Política

“Só a vitória do campo progressista evita a convulsão social”

Em Minas Gerais e no País, o eleitor vai escolher entre o Brasil de Lula, da esperança, e o golpismo, afirma o governador, candidato à reeleição

Pimentel: 'Temos a obrigação de manter a candidatura do Lula até o limite possível'
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A agitação dos assessores políticos perturbava o clima bucólico nos arredores da ampla recepção do Palácio das Mangabeiras, a residência oficial dos governadores mineiros, de estilo modernista, construída nos anos 1950 a mando de Juscelino Kubitschek.

Mais de 12 horas após o fim da convenção do PT que confirmou a candidatura à reeleição de Fernando Pimentel, detalhes cruciais ainda não estavam resolvidos. Quem seria o vice? Quem ocuparia, ao lado de Dilma Rousseff, a outra vaga ao Senado na chapa? O PSB, conforme acertado nacionalmente, conseguiria demover o ex-prefeito Marcio Lacerda da intenção de entrar na Justiça para manter seu nome na disputa estadual? O MDB iria ou não integrar a aliança? 

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Atento às negociações, o governador esforçou-se por cerca de uma hora, durante a entrevista, para se manter distante das conversas. Os sérios problemas de caixa do governo, herdados, afirma, dos anos do PSDB e agravado pela crise econômica nacional, não o desanimam.

Ele se diz confiante na vitória em outubro, afirma nunca ter pensado em desistir de concorrer e acredita que, em Minas Gerais e no País, a polarização será novamente fundamental na decisão do eleitor. Os brasileiros, afirma, vão escolher entre o Brasil de Lula e a turma de Temer, dos tucanos e do Centrão. 

CartaCapital: O senhor, desde o início da gestão, enfrenta problemas: a Operação Acrônimo, a situação fiscal do estado que levou ao atraso dos salários dos servidores… O que o anima a disputar a reeleição?

Fernando Pimentel: Entrei na militância política 50 anos atrás, em 1968. Naquele tempo era mais difícil, pois vivíamos em uma ditadura. O meu lado era o da juventude, da busca da liberdade, da igualdade social. Há 50 anos estou desse lado.

Nunca houve dúvidas a respeito da minha identidade política e ideológica. Sou desse campo e morrerei nele. Governo o segundo ou terceiro estado em importância política. Os mineiros acham que é o primeiro (risos)… Não vou abandonar o barco em um momento delicadíssimo da vida brasileira. Tenho compromisso com essa luta e ela vai ficar muito explícita. As eleições de outubro, em todos os níveis, serão uma disputa de campos políticos. 

CC: Reformulo a pergunta: os dois últimos anos foram muito difíceis e nada indica que os próximos quatro serão mais fáceis, do ponto de vista fiscal e de gestão. O que o senhor tem a oferecer aos eleitores mineiros?

FP: Vou trabalhar com ao menos três ideias. Primeiro, dizer a verdade. É o que faço desde o início. O estado está quebrado, assim o herdamos. Ele tem um problema estrutural gravíssimo, semelhante ao de outras unidades da federação e da União, que precisa ser resolvido. 

CC: Qual?

FP: A Previdência do setor público. Falarei disso mais adiante. A segunda ideia é mostrar para a população que somos diferentes. Tomo aqui a expressão do Lula: nunca antes na história deste estado houve um governo do campo democrático e popular como o meu. Governamos para e com os mineiros. Criamos mecanismos de consulta que funcionam e têm mudado a realidade estadual. Somos uma administração de diálogo e participação. 

CC: As pesquisas de opinião não lhe são favoráveis.

FP: Não falo aqui de pesquisas de opinião. Falo da grande decisão em 7 de outubro, quando os eleitores irão às urnas. O eleitor vai decidir entre um governo que, apesar das dificuldades, abre as portas aos cidadãos ou um outro modelo, tradicional, que nunca deu bola para as demandas populares ou regionais.

Por fim, vou fazer uma disputa de definição de campos. Os cidadãos, imagino, levarão em conta a divisão das forças políticas. De um lado estão aqueles que lutam por um Brasil democrático e solidário… O Brasil do Lula. Do outro estão Michel Temer, os tucanos, o Centrão. A polarização terá um grande peso na decisão de votos. Não é o PT que estimula o “nós” contra “eles”. Foi o povo que estabeleceu a diferença. 

‘Anastasia e Aécio são siameses’ (Foto: ABr)

CC: O senador Aécio Neves desistiu da reeleição para disputar uma vaga de deputado federal, uma maneira de ter uma atuação mais discreta e não atrapalhar Antonio Anastasia. A estratégia será expor essa relação?

FP: Não estou muito preocupado com a estratégia dos adversários. Vou fazer uma campanha de proposição, baseada, como disse, na verdade, no modelo e no campo político. A identificação do Anastasia com Aécio é automática. São quase siameses, unha e carne. O Anastasia era o grande gestor dos governos do Aécio. Esteve à frente de todas as decisões. Não há como ele se eximir.

Eu estou com o Lula, com a Dilma, candidata ao Senado no estado. O grande aliado do Anastasia quer ficar oculto. Tenta-se, como afirmou o Lula, cozinhar um “escondidinho de tucano”. Mesmo oculto, todos os mineiros sabem quem ele é: o senador Aécio Neves. 

CC: Como resolver o déficit da Previdência pública?

FP: Em Minas Gerais, quando se retiram da conta do orçamento os gastos com a Previdência pública, há um superávit de 8 bilhões de reais. Arrecadamos de 5 bilhões a 5,5 bilhões de reais em contribuições previdenciárias, mas pagamos 21 bilhões em aposentadorias. Ou seja, o buraco é de 16 bilhões de reais. O que era um superávit de 8 bilhões vira um déficit de 8 bilhões de reais. Em resumo, o saldo negativo das contas em Minas é totalmente produzido pela Previdência dos funcionários. Há um problema de mérito que precisaria ser discutido com a sociedade. 

