no restaurante do Hotel Intercontinental, na Bela Vista, em São Paulo, encerrou o dia de gravações de peças publicitárias do presidenciável do Podemos, Sérgio Moro, em 25 de fevereiro. A refeição no ambiente praticamente vazio, que fez acompanhado apenas da mulher, a advogada Rosângela Moro, simbolizou, em certa medida, a rotina do ex-juiz na pré-campanha – marcada nos últimos meses por eventos pouco concorridos e sem a presença de líderes partidários.

Desde que se filiou e se lançou na corrida ao Palácio do Planalto, Moro permanece na faixa de 10% nas pesquisas de intenção de voto. Sua agenda de pré-campanha também não deslanchou. O ex-juiz tem participado de eventos com público reduzido, nos quais fala, basicamente, para antigos apoiadores e fãs da Lava Jato. E ainda não conseguiu arregimentar apoios relevantes.

Moro enfrenta desgastes internos no Podemos. Diante dessa situação, ele se cercou de um grupo de confiança, apartado da cúpula do partido. A exemplo do ex-juiz, alguns dos integrantes desse núcleo são novatos em eleições.

O presidenciável tinha delegado a articulação política à presidente do Podemos, Renata Abreu. Além do Movimento Brasil Livre (MBL), composto por entusiastas e correligionários de Moro nenhum outro acordo relevante foi costurado. “Esses apoios, muitas vezes, são mais relevantes que os partidos”, disse o ex-juiz, em evento do banco Credit Suisse. A relação com o MBL, porém, foi abalada pelos áudios vazados de Arthur do Val (Podemos) – o deputado estadual admitiu que fez declarações machistas sobre mulheres ucranianas. Ele rompeu com o parlamentar, que desistiu da pré-candidatura ao governo de São Paulo.

Segundo relatos colhidos pela reportagem com integrantes da pré-campanha e do Podemos, Moro tem resistido a potenciais acordos partidários. Recentemente, se esquivou de um encontro com o presidente do PSD, Gilberto Kassab. A assessoria de Kassab informou que Renata Abreu o teria procurado – como parte de um esforço para falar com vários partidos -, mas a visita não se concretizou.

O PSD filiou o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), com o objetivo de lançá-lo à Presidência. Pacheco indica que não vai disputar o Planalto, e Kassab tenta, agora, atrair o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), fazendo dele o candidato presidencial do partido. A legenda, porém, pode abandonar a candidatura própria para se alinhar ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Após um entusiasmo inicial, parte do Podemos passou a ver com reticências a candidatura de Moro. A direção da sigla tem sido pressionada por parlamentares a não destinar altas quantias à campanha presidencial. Líderes regionais e egressos do PHS – que foi incorporado pelo Podemos – preferem eleger deputados e engrossar a fatia da agremiação partido nos fundos partidário e eleitoral.

Renata Abreu chegou a admitir a possibilidade de Moro migrar para o União Brasil. Líderes do União Brasil, como Luciano Bivar conversaram com o ex-juiz, mas as negociações não avançaram. Na bancada da nova sigla, que terá quase R$ 1 bilhão em recursos públicos para as campanhas, há resistência ao nome de Moro.

A falta de sintonia na pré-campanha estimulou aliados do ex-juiz a iniciar a captação de recursos para custear futuras despesas. Moro se tornou inseparável do advogado Luis Felipe Cunha, de quem é amigo há mais de uma década. Cunha nunca se envolveu com campanhas, mas foi nomeado coordenador da pré-candidatura.

“Eu e Sérgio Moro somos amigos há muitos anos e nos conhecemos por intermédio de amigos em comum”, disse o advogado. Especialista em contencioso, ele teve em sua clientela a Petrobras – que esteve no centro da Lava Jato -, o Sesc de Brasília e jogadores de futebol.

Cunha cumpre a tarefa de tentar atrair apoiadores de Moro entre empresários. Ao lado do ex-juiz, o advogado teve encontros com nomes do setor de equipamentos hospitalares. Os dois também se reuniram com o empresário do ramo educacional Wilson Picler. Em 2018, Picler doou R$ 800 mil ao PSL e apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro. Cunha ainda tem aproximado Moro de Paulo Marinho empresário que rompeu com o presidente.

A interlocutores, o advogado tem dito que a meta é arrecadar R$ 25 mil por mês de um universo de aproximadamente 40 empresários. A ideia é ter R$ 1 milhão mensal para a campanha. A investida foi noticiada pelo portal Metrópoles e confirmada ao Estadão por agentes da campanha e do Podemos. Responsável pela comunicação do partido, Fernando Vieira afirmou que a legenda não “separou saldo ou conta apartada”. “Existe essa questão proposta pelo Luis Felipe e pelo Moro. A possibilidade da criação de uma linha de doação para a campanha que tivesse um controle diferenciado de acesso à transparência, embora a transparência do Moro seja altíssima”, disse Vieira.

Partiram de Cunha as mudanças no marketing eleitoral. Vieira, primeiro marqueteiro a atuar com o ex-juiz, acabou descartado. Seu posto original ficou com Pablo Nobel. Tem se mantido próximo da pré-campanha também Paulo Vasconcelos, que trabalhou para Aécio Neves (PSDB) em 2014 e, depois, foi delatado por executivos da Odebrecht por supostamente receber doações via caixa 2 em 2014 e 2010.

“Posso dizer que ele (Paulo Vasconcelos) foi uma das pessoas que me sugeriram o nome de Pablo Nobel para o marketing da campanha. Pablo e Paulo são amigos de longa data e tiveram experiências profissionais em conjunto.

Hoje, o Paulo está envolvido em um grande projeto no Rio de Janeiro. Mas, como fã do Moro, ele contribui com sugestões para a estrutura de comunicação da campanha”, afirmou Cunha.

Integrantes do Podemos se dizem descontentes com as escolhas, uma vez que o partido já contratou marqueteiros. Um dirigente resumiu o atual momento da relação, ao afirmar que a legenda e a pré-campanha de Moro vivem uma “separação de corpos”.

O advogado de Vasconcelos, Paulo Crosara, disse que as alegações dos delatores são “improcedentes”. “Eles não podem provar o que estão falando, porque não aconteceu, são afirmações para conseguir a delação. Isso será provado na Justiça.” A reportagem não conseguiu contato com Paulo Marinho.

Pré-candidato tem eventos esvaziados e sem dirigentes da sigla

O afastamento de Sérgio Moro da cúpula do Podemos se reflete na agenda do presidenciável. Ele tem participado de diversos eventos com pouco público e, às vezes, sem nenhum dirigente partidário. Nem a presidente da sigla, Renata Abreu, comparece a algumas das reuniões.

Em São Paulo, em fevereiro, o ex-juiz esteve em encontro do movimento “Mulheres com Moro”, que não é ligado ao partido. O público no Teatro Bibi Ferreira preencheu metade de cinco das 14 fileiras do teatro. O espaço na parte superior ficou vazio. “Minha geração foi enganada”, afirmou a líder do movimento, a professora Patrícia Garcia, em meio a falhas no microfone. Moro chegou a ter de falar sem o equipamento, por causa de problemas técnicos no som.

O evento contou com representantes da “República de Curitiba”, grupo que acampava na porta da Justiça e do Ministério Público Federal no Paraná para comemorar prisões da Lava Jato. O deputado Junior Bozzella (SP), uma das solitárias vozes no União Brasil que encampa a ida de Moro para o partido, estava ao lado do pré-candidato.

Em Juazeiro do Norte (CE), Moro recebeu o título de cidadão do município em evento com a presença do prefeito, Glêdson Bezerra (Podemos), também esvaziado.

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