Política

Márcio França, do PSB: um aliado de Alckmin na mira de Doria

No governo há cem dias, o ex-vice de Alckmin confia na máquina e aposta em uma ampla coligação para se manter no Palácio dos Bandeirantes

França tentou costurar um apoio do PSDB, mas Doria estragou seus planos. "Muito difícil"
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Márcio França estava irritado. Tinha voltado de Brasília na noite anterior e se frustrou ao descobrir que o presidente do PDT, Carlos Lupi, não apoiaria a sua candidatura a governador de São Paulo — queria apenas um pacto a nível nacional. Era uma aliança que ele tinha dado como certa. Assim, às 8h30 da manhã de segunda-feira 6, França entrou em seu gabinete reclamando do PDT, da política, da burocracia analógica que dificultava a formação tardia de coligações.

Alguns minutos depois, quando o fotógrafo chegou, achou melhor mudar de sala. “Aqui tudo é reconhecido, entendeu? Fica constrangedor. Eles já meteram dez ações contra mim aí, do PSDB. Se vocês não se incomodarem…” Receava que seu principal concorrente na disputa ao Palácio dos Bandeirantes, João Doria (PSDB) — ou melhor, a campanha dele — o processasse outra vez por suposto uso de um bem público para fins eleitorais. Ele nos levou até a sala de jantar da ala residencial do Palácio, fechou todas as portas e ficou mais à vontade.

“Ninguém botou fé que eu fosse ficar vivo nessa história”, disse em determinado momento. Não é à toa: dos principais candidatos ao governo de São Paulo, ele é o menos conhecido. Coleciona histórias de gente que encontrou na rua e não sabia quem ele era. Com exceção dos próprios políticos e dos residentes da Baixada Santista, que viram nascer sua carreira, é o caso da maioria das pessoas. França comanda o estado mais rico do país há apenas cem dias, desde que Geraldo Alckmin (PSDB), de quem era vice, renunciou ao cargo para disputar a presidência da República.

O ex-vice-governador está em terceiro lugar nas pesquisas, atrás de dois antigos aliados: Paulo Skaf (MDB) e Doria. Sacou o celular do paletó para mostrar uma das sondagens que seu partido, o PSB, encomenda semanalmente para uso interno. “Eu sempre uso estatística. Não invento. A última grande eleição, no Tocantins, foi muito semelhante à eleição daqui.” Explicou que, lá, o prefeito da capital, um outsider rico e famoso, renunciou para concorrer a um mandato-tampão no governo do estado (o governador teve o mandato cassado por corrupção), contra o vice-governador desconhecido. Haviam outros concorrentes competitivos ao cargo. Contra todas as apostas, quem levou foi o vice. “As pessoas afunilaram. No segundo turno ninguém vota em ninguém, vota mais pra reeleição dos outros.” Por essa e outras razões, está crente de que vai continuar no Bandeirantes em 2019.

Todos que conviveram com França em algum momento garantem que ele não fez inimigos na política, somente adversários. A frase é sempre tão igual que parece ter sido combinada. “Ele é um grande articulador, um cara que sabe conversar. Se assume como um político, mas um político sério. Não é um cara que tá lá pra roubar. O prazer dele é ser bem-visto e fazer as coisas boas”, descreve Eliseu Gabriel, um de seus coordenadores de campanha.

“O cara é maluco. Cinco e meia da manhã começa a mandar zap”, comentou um assessor de França, enquanto fazia hora para a conversa no Bandeirantes, sem o menor traço de maldade na voz. Era um elogio. “Mas é porque ele gosta disso.”

IMG_0017-10.jpg “Eu sempre uso estatística. não invento. A última grande eleição, no Tocantins, foi muito semelhante à eleição daqui.” (Foto: Cauê Gomes)

Márcio Luiz França Gomes nasceu em Santos, em 1963, mas cresceu em São Vicente. Todos em sua família eram médicos ou professores. Seu pai, Luiz Gonzaga Gomes, era um pediatra da rede pública que ficou conhecido por atender à população mais pobre de São Vicente.

Apesar de se manter distante da política, Luiz Gonzaga era amigo de Mário Covas antes de ele fundar o PSDB e subir a serra — expressão que descreve os caiçaras que migram para São Paulo e, na maioria dos casos, ascendem socialmente a partir disso.

