Política

O que se sabe sobre a offshore de Guedes e como a oposição busca enquadrar o ministro

Divulgação dos Pandora Papers mobiliza deputados e senadores, que planejam até a criação de uma CPI para apurar os negócios do ministro

O ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Evaristo Sá/AFP
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As reportagens sobre os Pandora Papers sacudiram o cenário político nacional e internacional no domingo 3. Trata-se de uma apuração conduzida por 616 jornalistas de 117 países sob a coordenação do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos, o ICIJ. No Brasil, o impacto se deu pela descoberta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, recorreram a offshores em paraísos fiscais.

O caso de Guedes é o que desperta mais atenção. Segundo a investigação, executada no Brasil pelos veículos Poder360, Metrópoles, piauí e Agência Pública, o agora ministro de Jair Bolsonaro abriu, em 25 de setembro de 2014, a Dreadnoughts International, uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe. Nos meses seguintes, a empresa recebeu o aporte de 9,55 milhões de dólares (23 milhões de reais à época, 51 milhões de reais no câmbio atual).

A filha do ministro, Paula Drumond Guedes, compôs os quadros da empresa logo no início. Em 2015, tornou-se sócia a esposa de Guedes, Maria Cristina Bolivar Drumond Guedes.

A mera abertura de uma offshore não é ilegal, desde que os recursos sejam declarados à Receita Federal e ao Banco Central. Servidores públicos, no entanto, têm de atender a critérios específicos. O Código de Conduta da Alta Administração Federal determina, em seu artigo 5º, que:

“É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP [Comissão de Ética Pública] venha a especificar”.

Guedes manteve a offshore aberta mesmo após a entrada no governo Bolsonaro, em janeiro de 2019, em um cargo que lhe confere autonomia para propor e influenciar mudanças capazes de impactar suas aplicações fora do País. Ele diz ter informado a CEP sobre seus investimentos em contas no exterior dentro do prazo legal de dez dias.

Segundo o Ministério da Economia, “toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade”.

A situação de Guedes e Campos Neto, entretanto, entrou na mira de políticos de oposição e de instituições. A Procuradoria-Geral da República instaurou um procedimento de apuração preliminar sobre o episódio. Trata-se de uma “notícia de fato”, uma espécie de “pré-inquérito” que pode levar à abertura de uma investigação ou ser arquivada. O primeiro passo será enviar um ofício a Guedes e a Campos Neto para solicitar informações.

Mais cedo, o procurador-geral da República, Augusto Aras, já havia dito que deveria requisitar esclarecimentos. Afirmou Aras ao Poder360:

“Trata-se de uma notícia que foi publicada pela imprensa. Com todo respeito à mídia, não podemos fazer investigações com base em notícias. O PGR fará, como de praxe, uma averiguação preliminar. Vamos ouvir algumas pessoas e requisitar documentos. Depois é que vamos fazer um juízo de valor se é necessário pedir a abertura de um inquérito no Supremo Tribunal Federal, que é o foro para quando há ministros de Estado citados. Mas tudo será dentro do devido processo legal. A 1ª pessoa a ser ouvida será o ministro Paulo Guedes, que será oficiado e poderá com tranquilidade enviar todos os esclarecimentos. Podemos também oficiar órgãos de controle. Mas não faremos nenhum juízo de valor antes disso”.

O senador Randolfe Rodrigues, líder da oposição no Senado, já acionou o Supremo Tribunal Federal com uma notícia-crime para investigar as empresas de Guedes e Campos Neto, que também manteve empresas em paraísos fiscais mesmo após entrar no governo. “A conduta do Sr. Paulo Guedes, ocupante do cargo de Ministro de Estado da Economia, configura, em tese, o cometimento de crime de responsabilidade pelo Ministro –por violação à necessária probidade na administração”, escreveu Randolfe na peça. A oposição entende que Guedes também pode ter desrespeitado a Lei de Conflito de Interesses.

Também nesta segunda, a bancada do PSOL na Câmara dos Deputados anunciou que começará a recolher assinaturas para requisitar a abertura de uma CPI para investigar a offshore de Guedes.

“É inadmissível que, enquanto o povo passa fome, o braço direito de Bolsonaro lucre com inflação e alta do dólar”, disse Talíria Petrone (RJ), a líder do partido na Casa.

Em outra frente, o deputado Marcelo Freixo informou que, com o auxílio de outros líderes da oposição na Câmara, acionará o MPF para que investigue Guedes e Campos Neto. Freixo afirmou, em publicação em suas redes sociais, que “a legislação brasileira proíbe que membros da cúpula do governo mantenham esse tipo de negócio”.

O deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) também apresentou um ofício contra Guedes e Campos Neto à Procuradoria-Geral da República. Segundo o tucano, há configuração dos crimes de tráfico de influência, advocacia administrativa e improbidade administrativa. Frota também pede a “imediata” demissão dos dois envolvidos nos Pandora Papers.

Outro deputado a reagir nesta segunda é Ivan Valente (PSOL-SP). Ele anunciou uma representação na Comissão de Ética Pública e a disposição de, “com a oposição, entrar com outra representação no MPF e trabalhar por uma CPI que investigue as revelações dos Pandora Papers”.

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