Política

“Partidos perderam medo da vantagem que lista fechada daria ao PT”

Ex-relator da reforma política, Henrique Fontana afirma que a atual simpatia das legendas pelo modelo é uma busca por “autoproteção”

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Nesta terça-feira 4, o deputado Vicente Cândido (PT-SP) apresentou seu relatório parcial à comissão que debate a reforma política na Câmara dos Deputados. Entre os principais pontos da proposta, está a adoção de um sistema de lista fechada nas duas próximas eleições legislativas, alternativa vista com bons olhos pelos partidos da base aliada de Michel Temer. Se prosperar a mudança, historicamente defendida pelo PT, os eleitores passarão a votar nas legendas, e não em candidatos isolados ao Congresso. 

A partir de 2026, Cândido recomenda, porém, a adoção do sistema distrital misto, em que metade dos parlamentares será eleitá pela lista fechada, e o restante pelo voto direto em candidatos distribuídos em distritos a serem definidos. O voto exclusivo em legendas como regra de transição reforça as críticas de parte da população à reforma, vista por muitos como uma forma de garantir a sobrevivência parlamentar dos atuais deputados e senadores, temerosos do impacto das investigações da Lava Jato sobre suas carreiras.

Relator da reforma política na legislatura passada, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) defendia a adoção parcial de um modelo de lista fechada como forma de valorizar partidos com conteúdo programático. Hoje, considera que a mudança seria uma “autoproteção” de deputados e senadores caso não haja instrumentos para a população escolher a lista de candidatos dos partidos. Apesar de sua experiência no tema, o deputado diz não ter sido consultado por Cândido, seu correligionário, sobre a atual proposta de reforma política. 

Quando Fontana era relator da matéria, durante o primeiro mandato de Dilma, a resistência do campo conservador ao voto em legendas era alta. “Muitos deputados criticavam o sistema de lista fechada pois sabiam que, já na arrancada, 20% a 25% do Parlamento ficaria nas mãos do PT.” Com o momento difícil pelo qual passa a legenda, Fontana reconhece que os atuais aliados de Temer perderam esse temor. “Os partidos migraram para uma posição mais simpática à lista fechada porque eles perderam o medo da vantagem que um partido como o nosso teria.”

Na entrevista a seguir, o deputado sugere a adoção de primárias obrigatórias e abertas à população para a definição da lista partidária, uma forma, segundo ele, de permitir ao cidadão ter controle sobre a escolha dos parlamentares da legenda caso a lista fechada seja aprovada. “Se o Parlamento buscar qualquer tipo de votação que se assemelhe às tentativas de anistiar o caixa 2, ou pareça mais um capítulo da ‘operação Jucá’, de ‘estancar a sangria’, a população brasileira se levantará contra.”

CC: Como relator da reforma política na legislatura passada, o senhor acha que este é um momento adequado para esse debate ser feito?
Henrique Fontana: É preciso dizer que o atual Parlamento tem um déficit de legitimidade muito grande. Sempre é positivo que se busque alguma melhora no sistema político, mas este Congresso não tem respaldo para fazer uma reforma política estrutural e profunda como o País precisa. O Parlamento deveria reconhecer esse déficit de legitimidade e convocar uma Constituinte exclusiva para realizar uma reforma mais estrutural. Segundo ponto, é inaceitável que se vote um sistema de lista fechada com os atuais deputados na ponta da lista. Isso seria um privilégio, seria uma espécie de autoproteção. O Brasil não pode e não deve aceitar.

CC: O que poderia ser feito para impedir essa autoproteção?
HF: Sou autor de uma proposta, que acabei de redigir, de criar primárias abertas para a população escolher o ordenamento de lista, qualquer que seja o sistema a ser eventualmente adotado. Por quê? Se o Parlamento decidir votar o sistema distrital misto, a metade virá por meio de lista. Se optar por uma lista flexível, estilo sistema belga, também é preciso ordenar a lista. Se for apenas lista fechada, a emenda é ainda mais importante.

“Se o Parlamento buscar uma solução que pareça mais um capítulo da ‘operação Jucá’, a população brasileira se levantará contra”

O seguro, o antídoto que garante um processo efetivamente democrático são as primárias abertas, que deem o direito de qualquer cidadão votar. Elas têm que ser obrigatórias a todos os partidos e simultâneas. Podemos aplicar uma regra que, 120 dias antes da data da eleição, as urnas eletrônicas estejam disponíveis e a Justiça Eleitoral organize primárias para qualquer cidadão ter o direito de escolher a lista de um partido para ordenar. 

Essas primárias teriam o poder de retirar a grande crítica ao sistema de lista fechada ou de lista parcial, como o caso do distrital misto: impedir que os chefes partidários possam organizar a lista a seu bel-prazer.