A decisão de cursar direito (e, posteriormente, ingressar na política) contrariava totalmente os planos do pai. Negociou com ele que estudaria para ser diplomata. “Cheguei a me preparar um pouquinho pra fazer Instituto Rio Branco. mas acabei entrando logo de cara nos movimentos estudantis.”

Na Universidade Católica de Santos (Unisantos), França foi apresentado à política por Edmur Mesquita, ex-seminarista e ex-militante do MR8 que ele conhecia da Diocese de Santos. Ele sucedeu Mesquita na presidência do diretório acadêmico, por onde palestraram Lula, FHC, Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Dom Paulo Evaristo Arns. Já naquela época, França era ágil e “muito conversador”. “O Márcio é muito atraente nesse aspecto, de se envolver com as pessoas”, comentou Mesquita.

Hoje com 64 anos, Mesquita é um homem grisalho, formal e cauteloso com as palavras. Considerado um dos braços-direitos de Alckmin, ocupou funções burocráticas em todas as gestões do tucano. Ajudou a fundar o diretório santista de um partido visto, à época, como novo e promissor: o PSDB. Vendo potencial no amigo, tentou articular para que ele se juntasse à legenda. (Por muito pouco, Márcio França não foi tucano. Um dirigente local do partido, Paulo de Souza, impediu que ele fosse aceito.)

Desde a época da faculdade, França falava em ser governador do estado. A chance de entrar na política institucional veio nas eleições de 1988, quando se lançou a vereador e venceu.

“Partido pequeno, cabia num fusquinha”, lembra Léo Santos. Hoje presidente municipal do PSB vicentino, Santos trabalhava em bicos como feirante e sonoplasta quando conheceu Márcio França. Foi convidado por uma amiga da night a trabalhar em sua campanha. Na época, o PSB vicentino não ia às convenções de fusquinha, mas de kombi. Eram 20 horas de estrada até Brasília. “Militante de verdade não tinha esse negócio de ir de avião, era busão mesmo.”

Não é mais assim. Desde a eleição de Márcio França a prefeito, em 1996, o PSB construiu uma base estável na periferia da cidade e dominou a política local quase sem interrupção. Todos os prefeitos depois dele vieram do PSB — incluindo o único da oposição que ganhou, Luiz Cláudio Bili (PP), ex-socialista. (O concorrente de Bili foi o filho de Márcio, Caio França, então com 23 anos.) O prefeito atual é o cunhado de França, Pedro Gouvêa, do MDB.

França se empenhou na campanha a prefeito. Nos cálculos de Marcelo Henrique Pereira — um animador de eventos que trabalhou com ele por duas décadas, conhecido no show business como Marcelo Ricky — foram mais de 500 comícios entre 1988 e 2006. “A gente pegou ele beeem no começo”, contou. “Sabe o jeito dele de ser? Não mudou nada, continua a mesma pessoa.”

Eleito com 59 mil votos, ele concluiu o primeiro mandato com 93% de aprovação — dado que reciclou ostensivamente nas campanhas posteriores. “São Vicente era um lugar em que os maus prefeitos se revezavam”, disse um advogado que conheceu França na OAB santista, na década de 80. “Ele fez uma boa gestão, até porque São Vicente era uma política de terra arrasada. Qualquer um que fizesse alguma coisa seria considerado salvador da pátria.”

Praticamente todos os índices da cidade melhoraram na gestão França. Ele efetivou a limpeza nas praias da cidade, e criou um programa de alistamento civil, de inspiração tucana, que empregava jovens expulsos do Exército. Principalmente, fez uma amizade produtiva com Mário Covas, então governador de São Paulo.

IMG_0065-1.jpg “Eu não tenho vocação pra ser satélite. Quem imaginou isso vai errar.” (Foto: Cauê Gomes)

 Sendo engenheiro, Covas tinha um faro para obras superfaturadas; ele teria logo percebido que não era o caso de França. “Houve uma identificação muito forte [de França] com o governador”, lembrou Edmur Mesquita. “Ele ajudou muito a cidade de São Vicente.” Covas liberou verba para obras de reurbanização de bairros periféricos da cidade, que sempre foi uma das mais pobres do estado.

