Política

Mentiras sobre a economia e a popularidade e ataque à Petrobras: o dia de Bolsonaro no G20

Único chefe de Estado do grupo que diz ainda não ter se vacinado, o brasileiro exaltou a imunização ‘voluntária’ em pronunciamento

Foto: Alan Santos/PR
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O presidente Jair Bolsonaro participou, neste sábado 30, do encontro de líderes do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo. Além do discurso oficial, a agenda contou com encontros informais com outros chefes de Estado, em Roma.

Em seu pronunciamento, Bolsonaro afirmou que o grupo deve concentrar esforços adicionais no combate à pandemia, “que continua a assolar muitos países”. Isso se daria por meio da “produção de vacinas, medicamentos e tratamentos nos países em desenvolvimento”.

Bolsonaro é o único chefe de Estado do grupo que diz ainda não ter se vacinado contra a Covid-19. Ainda assim, exaltou o programa de vacinação do País, “extensivo e eficiente”. Também destacou que a imunização ocorreu “de forma voluntária”.

No pronunciamento aos líderes, Bolsonaro ressaltou o auxílio emergencial e afirmou que o Brasil está “comprometido com uma agenda de reformas estruturantes, essenciais para uma retomada econômica sustentada”.

“No Brasil, mais da metade da população nacional já está plenamente imunizada de forma voluntária. Mais de 94% da população adulta já recebeu pelo menos uma dose da vacina. Ao todo, aplicamos mais de 260 milhões de doses, das quais mais de 140 milhões foram produzidas em território nacional. Para o Brasil, os esforços do G20 deveriam concentrar-se no combate à atual pandemia, que continua a assolar muitos países”, disse o brasileiro.

O discurso ocorre uma semana depois de Bolsonaro espalhar uma nova leva de fake news. Além de constantemente questionar a eficácia das vacinas, associou os imunizantes ao desenvolvimento da Aids, atitude que gerou punições nas redes sociaisrepúdio de cientistas e análise pelo Supremo Tribunal Federal.

No G20, o ex-capitão ainda declarou que, “gradualmente, nossas economias recuperam-se à medida em que a crise sanitária é superada”.

“Esses dois processos de recuperação caminham lado a lado. Ambos têm mostrado a relevância de promovermos um comércio internacional livre de medidas distorcivas e discriminatórias. Eis por que a integração de nossas economias, por meio de fluxos cada vez maiores de comércio e investimentos, constitui parte das soluções que buscamos com vistas à recuperação e ao desenvolvimento sustentável.”

Mentiras

Na Itália, Bolsonaro conversou com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, no início da cúpula do G20. Questionado sobre as eleições de 2022, o ex-capitão omitiu as pesquisas que apontam a rejeição popular ao governo.

“Eu também tenho um apoio popular muito grande. Temos uma boa equipe de ministros. Não aceitei indicação de ninguém. Fui eu que botei todo mundo. Prestigiei as Forças Armadas”, disse Bolsonaro. “Um terço dos ministros [é de] militares profissionais. Não é fácil. Fazer as coisas certas é mais difícil.”

Pesquisa PoderData divulgada na última quinta-feira 28 mostra que a reprovação ao governo é de 58%, mesmo índice do levantamento anterior, realizado na 1ª quinzena de outubro. Os que aprovam a gestão são 33%, marca que também repete a última rodada da pesquisa.

A avaliação do desempenho pessoal de Bolsonaro na Presidência teve leve piora. 56% o classificam como ruim ou péssimo, ante 53% no levantamento anterior. Para 26%, ele é bom ou ótimo (eram 29%) e para 14% é regular (eram 18%).

No encontro informal com Erdogan, o ministro da Economia, Paulo Guedes, acompanhou Bolsonaro. O presidente brasileiro também mencionou a Petrobras, após o turco dizer que o País tem “grandes recursos petrolíferos.”

“Petrobras é um problema. Mas estamos quebrando monopólios, com uma reação muito grande. Há pouco tempo era uma empresa de partido político. Mudamos isso”, acrescentou Bolsonaro.

Em entrevista, fake news se repetem

Após o discurso oficial em Roma, Bolsonaro voltou a exaltar uma suposta “recuperação da economia” no Brasil, mesmo em meio a índices que mostram o aprofundamento da crise. Ele tentou demonstrar otimismo com a situação do País em conversa com jornalistas.

“O Brasil está indo muito bem na recuperação da economia. Como eu disse lá atrás, tínhamos dois problemas: o vírus e o desemprego”, repetiu. “O Brasil fez o seu dever de casa e não mediu esforços para atender aos mais necessitados. E precisamos, agora sim, investir na retomada da economia.”

