Política

Pandemia torna eleitor mais pragmático e menos ideológico

Pesquisa revela que seis em cada dez brasileiros preferem que o governante oriente as ações pelos fatos

Foto: Nelson Jr./ASICS/ TSE Foto: Nelson Jr./ ASICS/ TSE
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O País polarizado que emergiu das eleições presidenciais de 2018 passa a ser mais pragmático do que ideológico nos pleitos municipais de 2020.

O eleitor que vai às urnas no próximo dia 15 de novembro e, em cidades que têm segundo turno, também no dia 29 deve escolher candidatos que demonstrem capacidade real para resolver problemas concretos.

“As eleições municipais são menos ideologizadas do que as demais. É como se fosse para escolher um síndico, pois o eleitor quer saber da vaga na creche, do asfalto da rua e do posto de saúde. Há um apelo de gestão cotidiana muito mais presente”, diz Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva e especialista em consumo e opinião pública.

Uma pesquisa encomendada ao instituto pelo RenovaBR mostra que seis em cada 10 brasileiros preferem que o governante oriente suas ações pelos fatos e não pelas ideologias.

Fonte: Instituto Locomotiva/ RenovaBR

Ainda segundo o levantamento, feito em 72 cidades de todos os estados do Brasil entre julho e agosto, os principais pontos de atenção que a população espera do candidato a prefeito são saúde, educação e combate à Covid-19.

Fonte: Instituto Locomotiva/ RenovaBR

“Nesta eleição, a questão ideológica tem menos a ver com esquerda e direita e mais a ver com a gestão sanitária com relação à pandemia. É como se o coronavírus fizesse com que o eleitor mudasse a polarização para quem defende a vida versus quem defende o vírus. Ou seja, na cabeça de quem vota, existem pessoas que negam a realidade e as pessoas que buscam soluções mais concretas”, afirma Meirelles.

Fonte: Instituto Locomotiva/ RenovaBr

Além das consequências da Covid-19, outro fator que contribui para disputas menos polarizadas é a ausência de uma legenda forte junto com o presidente Jair Bolsonaro.

“Agora, o que deveria ocorrer era o enraizamento do bolsonarismo nos municípios. Esse enraizamento teria mais forças se o presidente tivesse permanecido em seu partido, pois facilitaria a identificação dos eleitores. Com a saída dele, houve uma dispersão dos candidatos bolsonaristas e isso dificulta a identificação para o eleitorado”, analisa o cientista político Antonio Lavareda, que lançou recentemente o livro “Eleições Municipais, novas ondas na política” com Helcimara Teles.

Para Lavareda, diferentemente do pleito municipal de 2016 e do nacional em 2018, a bandeira anticorrupção não deve ser decisiva para a escolha do eleitor em 2020.

“Com dois anos de governo Bolsonaro houve uma mudança no cenário político, pois há um esvaziamento das pautas identitárias de um lado e, de outro, a própria pauta do combate à corrupção foi esvaziada à medida em que o governo dissentiu dos rumos da Lava Jato. A operação entrou em uma trajetória de declínio do ponto de vista do reconhecimento de sua relevância. Tudo isso combinado naturalmente desgasta o peso dessa bandeira. A batalha anticorrupção não promete ser uma bandeira capaz por si só de eleger muitos candidatos neste ano”, aponta.

O cientista político reforça que o tema pandemia será protagonista nas eleições 2020 na maior parte do País, que já perdeu mais de 160 mil vidas para a Covid-19.

“A população está com medo. No fundo, o eleitor antes de escolher em quem vai votar deve se fazer os seguintes questionamentos: o que o prefeito atual fez por nós no período?; será que os candidatos teriam sido muito diferentes?; como nossa cidade será construída a partir de agora?”, diz.

O apoio do presidente na visão do eleitor

O publicitário Lula Guimarães, nome forte na comunicação das campanhas a prefeito de João Doria (PSDB) em 2016 e de Geraldo Alckmin (PSDB) a presidente em 2018, afirma que, em geral, “o apoio dos presidentes a determinados candidatos não se traduz em força política local”.

Na análise, Guimarães acrescenta que no caso de Bolsonaro o eleitor já começa a enxergá-lo como “oportunista”.

“O Bolsonaro tem o próprio desgaste. Por exemplo, com o auxílio emergencial, que ele queria no valor de 200 reais e o Congresso colocou 600, nota-se que fez disso uma plataforma eleitoral para o cidadão mais pobre. Para o eleitor, o oportunismo começa a ficar evidente. Logo depois, ele percebe que o apoio do presidente não se traduz em uma vantagem direta”, afirma.

Dois anos após a eleição para presidente, as pesquisas de opinião pública mostram os candidatos bolsonaristas em desvantagem em várias cidades.

“Nas capitais, percebe-se que os partidos alinhados com o bolsonarismo não lideram as disputas. Até o momento, observa-se que o centro reflui em relação a 2016 e a direita avança. Mas a direita não é exatamente o bolsonarismo, que explodiu em 2018. Esta direita que é sobretudo representada pelo DEM, PSD e o PP”, cita Lavareda.

“Liderando as pesquisas nas 26 capitais, os candidatos do centro são 24%. Os candidatos da esquerda são 23% e os de direita são 50%”, completa o cientista político.

De acordo com Lavareda, a ausência de uma estratégia partidária do presidente, a pandemia e a guinada de Bolsonaro ao presidencialismo de coalizão ajudaram para a formação desse novo cenário.

“O presidente saiu do partido e deixou órfãos os partidários do PSL e não houve quem coordenasse a participação dessas forças nas eleições municipais. A pandemia mitigou a polarização política, pois as atenções convergem para o enfrentamento da Covid-19. Por fim, Bolsonaro deixa a confrontação e vai ao encontro de uma base de partido de centro-direita, o Centrão. Esses partidos ganharam dos eleitores do bolsonarismo maior legitimidade”, observa.

Ele conclui que o “apoio do presidente pode ser valioso para assegurar a presença de candidatos apoiados por ele no segundo turno, mas será insuficiente para garantir a vitória”.

Meirelles acrescenta que o pragmatismo característico de eleições municipais e a pandemia prejudicam o discurso ideológico do presidente. Ele cita como exemplos os candidatos Marcelo Crivella (Republicanos) e Celso Russomanno (Republicanos) no Rio de Janeiro e em São Paulo respectivamente.

“Eles têm dificuldades, e isso se deve à postura negacionista, já que os problemas são concretos e reais. O eleitor fica mais desconfiando de candidatos que lutam contra uma realidade”, diz.

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