“Nós sempre fomos de grandes embates públicos”, disse França. Um deles: em uma reunião no Sindicato dos Engenheiros de Santos, ele propôs a Covas fazer um viaduto orçado em R$ 3,7 milhões por R$ 1 milhão. “Não fala bobagem”, disse o governador. França insistiu, e Covas subiu o tom. Por fim, cedeu: “Dá o projeto aqui que eu vou autorizar.” França havia blefado e não tinha projeto nenhum. Mesmo assim, a obra aconteceu. A última aparição pública de Covas, de cadeira de rodas e chapéu panamá, foi ao lado de França, vistoriando esse viaduto. Hoje, Covas é um dos dois nomes que França cita sempre que é perguntado sobre seus ídolos na política. (O outro é Miguel Arraes, fundador do PSB.)

Há outra história. Em 2000, como nos anos anteriores, a prefeitura vicentina havia contratado mais de mil atores para encenar, na praia, a chegada de Martim Afonso de Sousa e a fundação da primeira cidade do Brasil. Mário Covas havia feito um gesto grandioso e transferido, durante três dias, a capital do estado para São Vicente. Os Três Poderes foram para lá. Mais que uma efeméride, era uma demonstração pública de apoio.

Durante a encenação, França sentou ao lado de Edmur Mesquita. Os dois conversaram a noite inteira, quase sem assistir à peça, bolando um rascunho de como o prefeito poderia chegar ao governo do estado. “Olha, você tem muita chance de amanhã fazer uma parceria e ser um vice-governador [do PSDB]”, propôs Mesquita. Daí para uma candidatura própria ao governo seria um pulo. “Não é que deu certo mesmo?”

Depois de se reeleger na prefeitura e eleger um sucessor, França tirou uma folga de dois anos. Em 2007, se elegeu deputado federal. Logo que chegou a Brasília, teve uma divergência grave com a bancada do PT, que trocou uma aliança com uma frente progressista costurada por França — que incluía PDT, PSB e PCdoB — por outra com o PMDB. “Na minha visão, ali foi o primeiro grande erro do PT”, disse. Mesmo sem o PT, o “bloco de esquerda” foi bem-sucedido em aprovar leis, em uma época em que votar por blocos não era expediente comum na Câmara.

França se reelegeu no mandato seguinte, mas pediu ao PSB para voltar a São Paulo como secretário de Alckmin. Seu objetivo era aproximar o governador tucano de Eduardo Campos, que o PSB planejava lançar a presidente no futuro. Mas retornou à capital federal pouco depois, em 2012, em função de uma articulação complicada para as eleições a prefeito de São Paulo. “O PSDB lançou o Serra. E o Eduardo fez alguma negociação com ele. Acho que envolvia Recife, por conta do Haddad. Saí do governo para não ficar numa posição constrangedora”, contou.

Ele já foi aliado do PT, do PSDB e até dos dois ao mesmo tempo, em seu início como vereador em São Vicente. “Tenho quase 37 anos de eterna divergência desse jeito. Os petistas achando que eu sou tucano, os tucanos achando que eu sou petista. Tenho sobrevida aqui até onde posso.”

IMG_9987-7.jpg O plano era o seguinte: em 2018, o PSDB abriria mão de lançar um candidato ao governo para apoiar França. (Foto: Cauê Gomes)

Dois dias antes, o discurso de França na convenção que o lançou candidato já se aproximava do fim. Tomou fôlego e declarou: “Aqui em São Paulo, têm quatro que vão disputar, e eu respeito todos.” Subiu o tom: “Mas sinceramente, quando as pessoas olharem, vão perguntar: Quem é essa pessoa? De onde ela veio? Com quem ele está? Queeem está com ele?” Recebeu uma salva de palmas entusiasmada.

Há mais de três décadas, na vida pessoal e política, tucanos em cargos variados correspondem a uma boa parte das companhias de França. (Deputado federal pelo PSOL, Ivan Valente chegou a classificar a candidatura de França como “semitucana”. “Ela não tem nada contra o fisiologismo que opera em São Paulo”, comentou num telefonema em março.) O ex-prefeito de São Vicente conhece profundamente as dinâmicas do partido e tem boa relação com sua velha guarda social-democrata.

“O verdadeiro PSDB se aproxima muito do Márcio. O que ficou de melhor, menos à direita, tá tudo com o Márcio”, disse Eliseu Gabriel. Vereador e presidente do PSB em São Paulo, Gabriel tem cerca de sessenta anos, traços sérios e uma cabeleira branca. Usava uma jaqueta preta de motoqueiro por cima da camisa, que lhe conferia um ar jovial. Ele integrou a gestão Doria por sete meses, mas voltou ao cargo para preparar o terreno local para a candidatura de França.

