João Sicsú

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Professor do Instituto de Economia da UFRJ, foi diretor de Políticas e Estudos Macroeconômicos do IPEA entre 2007 e 2011.

Opinião

No governo, Lula poderá voltar com o seu triplex

Como ministro, o ex-presidente pode retomar a busca por geração de empregos, inclusão social e distribuição de renda

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Sejamos petistas ou não. Sejamos da ultraesquerda ou não. Sejamos comunistas ou não. Todos deveriam reconhecer o passo extraordinário dado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no seu segundo governo (2007-2010). Lula lançou as bases para o desenvolvimento. Lançou as bases de um Estado de Bem-Estar Social. A direita reconheceu – e por isso teme Lula. Afinal, são números.

A direita quer e já está conseguindo derrubar aquilo que foi o verdadeiro triplex de Lula. Foi um triplex econômico e social: (no primeiro piso) crescimento com geração de empregos, (no andar do meio) inclusão social e (no andar de cima) distribuição de renda.  Esse foi o triplex construído por Lula.

A direita e, especialmente, seus segmentos mais elitizados não aceitaram o projeto de Lula e agora não aceitam a sua volta ao governo – ou ainda como candidato em 2018. O triplex econômico e social de Lula despertou ódio. Ódio que vem da alma, ódio de classe social, de rico contra pobre.

Estão revoltados (online e nas ruas também). Durante o segundo mandato do presidente Lula, carros foram vendidos aos milhões, travando as ruas e fazendo as velozes BMW e Porsche andarem na mesma velocidade dos carros populares. Trabalhadores de baixa renda passaram a frequentar aeroportos aumentando as filas do check-in – e deixando ricos impacientes. O filho do trabalhador ingressou na universidade pública e sentou na carteira ao lado do filho da elite.

Lula conjugou política de gastos públicos com políticas sociais e fortalecimento do Estado e das estatais. Lula estimulou, sim, o consumo, mas foi durante o seu governo que ocorreram as maiores taxas de investimento do período democrático recente – que, por ora, golpistas querem pôr fim.

Lula, que tem raciocínio econômico, não contrapôs o gasto de consumo ao gasto de investimento. Sem consumo não há investimento. Além disso, não demonizou o gasto público de custeio. Sabia que ao investir em novas universidades públicas e Cefets, por exemplo, o gasto de custeio aumentaria, porque prédios não podem ficar vazios, têm de ter professores, estudantes, funcionários etc.

A Petrobras, que em 2002 investia 8,1 bilhões de dólares, em 2010 passou a investir 45,1 bilhões de dólares. O resultado foi que a Petrobras descobriu muita riqueza no pré-sal (que os americanos associados aos líderes do PSDB estão de olho faz tempo). Mais ainda: o salário mínimo valorizou-se em termos reais mais de 70%.

O mercado interno de consumo absorveu 40 milhões de novos consumidores regulares. As vendas do comércio varejista aumentaram, entre 2002 e 2010, mais que 76%. O volume de crédito, apesar das altas taxas de juro, aumentou 74% no mesmo período. O pobre e o trabalhador passaram a ter sonhos e esperança.

Os resultados do triplex foram extraordinários. Vamos aos números do primeiro piso (a base): a economia cresceu, em média, no período 2007-2010, 4,4% ao ano – lembrando que tivemos de enfrentar um grave quadro internacional com a crise americana de 2008-2009. Foram gerados mais de 16 milhões de empregos somente no período 2007-2010 – sendo cerca de 9 milhões com carteira assinada.

O segundo piso do triplex (a inclusão social) também apresentou números significativos. Vários números podem ser citados em diversas áreas. Por exemplo, foram construídas mais que uma dezena de universidades federais. Foram contratados, através de concurso, mais de 30 mil professores para o ensino superior federal.

O número de alunos nas federais basicamente dobrou alcançando mais que 1 milhão de jovens. Em outra área: o número de domicílios com máquina de lavar aumentou de 34% (2002) para 51% (em 2011), o que possibilitou mais tempo livre para milhões de mulheres e homens poderem estudar, trabalhar ou conviver com suas famílias. Nesse piso do triplex, há muitos programas que podem ser citados: Minha Casa Minha Vida, ProUni, Fies, Reuni, Cotas, Luz para Todos etc.

No terceiro piso (o da distribuição da renda) há números muito bons também, mas não podemos deixar de constatar e denunciar que a desigualdade de renda e riqueza no Brasil ainda é muito alta (é inaceitável).

Aos números: em 1995, a participação das rendas do trabalho no PIB era de 49%; durante os governos de FHC, caiu de forma significativa para 46% (em 2003). Mas no fim de 2010 alcançou mais de 53%. A trajetória de queda foi revertida. Essa comparação entre rendas do trabalho e do capital dentro do PIB é essencial. Aqui se expressa a disputa por tudo que é produzido entre milhões de trabalhadores e a minoria de capitalistas (grandes empresários, rentistas, latifundiários…).

Com Lula no governo, vamos ter um novo governo. Agora, o governo das mudanças pode começar. Essa é a nossa vontade e são as nossas esperanças. Mudanças serão necessárias nas políticas econômicas. Mas a principal mudança já ocorreu: é a mudança de orientação política.

Será a política que deverá comandar a economia – e não o contrário. Sabemos que quem tem de decidir o modelo de política econômica é a liderança política. Os economistas apresentam as possibilidades e a técnica, mas a sensibilidade e a capacidade para decidir estão no âmbito da política. Há aqui um grande mérito da presidente Dilma: contra-atacou o golpe, colocando no seu governo a maior liderança política e popular contemporânea.

Só uma grande liderança política e popular poderá recolocar o País no caminho do desenvolvimento e animar as expectativas dos agentes sociais para fazer a economia crescer gerando empregos, inclusão social e distribuição de renda. Os membros do Conselho de Consultores Econômicos dos Estados Unidos (órgão de aconselhamento do presidente), no início dos anos 1960, ensinaram uma grande lição aos economistas (mas muitos ainda não aprenderam).

O presidente era John Kennedy. Os conselheiros, quando avaliavam propostas de crescimento (ou mesmo de reestruturação fiscal), diziam que a economia americana tinha uma variável-chave: a liderança de Kennedy, isto é, sem sua empolgação e capacidade de comunicação para animar os agentes econômicos qualquer proposta bem desenhada tecnicamente poderia falhar.

Agora, temos Lula no governo. Se ele colocar o seu verdadeiro triplex de volta para fazer rodar a economia e as engrenagens da sociedade poderemos esperar por dias melhores.

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