Entrevistas

‘Não vai ter golpe nenhum, é tudo blefe. Bolsonaro é um blefador’, diz cientista político

Para o professor Christian Lynch, as ameaças servem para que o presidente consiga negociar as condições de saída do poder

Foto: EVARISTO SA / AFP
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Para o cientista político Christian Lynch, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ), as reações do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral às ameaças de ruptura democrática feitas pelo presidente Jair Bolsonaro vieram no tempo certo.

“A situação chegou a um ponto de não retorno. Se o TSE fosse fazer algo mais adiante, não daria tempo de haver a possibilidade de um processo de inelegibilidade chegar ao fim. É uma questão de time. Eles têm que agir agora e Bolsonaro deu a senha” avalia. “Eles [os ministros] precisavam pressionar agora para ter munição e força.”

Na quarta-feira 4, o ministro Alexandre de Moraes acolheu uma notícia-crime encaminhada pelo TSE e abriu uma investigação contra o presidente no STF. Agora, Bolsonaro passa a ser formalmente investigado no âmbito do Inquérito das Fake News.

Em entrevista a CartaCapital, Lynch diz não acreditar que as intimidações presentes nos discursos de Bolsonaro venham a se tornar realidade. Para o professor, tudo faz parte de um cálculo político do mandatário.

“Ele não tem condição nenhuma. Para se dar um golpe, o país tem que ser muito pequeno e as instituições muito fracas. Em 1964, a mídia, o empresariado e partes dos governadores estavam propensos ao golpe. Hoje não se tem nada disso. O poder de Bolsonaro é muito mais fantasmagórico e fictício, inventado por rede social, do que algo real”, pontua. “Bolsonaro é um blefador que precisa da intimidação o tempo inteiro. A ideia de que ele pode dar um golpe é muito importante para intimidar os críticos e inimigos e para fazer crer aos seus eleitores que ele é capaz de dá-lo”.

Lynch classifica o governo de Bolsonaro como “um programa de auditório para ficar fazendo populismo”. “Embaixo [do governo] pode ter qualquer coisa: pode alugar para os militares, para os neoliberais, para o Centrão. Ele aluga para se manter ali em cima fazendo o show dele para capitalizar”, diz.

“A família Bolsonaro aluga a administração para não cair e fica um programa de auditório do presidente junto com os filhos. Tem a live que eu chamo de Show do Gado, o cercadinho é o Curral do Alvorada, tem o Sabadão Percevejo e o Domingão do Fascistão”, ironiza. “É levar o show ao Planalto. O Carluxo [o vereador Carlos Bolsonaro] é roteirista, [o senador] Flávio é produtor e o [deputado] Eduardo é o assistente”.

Para o professor, o objetivo principal de Bolsonaro, que nas pesquisas de opinião pública seria derrotado para o ex-presidente Lula, é sair do governo sem ir para a cadeia.

Confira a seguir.

CartaCapital: Como o senhor avalia as reações do STF e do TSE às ameaças de Bolsonaro?

Christian Lynch: Em primeiro lugar, eles não tinham mais opção, pois falta pouco mais de um ano para a eleição e é preciso começar a prepará-la. É evidente que o presidente não está preocupado com a verdade eleitoral. Pelo contrário, essa questão do voto impresso atende a diversas outras demandas, como a ideia de complicar a eleição e desviar o assunto da pandemia, da CPI, da corrupção e das fake news.

Para evitar tudo isso, os ministros Barroso e Moraes já tinham tentado explicar essa situação aos deputados com o intuito de acabar com essa gracinha golpista. Eles precisavam pressionar agora para ter munição e força. O TSE, às vésperas de uma eleição, não teria muito poder.

A família Bolsonaro aluga a administração para não cair. É um programa de auditório do presidente com os filhos

CC: Há condições dele cumprir o que promete?

CL: Tem dois golpes aí, na verdade. Bolsonaro mobiliza, no imaginário reacionário, a ideia clássica da revolução de que o povo vai para a rua e o Exército acompanha o povo. Mas não é esse o golpe que ele pode dar. O golpe viável para ele é comer pelas beiradas, é pressionar. O Judiciário brasileiro, por vários motivos, é o mais poderoso do mundo. Daí, desarmar esse Poder é um passo fundamental para instituir uma autocracia.

Mas o presidente não tem condição nenhuma para isso, pois, para se dar um golpe, o País tem que ser muito pequeno e as instituições muito fracas. Em 1964, a mídia, o empresariado e partes dos governadores estavam propensos ao golpe. Hoje, não se tem nada disso. O poder de Bolsonaro é muito mais fantasmagórico e fictício do que uma realidade. Não é que os ministros do TSE e do STF acreditem em um golpe, eles estão de saco cheio da palhaçada que está querendo atrapalhar as eleições.