Foi também a proximidade aos tucanos que permitiu a França ser vice de Alckmin. “Tinha pelo menos uns dez do PSDB querendo ser vice, e ele [Alckmin] não precisava necessariamente por um cara do PSB. No entanto, ele [França] teve a capacidade de costurar, costurar e ser o vice. Só isso já mostra a capacidade política dele.”

Em São Paulo, os socialistas são bem-vindos, desde que não mandem. No estado em que o PSDB detém 163 prefeituras, Márcio França vive segundo sua própria máxima de que, “em festa de tucano, a pomba não pia”. Mesmo assim, a boa relação com o PSDB o fez acreditar que conseguiria convencer o partido a abandonar uma candidatura própria e apoiá-lo.

O plano era o seguinte: em 2018, o PSDB abriria mão de lançar um candidato ao governo para apoiar França. Dificilmente a chapa perderia. Os tucanos teriam quatro anos para agir nos bastidores e se beneficiar da aparência de renovação política no Bandeirantes. Em 2022, França não poderia mais concorrer, e voltaria a apoiar o candidato tucano.

Seria difícil convencer um partido há seis gestões no poder a abdicar de um mandato, mas França estava crente de que conseguiria articular isso. Tinha o aval de Alckmin e de seus quadros mais próximos. O “elemento desestabilizador” que acabou com esses planos, nas palavras de um dirigente socialista, foi a candidatura de João Doria.

mfcomalckmin.jpg Se no PT ou no PSOL os nomes de Alckmin e Doria causem certa ojeriza, ao PSB de França eles foram aliados valiosos (Foto: Governo de São Paulo)

Doria começou a dar indícios de que não completaria seu mandato na prefeitura no final do ano passado, em que viajou quase 50 vezes. A agenda de candidato preocupou seus aliados, por mais que o empresário garantisse com frequência a tucanos e pombas que ficaria lá até o final. Quando renunciou para concorrer ao governo, em 7 de março, o gesto não se limitou a rachar o PSDB — comprometeu também o PSB. França teve seus planos de aliança frustrados e percebeu que a disputa seria mais dura. “Era muito difícil”, admitiu, enquanto posava para fotos.

Segundo integrantes de sua campanha, ele também se sentiu pessoalmente traído. Sua relação com o ex-prefeito foi descrita por um aliado próximo como “a pior possível”. Principalmente por lealdade a Alckmin, ele ficou responsável por costurar boa parte das alianças do autodeclarado não-político, em 2016. Agora, se via com uma chapa potencial bastante menor do que havia planejado e recebia ataques gratuitos de Doria na rádio, que o chamou de “Márcio Cuba”. (Segundo conta, França respondeu a isso presenteando o ex-prefeito com uma caixa de charutos cubanos. Depois, o processou.)

Politicamente, a manobra de Doria também o colocou numa posição desconfortável. Mesmo tendo declarado diversas vezes que Alckmin era seu “candidato do coração” à presidência, França não pode receber esse apoio de volta. Além disso, foi excluído de uma aliança dos partidos maiores do Centrão — DEM, PSD, PRB, PTC e PP — que foram, por tradição, ao encontro dos tucanos. França rebateu conquistando alianças ecléticas com catorze partidos menores, que incluem PR, Patriota e PSC (o presidenciável Jair Bolsonaro teve passagens pelos últimos dois).

Nos próximos meses, terá o desafio de se diferenciar de dois concorrentes que foram aliados próximos em outros tempos. Um vídeo de 2010 mostrava França, então deputado federal, apresentando Paulo Skaf, candidato do PSB ao governo paulista na época — e que, hoje, disputa contra ele.

Essa briga de situação contra ex-situação deve ser personalista. Ao sair da coletiva que seguiu à convenção dos socialistas, França era agarrado por jornalistas, assessores e aliados em um corredor estreito quando tomou alguns segundos para explicar seu discurso a CartaCapital. “Minha origem não tem nada a ver com a deles. Sou filho de servidor público. É outro padrão de vida, entendeu? Eles olham a vida pelo lado que o Estado tem que ser bem enxutinho e soltar cada um na roda. Isso em países muito desenvolvidos é correto, mas no Brasil, não tem noção. Acredite, eles não têm noção do que falam.”

