Opinião

Mino Carta: Ignorância e incompetência

Promessa: daqui em diante, não falarei mais do caso Battisti

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Pergunto aos meus desolados botões por que o brasileiro, salvo raras e extraordinárias exceções, é tão ignorante. Respondem que as razões são diversas. Ricos e pobres estudam precariamente, a despeito das diferenças de classe, enquanto muitos são analfabetos além do que soletram as estatísticas. Pouquíssimos leem e nem todos entendem o que leram. Inúmeros, multidões, são navegantes da internet, nas suas diversas formas e pretensas serventias. Isso tudo explica a situação em que mergulhamos impavidamente. O bestialógico triunfa.

O caso Battisti, atingido seu derradeiro capítulo, é altamente representativo da ignorância brasileira a respeito da Itália e da sua história. O Coliseu certamente fica em Roma e a torre em Pisa, mas o conhecimento não vai muito além disso. Graças a professores universitários e políticos nativos tidos como esquerdistas, mais uma escritora de romances policiais e um pseudopensador franceses, o Brasil oficial no final do governo Lula decidiu que Cesare Battisti, ex-ladrão de arrabalde e terrorista assassino por conveniência, foi um herói da luta pela liberdade.

Escudados em leituras equivocadas, não faltaram brasileiros, de autoridades a simples cidadãos, dispostos a crer no que ouviam a respeito, assim como anos após entenderam que a demência pode ser uma forma de governo. Em certas passagens da década de 70, a influência dos EUA interferiu na política italiana, com o beneplácito de democrata-cristãos reacionários, como Giulio Andreotti e Francesco Cossiga. Houve outros, no entanto, de Aldo Moro a Enrico Berlinguer, e o Estado Democrático de Direito permaneceu intocado. Vozes de grande alcance fizeram-se ouvir, como a de Norberto Bobbio. O diário La Repubblica, fundado por Eugenio Scalfari, foi lançado em janeiro de 1976 e logo mais as eleições dariam 36% dos votos ao PDC e 34% ao PC. E nem se fale do que significou na época o cinema de De Sica, Fellini, Visconti, Monicelli, Risi, Scola, Germi e tantos outros, e a literatura de Leonardo Siascia, Italo Calvino, Primo Levi, Pasolini.

As ofensas brasileiras indignaram Napolitano

De caso criado pela ignorância, este enredo passa agora a simbolizar também a nossa incompetência. Na tentativa de capturar Battisti, a PF realizou 30 operações de rastreamento, mas quem o prendeu foi a polícia italiana em Santa Cruz de la Sierra. Quando um avião brasileiro partiu no rumo certo carregado de policiais, era tarde demais. Destaque para as queixas da chamada esquerda verde-amarela em relação ao comportamento de Evo Morales.

Houve no tempo do debate em torno do asilo a Battisti quem alegasse, inclusive nos mais altos escalões governistas, que, se extraditado, o terrorista corria no cárcere risco de vida, como se o Estado italiano não garantisse a vida dos seus presos, grave ofensa a um país amigo, para o desalento e a indignação do então presidente da República Giorgio Napolitano, ex-comunista que viveu intensamente a década de 70. Há encarcerados bem mais graúdos do que Battisti, digamos, Totò Riina, e muito bem guardados.

Permito-me recomendar ao presidente Bolsonaro que não se comova com as simpáticas palavras do ministro Matteo Salvini: ele cuida de dourar a pílula. Aliás, um recente episódio que o envolve mostra o grau de independência da Justiça da Itália em relação aos demais poderes da República, como convém ao correto exercício da democracia. Meses atrás, um navio de bandeira tricolor aportou na Sicília com a costumeira leva de foragidos em busca de refúgio. Salvini, vice-premier e ministro do Interior, determinou que não houvesse desembarque. A Justiça entrou imediatamente em ação e invalidou a decisão ministerial: que todos desembarcassem, porque o próprio barco era solo italiano.

Salvini representa a mesma extrema-direita de Marine Le Pen e se justifica enxergá-lo como neofascista, conforme a terminologia na moda, mas a Alta Corte da Itália não tem a mais pálida semelhança com o nosso Supremo.

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