Política

“Moro vai tentar jogar nas costas do Glenn uma receptação”

Opinião é de Eugenio Aragão, ex-ministro da Justiça. Em Porto Rico, ‘Moro’ renuncia por caso similar

Eugênio Aragão (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Apoie Siga-nos no

Em 13 de julho, um consórcio de jornalistas de Porto Rico divulgou conversas privadas obtidas via Telegram pelo governante da ilha caribenha. Ricardo Roselló aparecia com comentários machistas e sexistas em chats com onze homens. A revelação levou a uma onda de protestos populares, e Roselló não aguentou. Em 24 de julho, anunciou que deixará o cargo em 2 de agosto.

É uma história parecida com aquela iniciada em 9 de junho pelo Intercept, noticiador de diálogos tidos no Telegram por Sérgio Moro, ministro da Justiça, reveladores da violação do dever de imparcialidade que os magistrados precisam ter. Com uma diferença: a maioria dos brasileiros até reprova a conduta do ex-juiz, conforme o Datafolha, mas não acha que ele deveria sair do cargo.

Com Moro no Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF) sob seu comando, quem tem a temer é Glenn Greenwald, do Intercept. “Moro é uma pessoa inescrupulosa. Ele não para diante de limites legais”, diz Eugênio Aragão, ministro da Justiça em 2016. “Não há dúvida de que Glenn é alvo do Moro. O que o Moro vai tentar fazer? Vai tentar jogar nas costas do Glenn uma receptação.”

Glenn Greenwald, o alvo do imparcial Sérgio Moro

Receptação, explica Aragão, subprocurador da República aposentado, é adquirir algo que, pelas circunstâncias, a pessoa sabe ser produto de crime. O risco da imputação do ilícito a Greenwald está no surgimento de 627 mil reais apontados como movimentação bancária atípica de um casal preso temporariamente em 24 de julho sob a suspeita de hackear Moro e outras autoridades.

Gustavo Henrique Elias Santos e Suelen Priscila de Oliveira tinham renda conjunta de 5 mil reais mensais. A movimentação de 424 mil por ele entre abril e junho de 2018 e de 203 mil por ela entre março e maio de 2019 estaria fora do padrão de renda do casal. Mas também foge de uma hipótese difundida por Moro em 2 de julho, em uma audiência pública na Câmara dos Deputados.

“Alguém com muitos recursos está por trás dessas invasões e o objetivo principal seria invalidar condenações da Operação Lava Jato e impedir novas investigações. Alguém com recursos porque não é uma tentativa de ataque a um celular, mas de vários, em alguns casos talvez com sucesso. O que não parece corresponder à atividade de um adolescente com espinhas na frente do computador”, disse.

O perfil dos quatro presos está mais para hacker com espinhas. Elias Santos, de 28 anos, é ex-DJ e ex-condenado por posse ilegal de armas. Suelen, de 25, “malemá” fez curso de informática, disse o pai à Folha. Danilo Cristiano Marques é motorista de Uber, faz curso de eletricista, já foi preso por roubo e depôs à polícia acompanhado de uma defensora pública, não por um advogado caro.

Walter Delgatti Neto é o personagem que chama a atenção no caso. Já foi preso por falsificar documentos e por tráfico de drogas, depôs igualmente acompanhado por um defensor público e confessou ter hackeado Moro. Era filiado ao DEM e, segundo seu defensor, queria vender ao PT o material que viesse a obter. Na tarde desta quinta-feira 25, ele confessou à PF que entregou o material ao Intercept sem cobrar por isso.

Para um policial federal especialista em cybercrimes, o que se sabe até agora do quarteto revela um método “tosco” ao alcance de qualquer primeiro anista da faculdade de tecnologia da informação. Segundo ele, o golpe só deu certo pois as vítimas não adotavam cuidados simples de segurança. Longe, portanto, de um grupo sofisticado pago com “muitos recursos”, como Moro havia teorizado.

O ex-juiz tem necessidade de ligar o quarteto ao Intercept, a fim de jogar para o segundo plano a questão relevante: sua violação do Código de Processo Penal quando cuidava da Lava Jato em Curitiba. “Essa operação (da PF contra os hackers) é sobretudo para salvar a carreira do Moro, sua ‘credibilidade’, seu futuro político”, diz Eugênio Aragão.

Uma operação, batizada de Spoofing, precedida de três estranhezas. O delegado da PF responsável pelo caso foi trocado, pois o original não produzia os resultados esperados por Moro. A assessora de imprensa do ministro pediu demissão dias depois – Moro antes pregava o “largo uso da imprensa”, agora briga com a mídia. Na semana anterior à operação, o ex-juiz havia saído de férias.

Ao Congresso, o ministro disse ter deixado o Telegram em 2017. Nas conversas divulgadas pelo Intercept, há material sobre 2018 e 2019. Moro foi vítima de hackers em 4 de junho. Ali Greenwald já tinha conversas do ex-juiz. Mandara um e-mail à Globo em 29 de maio numa tentativa de firmar uma parceria. Informação divulgada em um comunicado da própria emissora em 12 de junho.

ENTENDA MAIS SOBRE: , , ,

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo

Apoie o jornalismo que chama as coisas pelo nome

Os Brasis divididos pelo bolsonarismo vivem, pensam e se informam em universos paralelos. A vitória de Lula nos dá, finalmente, perspectivas de retomada da vida em um país minimamente normal. Essa reconstrução, porém, será difícil e demorada. E seu apoio, leitor, é ainda mais fundamental.

Portanto, se você é daqueles brasileiros que ainda valorizam e acreditam no bom jornalismo, ajude CartaCapital a seguir lutando. Contribua com o quanto puder.

Quero apoiar

Leia também

Jornalismo crítico e inteligente. Todos os dias, no seu e-mail

Assine nossa newsletter

Assine nossa newsletter e receba um boletim matinal exclusivo