Cerca de meia hora antes, havia testado as águas desse discurso na base aliada dos socialistas. “Quem estudou em escola pública, levanta a mão!”, discursou ao microfone. Quase todos que estavam ali levantaram a mão. “Eu também. E quem anda de helicóptero, levanta a mão!” Mais aplausos.

pmhomen1.jpg França causou certa controvérsia quando presenteou com flores uma PM que matou um ladrão fora do expediente. (Foto: Governo de São Paulo)

Entender França passa por entender o PSB. Se no PT ou no PSOL os nomes de Alckmin e Doria causam certa ojeriza, ao PSB de França eles foram aliados valiosos. Nos demais estados, os socialistas foram liberados para apoiar os presidenciáveis que preferirem — o que deve resultar em palanques favoráveis a Ciro Gomes (PDT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Lula (PT). Há uma lógica nisso.

Para se manter relevante, o PSB desenvolveu um jogo duplo. Na visão dos socialistas, há dois Brasis: um “de Minas para cima” — mais dependente do Estado e propenso a candidatos de esquerda —, e outro “de Minas para baixo” — mais rico, mais tucano e de orientação mais liberal. Cada Brasil pede um tipo de candidato.

Em vez de ler isso como contradição ou divisão interna, o partido abraçou o pluralismo. Na janela partidária desse ano, por exemplo, a bancada socialista na Câmara Federal perdeu congressistas para o PRB, PSC, DEM e PP.

Estando abaixo de Minas Gerais, França se comporta como um meio termo entre esquerda e direita. “Talvez isso seja o que mais é valorizado pela classe política. Alguém que é capaz de ser fiel à sua palavra”, cravou Mário Covas Neto, filho do ex-governador do estado e candidato ao Senado pela chapa de França pelo Podemos. (“O pai dele é famoso”, justificou o governador.)

Para evitar ser visto como esquerdista, França passou a dizer que essas classificações são ultrapassadas, que o socialismo que defende é à maneira do atual governo português, e que, por fim, o importante é “manter a palavra”. Somado a isso, escolheu para vice a comandante da polícia militar Eliane Nikoluk. (Em 2010, ele chegou a se aliar localmente com o PSL, atual partido de Jair Bolsonaro.)

“O Márcio convive com todo mundo. Não faz inimigos”, disse Léo Santos. O PSB também não.

WhatsApp Image 2018-08-07 at 19.32.07.jpeg França com os Covas, 2001 (Divulgação)

Quarenta quilos separam o Márcio França de 2018 do anterior. Alguns meses antes da posse, ele se submeteu a uma cirurgia bariátrica. “E não era tão gordo pela quantidade que comia”, notou Eliseu Gabriel, rindo. “Ficou muito diferente. Às vezes a gente pensa, ‘É com ele mesmo que eu tô falando?’ ” França ainda raspou o cavanhaque e assumiu um combover grisalho. Seu azar veio pela falta de timming: no dia da sua posse, o ex-presidente Lula foi preso.

A mudança de imagem acompanhou uma série de ações públicas. Foi o primeiro a chegar no incêndio no Largo do Payssandu, e também a negociar com os caminhoneiros em greve. Causou certa controvérsia quando presenteou com flores uma PM que matou um ladrão fora do expediente. França tem se submetido a uma maratona de entrevistas, do Roda Viva à Sônia Abrão. A imprensa se manteve longe de seu suposto domínio sobre a política regional na Baixada — a principal crítica que recebe da oposição em São Vicente. (Ele a admite: “Toda vez que você tem muitos anos [de gestão], você cria defeitos, claro.”)

Também se esquivou do inquérito mais recente aberto contra ele, no Ministério Público, que o acusou de improbidade ao nomear ex-assessores para cargos na Codesp, empresa que gere o Porto de Santos. Quando questionado sobre isso, França diz que o inquérito foi arquivado. (O autor da denúncia, Raphael Cardoso dos Reis, argumenta que o órgão perdeu sua independência, junto com a polícia civil, no momento em que França foi empossado governador.)

De resto, França aguarda ansiosamente pelo início da propaganda eleitoral. Sua principal aposta, que motivou suas alianças, é que fique conhecido na TV e vá para o segundo turno com Skaf. “Se eu não tivesse tempo [de TV] e alianças, não teria condição de ser candidato. PT e PSDB sempre fazem essas conversas, tipo: ‘Não se alie, se você se aliar, é ruim.’ Mas eles se aliam! Todo mundo é satélite deles”, explanou. “Eu não tenho vocação pra ser satélite. Quem imaginou isso vai errar.”

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