Na última terça-feira 26, o IBGE divulgou o IPCA-15, que é uma prévia da inflação oficial do País. Ele acelerou para 1,20% em outubro, depois de registrar uma taxa de 1,14% em setembro. Trata-se da maior variação para um mês de outubro desde 1995 e da maior variação mensal desde fevereiro de 2016.

Um dia depois, o IBGE comunicou que a taxa de desemprego no Brasil chegou, no trimestre encerrado em agosto, a 13,2%. Apesar de indicar queda, a pesquisa expôs o avanço da informalidade e um abalo histórico no rendimento real dos trabalhadores.

Em meio ao aumento da inflação de alimentos, combustíveis e energia, o Banco Central apertou ainda mais os cintos na política monetária também na quarta-feira 27. Por unanimidade, o Comitê de Política Monetária elevou a taxa Selic, juros básicos da economia, de 6,25% para 7,75% ao ano. A decisão surpreendeu analistas financeiros, que esperavam reajuste para 7,5% ao ano.

Bolsonaro tornou a criticar a imprensa pela cobertura de episódios que ilustram o drama dos brasileiros, como o de pessoas que buscam restos de comida em caminhões.

“A gente lamenta. Agora, quando a gente fala de dobrar o valor do ticket médio do Bolsa Família, a mesma mídia me critica de querer furar o teto. No ano passado, foram 700 bilhões além do teto. Neste ano, com a questão dos precatórios, não furaremos o teto”, acrescentou. O presidente admitiu se preocupar com a dificuldade para aprovar a PEC dos Precatórios na Câmara, mas sugeriu ter um ‘plano B’.

“Preocupa, o ano está acabando. Mas eu sou um paraquedista, sempre tenho um paraquedas reserva comigo, mas com muita responsabilidade.”

Novamente, ele tentou culpar prefeitos e governadores que recorreram a medidas de distanciamento social para frear a pandemia. Também se dirigiu ao “mercado”, em meio à discussão sobre a flexibilização do teto de gastos para acomodar o Auxílio Brasil, programa que acaba com o Bolsa Família e é visto como primordial para a campanha do presidente em 2022.

“Não queremos causar nenhum furor no mercado. O mercado tem de entender que se o Brasil for mal, ele vai se dar mal também. Estamos no mesmo time. O mercado, toda vez nervosinho, atrapalha em tudo o Brasil”, disse Bolsonaro, pouco antes de retomar a ofensiva contra estados e municípios.

“Me criticaram agora há pouco dizendo que eu empobreci. Eu não influenciei negativamente na economia. Não fechei nada no Brasil. Sempre disse que tínhamos de nos preocupar com o vírus e com o desemprego”, acrescentou. “Fiz a minha parte e apanhei muito de grande parte da mídia.”

Sem ataques à Argentina

Bolsonaro se encontrou em Roma com o presidente argentino, Alberto Fernández, durante a reunião do G20, e não reproduziu pessoalmente os ataques desferidos ao país vizinho nos últimos meses em transmissões ao vivo e em diálogos com apoiadores.

Segundo o jornal Pagina 12, de Buenos Aires, o tema da breve conversa entre os dois neste sábado foi o futebol. Em julho, antes da final da Copa América, Bolsonaro apostou em uma vitória da seleção brasileira sobre a argentina por 5 a 0. A equipe de Tite, porém, foi derrotada por 1 a 0, no Maracanã.

“Você não ligou para me felicitar pela vitória da Argentina”, disse Fernández a Bolsonaro no G20, em tom de brincadeira.

Em diversas ocasiões ao longo do governo de Fernández, Bolsonaro promoveu ataques à Argentina. No mais recente deles, aproveitou uma visita a um abrigo da Operação Acolhida, em Boa Vista (RR), para fazer provocações. A força-tarefa é responsável pela recepção de migrantes venezuelanos no Brasil.

Em dado momento de seu discurso, Bolsonaro aventou a possibilidade de que a situação de calamidade em Roraima se repetisse no sul do País, em referência à crise econômica na Argentina.

Protestos nas ruas

No fim da tarde deste sábado (pelo horário italiano), Bolsonaro e sua comitiva, que incluía ministros como Walter Braga Netto (Defesa), ouviram gritos de “genocida” quando voltavam de um passeio pelo Vaticano. Apoiadores responderam com gritos de “mito”.

Na frente da embaixada brasileira em Roma, manifestantes distribuíram cardápios de um fictício “Restaurante do Bolsonaro”. Os panfletos traziam críticas ao governo brasileiro nas áreas ambiental, econômica, de direitos humanos e no combate à pandemia.

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