CC: E por que o presidente insiste nesse discurso?

CL: O Bolsonaro precisa de uma base atualizada e de um inimigo permanente. A carreira dele é toda baseada em antagonizar com alguém que simboliza o comunismo. Ele, ao contrário, simbolizaria o conservadorismo e a liberdade — e espetaculariza de forma violenta, debochada e pública o seu antagonismo. É um clássico da baixaria fascista dos tempos modernos.

Ele tem que ter sempre alguém: ou é o Lula, ou Rodrigo Maia, ou Moro, ou Barroso. Agora, ele está batendo no TSE. A situação chegou a um ponto de não retorno. Se o TSE fosse fazer algo mais adiante, não daria tempo de haver a possibilidade de um processo de inelegibilidade chegar ao fim. É uma questão de time. Eles têm que agir agora e Bolsonaro deu a senha.

CC: Como o senhor vê o governo?

CL: A família Bolsonaro aluga a administração para não cair. É um programa de auditório do presidente junto com os filhos. Tem a live que eu chamo de Show do Gado, o cercadinho é o Curral do Alvorada.

Para fazer o populismo dele, pode ter qualquer coisa: alugar [o governo] para os militares, para os neoliberais, para o Centrão. Ele aluga para se manter ali em cima fazendo o show. Não vai ter golpe nenhum, é tudo blefe. Bolsonaro é um blefador que precisa da intimidação o tempo inteiro. A ideia de que ele pode dar um golpe é muito importante para intimidar os críticos e inimigos e para fazer crer aos seus eleitores que ele é capaz de dá-lo.

Na extrema-esquerda, o mito que mobilizava era o da revolução, que era a ideia de que o povo soberano por um ato de vontade conseguiria intervir no processo histórico e mudar radicalmente o estado de injustiça social. O mito da extrema-direita é a revolução ou golpe militar que vai restaurar um passado mítico de autoritarismo, autoridade e hierarquia. O Bolsonaro precisa o tempo inteiro acenar com o poder que ele teria para dar o golpe. Se ele perder essa credibilidade, se desvaloriza muito diante da base dele.

Em 1964, a mídia, o empresariado e partes dos governadores estavam propensos ao golpe. Hoje, não se tem nada disso

CC: O senhor escreveu no Twitter que Bolsonaro quer se reeleger para se livrar das punições de seus crimes. O que acha que acontecerá se ele perder a eleição?

CL: Ele sabe que, se perder a eleição, não tem como ficar no poder. Primeiro, parece que ele não queria ser presidente. Quem quis foram os filhos. Ele estava em uma boa lá, vivendo de xingar e lacrar, e de repente perceberam que a extrema-direita havia ganhado espaço.

Eles aproveitaram uma circunstância muito extraordinária de crise do sistema representativo do Brasil, que houve ali entre 2013 e 2018. Mas eles não tinham nem plano de governo. Se for pensar um pouco, há três anos, o que se tinha na campanha de Bolsonaro? Dois generais de pijama, um ator pornô, o Bolsonaro e três galos de rinha. É por isso que eles alugam esse governo para os outros.

O cálculo é ficar no poder enquanto puder, mas se não der é usar a Presidência para criar um partido forte para, quando eles saírem, terem de 20% a 25% do eleitorado. Tanto que Bolsonaro só governa para esses 25%, pois quer criar uma espécie de anti-PT e controlar a direita no Brasil. Se for reparar, a administração dele serve para cabide de emprego e para dar oportunidade para gente muito leal ou servil a ele lacrar e poder se candidatar depois.

A ameaça de golpe de melar a eleição é para ele conseguir negociar as condições de descida do poder. Ou seja, criar mecanismos de dissuasão, do tipo: se me prenderem eu faço a guerra civil, se vierem em cima de mim terá arruaça dos PMs. É a coisa da intimidação permanente.

CC: O bolsonarismo, portanto, é um movimento que fica?

CL: A chance desse movimento diminuir é se houvesse o impeachment, porque o afastamento faria o Mourão romper com o bolsonarismo, o que afastaria o Exército de Bolsonaro. Caso se separe o Exército de Bolsonaro, ele desaparece, pois perderia o poder das ameaças de golpe. Continuaria existindo a extrema-direita, mas seria menor. Se o impeachment não acontecer, ele vai continuar a usar as ameaças. O cálculo do Bolsonaro é: como sair dessa sem ir para a cadeia e continuar com as vantagens que levou da Presidência?

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