Política

Moro é alvo do PGR indicado por Bolsonaro e das milícias digitais

De namoro com o presidente, “centrão” é outra promessa de dissabor ao ex-juiz, cujo tiroteio na demissão intriga militares

O ex-juiz da Lava Jato e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Foto: Lula Marques/Fotos Públicas
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Sergio Moro deixou o Ministério da Justiça atirando em Jair Bolsonaro, ao narrar fatos que dão fôlego à hipótese de um processo de cassação do presidente. Mas será que resistirá no papel de “mocinho”? O ex-capitão tem três armas para usar contra ele, e duas já entraram em ação. Suas milícias digitais, o procurador-geral da República, Augusto Aras, e os partidos do “centrão”.

Nesse embate, Moro parece não poder contar com os militares. Chamado de “herói nacional” pelo general Eduardo Villas Boas, ex-chefe do Exército e hoje assessor de Bolsonaro, quando da “Vaza Jato”, não recebeu qualquer gesto fardado favorável. O ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, estava ao lado de Bolsonaro no revide a Moro. No Exército, há quem diga que o ex-juiz ter saído “atirando” não foi normal, que o episódio é estranho e precisa ser depurado.

O procurador-geral indicado por Bolsonaro quer mexer na cumbuca. Pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de um inquérito para investigar as acusações de Moro ao presidente. Mas não quer saber apenas se seu padrinho pecou. Está disposto a ir para cima do ex-ministro.

Aras apontou três crimes potenciais de Moro, caso este tenha mentido sobre fatos relacionados à demissão do chefe da Polícia Federal (PF) por Bolsonaro, degola que levou o ex-juiz a deixar o governo. Calúnia (imputar falsamente um fato criminoso a alguém), injúria (ofender dignidade ou decoro de terceiro) e denúncia caluniosa (atribuir crime a pessoa que se sabe inocente).

Ao deixar o governo, Moro disse que Bolsonaro despediu o delegado Mauricio Valeixo da direção da PF para fazer “intervenção política” e nomear alguém que lhe passe relatórios de inteligência e informações sobre inquéritos do STF. Disse ainda que Valeixo não pediu para sair e que não assinou a demissão dele. A exoneração publicada no Diário Oficial dizia “a pedido” e tinha a assinatura de Moro. Foi republicada depois sem o nome de Moro.

Ouvir o ex-ministro é a primeira providência pedida por Aras ao STF. O procurador-geral quer que ele apresente “manifestação detalhada sobre os termos do pronunciamento (de despedida do governo), com exibição de documentação idônea que eventualmente possua”. Até o domingo 26, o Supremo ainda não tinha autorizado o inquérito. O caso está com o juiz Celso de Mello.

O procurador-geral da República, Augusto Aras. Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF

No fim de semana, Moro foi alvo das milícias digitais bolsonaristas. Elas espalham que o ex-juiz é contra as armas e pró-aborto, o oposto do presidente. Dizem ainda que ele traiu Bolsonaro. Para “provar” a traição, Carlos Bolsonaro divulgou fotos de Moro com o comandante da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que o bolsonarismo diz conspirar contra o ex-capitão, e o tucano Aécio Neves. O próprio presidente tascou na internet: “O ex-ministro mentiu sobre interferência” na PF.

Moro tuitou ser alvo de campanha de fake news. Dois membros da CPI das Fake News, os deputados Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e Tulio Gadelha (PDT-PE), propuseram chamá-lo a depor, para ele explicar a tentativa de Bolsonaro de proteger milícias digitais na mira da Justiça, uma das razões da troca na PF. De namoro com Bolsonaro, o “centrão” votará por chamar Moro? Topará dar-lhe holofotes? Se topar, fará que tipo de pergunta a ele: favorável ou incriminatória?

Importante no jogo parlamentar, o “centrão” não nutre bons sentimentos por Moro, não têm motivo para ajudá-lo contra Bolsonaro, nem para dar holofote ao potencial presidenciável em 2022. Ao contrário. Um dos expoentes da turma, o PP era uma das estrelas investigadas na Operação Lava Jato, quando Moro comandava o caso. Seu líder na Câmara, Arthur Lira (AL), esteve duas vezes com Bolsonaro no Palácio do Planalto em abril, a negociar cargos em troca de apoio.

O “centrão” contribuiu para minar o trabalho de Moro no governo. O Congresso aprovou uma Lei de Abuso de Autoridade bolada como reação ao rigor de Moro na Lava Jato e da força-tarefa por ele chefiada. Ao aprovar o pacote anti-crime elaborado pelo então ministro da Justiça, anulou algumas propostas e criou a figura do “juiz de garantias”, espécie de antídoto contra togados a la Moro.

Para o governador do Maranhão, Flavio Dino (PCdoB), o ex-juiz revelou uma “ilegalidade” ao deixar o governo: ter pedido pensão para a família, se ocorresse algo com a vida dele no Ministério. Para Eugênio Aragão, ex-ministro da Justiça, foi “estelionato”, definido assim no Código Penal: “Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento”.

Para Aragão, Moro não pode reclamar de “interferência” na Polícia Federal por ter, no tempo de juiz da Lava Jato, “ligado ao superintendente da PF para não dar cumprimento a ordem liberatória de desembargador”. É uma referência à soltura do ex-presidente Lula determinada em julho de 2018 em liminar do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional da Quarta Região (TRF-4).

Lula cumpria na época, em Curitiba, pena de 12 anos no caso do triplex e tinha pedido um habeas corpus. Moro ligou para a Superintendência da PF no Paraná, mandou que Lula não fosse solto até que ele, Moro, falasse com alguém no TRF4. A história terminou com a continuidade do petista na prisão.

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