CC: Historicamente, o PT defendeu em diversas ocasiões um sistema de lista fechada, com a intenção de fortalecer os partidos e seus programas, mas as outras legendas rechaçavam a pauta. Por que a lista fechada passou a ser vista com bons olhos pelos partidos aliados de Temer?
HF: Os partidos migraram para uma posição mais simpática à lista fechada porque eles perderam o medo da vantagem que um partido como o nosso teria. Na época em que eu era relator, eles sabiam que, já na arrancada, 20% a 25% do Parlamento ficariam nas mãos do PT. Hoje eles não têm esse temor.

O mais importante não é isso. As qualidades que um sistema de lista fechada têm de fortalecer um programa ou um projeto político e facilitar a escolha e a fiscalização por parte do eleitor continuam a existir. Esse sistema pode permitir superar disputas ultrapersonalísticas e despolitizadas, o que também encarece as campanhas. Como alguém que estuda há muitos anos esse tema, continuo enxergando essas qualidades.

Só que foi colocado um componente negativo no voto em lista: a tentativa de uma parte do Parlamento de se proteger. Qual é a vacina para isso, como podemos entender a situação de cada político nessa mudança? Quem de fato quer usar o sistema de lista fechada e quer garantir o controle do cidadão, é só apoiar as primárias abertas. Elas resolvem o problema das manipulações da lista.

CC: Na proposta de Cândido, a lista fechada seria adotada apenas nas duas próximas eleições. A partir de 2026, o sistema adotado seria o distrital misto. Esse uso transitório da lista fechada reforça a impressão de que os parlamentares estão apenas buscando a autoproteção?
HF: Sim, e digo o seguinte: se o Parlamento buscar qualquer tipo de votação que se assemelhe às tentativas de anistia ao caixa 2, ou de somar à “operação Jucá” de “estancar a sangria“, a população brasileira se levantará contra. Quem de fato quer fazer um processo consequente de reforma política deve dizer com toda a transparência que vai haver um processo democrático, no qual o cidadão tenha a última palavra para ordenar uma lista. Se ele não tiver nenhuma influência nessa lista, nenhum sistema será aceito.

Se houver sinal ou indício de que o sistema eleitoral está sendo reformado para proteger os atuais deputados, uma comoção negativa será gerada no País. Tomara que o Parlamento brasileiro não provoque tanto a opinião pública a ponto de acontecer o que ocorreu recentemente no Paraguai.

CC: Uma possibilidade que tem sido aventada por aliados de Temer é a desconstitucionalização das regras eleitorais. Como o senhor vê essa possibilidade de aprovar uma reforma política por projeto de lei, e não por emenda à Constituição?
HF: É inaceitável. Um pacto de sistema eleitoral é o coração do poder, da democracia. Por isso, a maior parte das regras eleitorais só pode ser mudada com alterações na Constituição. É preciso ter estabilidade em determinadas regras e mudanças exigem uma pactuação grande.

“O Parlamentarismo significaria o Brasil
ter sido presidido
por Eduardo Cunha”

CC: E a volta dos debates sobre o Parlamentarismo?
HF: Sou totalmente contrário. O Parlamentarismo significaria o Brasil ter sido presidido por Eduardo Cunha. Mostra bem o que seria esse sistema no Brasil, lembrando todos os métodos que ele utilizou para construir a maioria na Câmara. Seria retirar o voto direto do povo brasileiro para escolher seu presidente e transferi-lo para intermediários. Boa parte desses parlamentares tem baixa credibilidade. Até por isso sou autor de emendas constitucionais para exigir a convocação de novas eleições assim que houver vacância da Presidência.

Em meu projeto, se a vacância ocorrer a menos de um ano e meio do fim do mandato, chamamos novas eleições e o País passaria a ser governado temporariamente pelo presidente do Supremo ou do Parlamento. O restante do tempo de mandato seria incorporado ao tempo do novo mandato. Imagine que o Temer fosse cassado, e ainda resta um ano e nove meses de mandato. O presidente eleito cumpriria esse tempo e também os quatro anos seguintes. Um ano na Presidência pode ser um tempo valioso, visto o estrago que Temer tem feito no curto período no poder.

CC: O senhor concorda com o fim dos cargos de vice no Executivo, como foi proposto por Cândido?
HF: Acho positivo. A história recente do Brasil mostra muitos vices conspiradores. O mais atual deles chama-se Michel Temer. É muito poder na mão de um político que pode desestabilizar o voto da população. Por mais que alguém tente dizer que Temer recebeu votos na campanha de Dilma, na democracia de fato, sem contarmos a filigrana jurídica, a população escolhe apenas o candidato ao Executivo.

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