CC: Qual?

FP: Quem paga impostos acha que o dinheiro vai para a escola do filho, para o posto de saúde, mas não. Ele cobre esse déficit das aposentadorias. Acontece o mesmo na União. Só que o governo federal emite títulos e transforma o rombo em dívida. No caso dos estados, vira atrasos de pagamento. Deixamos de pagar fornecedores, professores, médicos… Precisamos de um modelo em que o pagamento dos aposentados não dependa mais do Tesouro. 

CC: Como?

FP: A melhor proposta seria criar fundos de Previdência como a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil. A responsabilidade pela gestão passa aos servidores e os governos realizam uma capitalização inicial com tudo o que puderem: ações das estatais, imóveis, arrecadação que não venha de impostos. E cria-se uma regra de transição de dez anos, na qual a participação do Estado na cobertura do déficit caia ano a ano. 

CC: A reforma no governo Dilma Rousseff, nunca regulamentada, não previa esse modelo?

FP: Naquele caso, o fundo era complementar e optativo. Não resolvia o déficit. 

CC: Valeria só para os novos contratados ou para os atuais?

FP: Essa é a discussão. Para os novos contratados também funciona, mas o resultado prático sobre as contas públicas só vai aparecer em 30 anos. Com uma regra de transição, sem ferir direitos, para todos, a mudança seria mais rápida. Nos países ricos funciona assim há muitas décadas. E os fundos de funcionários públicos de fora do Brasil são poderosíssimos, têm investimentos no mundo inteiro. 

CC: Fora a questão da Previdência pública, o que precisaria mudar?

FP: Muita coisa. O Brasil ficou anacrônico. O sistema tributário é esquizofrênico. 

CC: O que o senhor acha da proposta do PT de cobrar um imposto para regular os juros cobrados pelos bancos?

FP: É uma ideia nova e oportuna. Alguma tributação sobre o mercado financeiro terá de ser criada. O que os bancos ganham no Brasil não é compatível com o tamanho da nossa economia. Em nenhum outro país as instituições financeiras registram lucros tão altos. Há algo muito errado quando a taxa básica de juros está em 6,5% ao ano e o cartão de crédito cobra 400%.

Em todos os campos, o Brasil ficou anacrônico. A legislação penal é outro ponto a se discutir. O modelo carcerário é insustentável, agravado por essa determinação de prisão em segunda instância. Não falo isso por causa da Lava Jato. A polícia, por seu turno, queixa-se. Diz que prende e o juiz solta. Prendemos muitos, processamos mal e não atingimos o objetivo de conter o crime. 

CC: Minas Gerais foi alvo de ataques recentes a ônibus e a prédios públicos. A reação não demorou?

FP: Foi uma ação do PCC, concluiu a investigação. O motivo alegado foi uma reação ao rigor do sistema carcerário mineiro, principalmente em relação a presos ligados a facções. A ordem veio de um presídio paulista.

Reagimos com toda a força possível. É um tipo de crime terrível, pois não há como prevenir ou evitar. Mas conseguimos prender integrantes do PCC que estavam soltos e vieram de São Paulo para cá. Além de serem difíceis de combater, os ataques geram um efeito demonstração ruim. É fácil colocar fogo em ônibus e qualquer criminoso pode recorrer ao mesmo método. 

CC: O senhor, que chegou a defender uma aliança com Ciro Gomes, aprova a decisão de uma chapa puro-sangue Lula e Fernando Haddad, com Manuela D’Ávila no banco de reservas?

FP: É a opção possível. Houve uma tentativa de composição com o Ciro, mas ele não reagiu bem, tem sido muito ácido ao falar do PT e do Lula. De qualquer maneira, considero o Ciro uma personagem importantíssima nesse cenário. Tem de estar no jogo. Foi ele quem recusou o posto de vice na chapa. 

CC: O ideal não seria uma única candidatura desse campo?

FP: Não vejo problemas em ter mais de uma. O PT precisa e vai manter o Lula candidato até o limite possível. Ele tem o direito de disputar a eleição, sob pena de a gente se conformar com uma situação absurda. A condenação do ex-presidente é juridicamente insustentável e injusta. O que o juiz Sergio Moro fez neste processo e faz nos outros é claramente parcial. Ele deveria ser afastado dessas ações. É uma aberração, reconhecida internacionalmente.

Se, lá na frente, o Lula for impedido, teremos um candidato. Vamos esperar. Acho fundamental vencer estas eleições. O Brasil precisa de uma vitória de alguém do campo progressista. Ou corremos o risco de mergulhar em uma convulsão social. 

CC: Como lidar com o poder crescente das corporações de Estado, entre elas o Ministério Público e a Polícia Federal?

FP: Não existe um vazio no poder. As corporações de Estado exercem hoje o papel de classe dominante. A magistratura, o Ministério Público, os altos funcionários da Receita, da Polícia Federal… Esse contingente social não pode desempenhar essa função. Imagina se nos Estados Unidos um ministro do Supremo Tribunal Federal discute com os planos de saúde ou com o setor de transportes o valor de tarifas ou suas regras de funcionamento. O Ministério Público dá as ordens nas empresas e nas estruturas estatais. Quem controla? Ninguém. 

CC: O senhor acredita que, como em Minas, teremos na eleição presidencial a repetição da disputa PT vs. PSDB?

FP: A incompetência dos tucanos é tão grande que eu não descartaria Bolsonaro no segundo turno. O Brasil está em uma encruzilhada.

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